Nº 23 - Maio/Junho de 1999

MAITRI

Roda da Vida

"Maitri" quer dizer se acarinhar. Quando nos maltratamos ou não nos respeitamos, maltratamos ou deixamos de respeitar também o próximo, projetando no mundo ou maltrato que nos reservamos. É quando nos acarinhamos que podemos acarinhar os demais. Quando nos acarinhamos estamos de posse da chave de ouro para o nosso coração porque podemos valorizar quem nos rodela mesmo quando são incomodativos.

“Valorização” talvez não seja uma boa palavra porque quando alguém nos leva às raias da loucura está meramente nos comunicando tudo aquilo que não queremos saber. Quando isso acontece, vemos que recorremos à críticas e acusações para de alguma forma atingí-los. Isto só acontece porque rejeitamos grande parte do que somos e são estes conteúdos rejeitados que se convertem em crítica os quais depois projetamos.

Se elaborarmos uma lista dos motivos que nos levam a antipatizar com certas pessoas chegariamos a conclusão de que são aspectos de nós próprios que preferimos relegar ao esquecimento. Procure uma palavra que descreva certas pessoas com quem não simpatiza. Depois, confira para ver se não são os conteúdos pessoais que rejeitamos em nós mesmos.

Quando nos aborrecemos com pessoas ou situações em nossas vidas, é porque fomos tocados nalgum ponto bem defendido do nosso íntimo. Apontaram um facho de luz para nossos conteúdos que não honramos e despertaram demônios e outros monstros adormecidos na escuridão que não quisemos trazer à luz para ocultar o que vai no nosso íntimo. O que chamo aqui de demônios e monstros são sentimentos de vergonha, de raiva, de ciúme, de abandono, de profundo ressentimento ou conteúdos dos quais nunca tomamos conhecimento e que talvez nem estejamos prontos para tomar.

Quando percebemos que estamos fazendo má figura ou que fazem pouco de nós surge um grande mal estar e a necessidade premente de sair da situação. O mal estar se manifesta em um bilhão de máscaras, de estorinhas mas o incômodo é grande; não queremos nos acercar desta agitação criando um espaço amplo para ela, ou simplesmente honrá-la. Pelo contrário, empreendemos a grande fuga: seja explodindo e colocando a culpa numa outra pessoa; seja por palavras, xingando, ou fisicamente agredindo, batendo a porta, jogando a panela numa tentativa vã de negar a forte emoção que nos invade. Ou então reprimimos e nos sentimos culpados por temos passado por essa violenta emoção, tão dolorosa que partimos em busca de anestesia, geralmente encontrada na distração.

O consumo compulsivo é uma forma de lidar com este mal estar.

Tive por companheiro numa viagem que fiz de avião um senhor que a meio do caminho tomou umas pastilhas explicando-me que eram tranqulizantes. Perguntei-lhe se se sentia agitado e ele disse, "Não, mas talvez sinta quando chegar em casa." Fazemos isto muito, temendo o mal estar tratamos de evitá-lo mesmo antes que ele aconteça. É como se o "perfume" do mal estar que esteja para acontecer já nos obrigue a evitá-lo. Nada nos leva a honrar o sentimento de mal estar e tudo nos leva a pensar que se tivéssemos agido corretamente jamais estariamos em tal posição.

Quando ouvi este ensinamento pela primeira vez podia acreditar ainda que tudo provasse em contrário, porque me julgava uma mulher inteligente e capaz de afastar qualquer mal estar. Foi então que comecei a observar como reagia ao mal estar e descobri que era com o sentimento de que tinha feito algo errado, ou ido pelo mal caminho e surgia então a necessidade de buscar o acerto. Tinha o forte sentimento de que se pudesse apenas fazer isto ou aquilo não teria que passar por tais provações e que me sentia assim apenas porque tinha dito uma palavra infeliz ou casado com a pessoa errada ou por ter um chefe como aquele. Se pudesse pelo menos fazer um cooper, não estaria assim tão gorda; se fizesse um curso de graduação não me sentiria tão despreparada e poderia acompanhar melhor a conversa dos meus amigos privilegiados; se pudesse apenas meditar, a minha mente se acalmaria e eu poderia encontrar a paz. Eis aí o grande mito, o incrível e cruel mito, uma construção que só pode ruir. Disseram-me uma vez: “Sinto-me sempre como se estivesse travando uma batalha com a vida em que a vida está sempre ganhando.”

Mas um dia ouvi os ensinamentos sobre a importância de uma boa relação comigo mesma. (Já se passaram 20 anos e ainda estou tentando apreender o que isto quer dizer). Mas o que disseram na primeira noite que ouvi uma palestra sobre budismo é que é preciso saber que não vamos conseguir acertar o tempo todo e o conferencista disse isto com um sorriso confiante que me trouxe um grande alivio. Você pensa que pode atingir a perfeição? Pois bem, não pode.

Senti na pele esta lição quando assumi a direção de um mosteiro acabado de construir, Gampo Abbey, na Nova Escócia, Canadá. Se já tentaram alguma vez acertar todos os detalhes num âmbito mais amplo, envolvendo pessoal, saberão o que quero dizer. Difícil de acreditar que após todos estes anos de prática eu ainda pudesse acreditar que conseguiria. Observei, por exemplo, que tínhamos um cozinheiro e um encarregado de finanças, mas não tinha ninguém para cuidar da canalização nem da manutenção do prédio que ruía. Então um dia apareceu alguém capaz de consertar todos os canos. Oh, que alívio, agora está tudo em ordem, mas neste momento o cozinheiro comunicou que ia embora. E então, começava o malabarismo. Um momento se tem cozinheiro, encarregado de finanças e da manutenção mas não se tem residentes e aí surge a questão, mas então porque estamos fazendo tudo isto? E isto se passa com a nossa posição econômica, a nossa vida amorosa, com tudo mais. A imagem que me vinha à idéia era de um alguidar cheio de sapos, podemos colocá-los ali, mas depois eles vão estar sempre pulando para fora. E assim se passa com tudo na vida. Nunca conseguimos ter tudo em dia, pelo menos não por muito tempo.

Está é precisamente uma das "afirmações" dos ensinamentos budistas. As afirmações budistas são engraçadas porque não são como as que conhecemos. Por exemplo, “você nunca vai conseguir acertar tudo,” é uma afirmação budista. Outra diz o seguinte: “não ter medo de fazer papel de tolo.”

Onde quero chegar é que voce só pode ver o mundo como você se ve.

Maitri, acarinhar-se, é o fundamento que nos deixa à vontade no mundo, que nos permite constatar que o mundo não nos agride. Formamos uma imagem de nós mesmos que procuramos debalde alcançar, denominado no Budismo, ego, uma imagem que queremos que seja imutável. Como não é sempre uma imagem positiva pode até ser a de um perdedor. Se temos uma má auto estima será esta a imagem que trataremos de recrear. O que acontece é que não conseguimos recreá-la a contento, desanimamos, surgem daí muitos sentimentos negativos e nos antagonizamos com quem não alimenta a imagem que não realizamos ou porque não correspondem à imagem que projetamos deles.

E assim, na palestra que assisti soube que tinha que estabelecer uma relação de amizade com os conteúdos da minha pessoa de que me envergonhava até com os que detestava porque, enquanto tivesse medo de algum conteúdo iria ter medo dos do mundo. Desdenhando nossos conteúdos, desdenharemos os do mundo. Enquanto tivermos elevados ideais e opiniões formadas sobre como deveríamos ser vamos estar não só nos criticando, mas também criticando os outros que não estão a altura dos nossos ideais e opiniões formadas.

Maitri é conhecer todos os nossos conteúdos sem fugir daqueles que são especialmente dolorosos e honrá-los. Não procurar apenas conforto e segurança mas desenvolver um certo gosto pela insegurança. Começamos a aprender que a insegurança e até uma certa vertigem é o ponto de largada para as grandes descobertas interiores. Admitir vivenciar situações inéditas, nos atrapalharmos, nos sentirmos incompetentes, ou arrependidos de um ataque de fúria enquanto que a pessoa que admiramos seria incapaz de perder a calma ... a conscientização de todos estes sentimentos são marcos do coração que começa a se abrir em vez de manter-se fechado.

Quando durante a meditação surgem estas lembranças ficamos tensos e desligamos. A mente argumenta insistente que está tudo errado, que deveria ser diferente e estes pensamentos são como as paredes de uma prisão que só nos oferecem uma visão e uma vida claustrofóbica. E tudo isso acontece quando não honramos nossos sentimentos e fechamos o nosso coração em vez de abri-lo e torná­lo mais brando.

Em vez de fugir quando o mal estar e o sentimento de insegurança aparecem, o que propomos e uma abordagem bem diferente. Aqui começamos a abrir cada vez mais o coração, os olhos, os ouvidos e analisar o mal estar e o sentimento de insegurança. A jornada do contemplativo ou do místico acontece aqui mesmo, onde a comodidade e o bem estar são dispensados.

Quando acolhemos estes sentimentos somos capazes de transmutar os chamados sentimentos “negativos”. Segundo os ensinamentos do Budismo Vajrayana, o budismo tântrico, a nossa sabedoria e a nossa confusão são uma mesma tecitura e não é possível nos desfazer de uma sem descartar a outra. Mas de alguma forma queremos nos desfazer do mal estar, seja através de justificativas, de repressão ou supressão. Na tentativa de nos livrarmos da “negatividade”, tentando terminar de vez com ela, descartamos também a nossa sabedoria, porque tudo em nós é energia criativa, sobretudo estas fortes emoções. Elas estão sempre cheias de força criativa - força vital, portanto a “negatividade” por si só não está errada - o que está errado é não nos acercarmos dela, honrando-a, tomando o seu pulso, provando-a, cheirando-a. Em vez disso tentamos nos livrar dela com um murro ou denegrindo alguém, nos castigando ou reprimindo a nossa emoção. Assim, no ponto depois da repressão e antes da explosão vamos encontrar profunda sabedoria e o momento infinito.

Se apenas tentarmos nos livrar destas emoções não vamos jamais saber que elas contêm sabedoria. A transmutação advém da disposição de “amarrar o cinto” e aceitar a emoção, dispensar estorinhas e justificativas. Não precisamos tomar qualquer atitude, podemos passar um bom tempo com esta nota desafinada e não é preciso mudar de escala para poder terminar a música.

Maitri é o começo: mas serve para o começo, serve para o meio e serve para o fim. Maitri é imprescindível para a transmutação da negatividade em energia criativa.

O que é bastante curioso é que esta jornada é empreendida com uma sensação enorme de alegria. O problema é que buscamos a alegria de uma forma errada, na tentativa de não nos expor a urna grande parte da experiência humana. Buscamos a felicidade negando nossos conteúdos internos e achando que temos que mudar. Mas em vez de mudar, precisamos cultivar um tipo de inteligência que nos permita observar-nos e ver-nos com perfeita clareza, nitidez e honestidade mas também com bondade e carinho Esta mistura de honestidade, clareza e carinho é a essência de Maitri.

Na meditação podemos observar as coisas tal como elas são, sem precisar fechar os olhos, os ouvidos ou o coração e isto é como estar permanentemente em território desconhecido. Embrenhamo-nos pelo que desconhecemos em nós mesmos sabendo que esta aventura não nos leva somente para as profundezas do ser, mas sim para a sabedoria imanente do Universo. Só podemos nos embrenhar por lugares onde sentimos alguma confiança porque é uma temeridade enfrentar o desconhecido. Mas para enfrentar o desconhecido precisamos estabelecer uma relação de carinho com todos os nossos conteúdos internos interessando-nos pelo que desconhecemos aqui e agora: nós mesmos. Maitri pode parecer um retorno ao ego, uma forma de egoísmo, mas na verdade quando nos miramos com grande honestidade e clareza, observando nossas emoções, pensamentos e nossa forma de ser com carinho começam a se esboroar as paredes que nos separam do mundo e dos demais. Estas paredes, esta sensação de isolamento de tudo e de todos, são feitas de opiniões, de dogma, e preconceito, de medo e da recusa de chegar a conhecê-las.

Outro aspecto desta análise é que não precisamos nos enclausurar na nossa história, podemos ir adiante, sem nos empedernir no tempo e no espaço como se não pudêssemos e até se pudêssemos.

Para nos libertarmos do nosso passado, precisamos ter uma boa relação de carinho com a pessoa que somos hoje, aceitando as lembranças e relacionamentos, bem como os sentimentos que surgem destas lembranças para não continuarmos agrilhoados à nossa história pessoal, nem pela idéia imobilizante que fazemos de nós mesmos.

Existe um ensinamento tibetano que diz: "A auto estima é a raiz de todo o sofrimento", ou "A auto estima é a semente de todo infortúnio" e cerca de 85% dos ocidentais pensariam que a forma de seguir o ensinamento seria não se acarinhando e que envolver-se consigo mesmo seria contrário ao despertar. Mas não é assim que o ensinamento deve ser interpretado; o que ele pretende transmitir é que não devemos nos fixar numa idéia pré-concebida de nós mesmos. O que foi traduzido por "auto estima" é a qualidade fixativa, imobilizante do ego. Ego quer dizer tentar nos proteger nos fixando, criando barreiras protetoras contra o mal estar e a indecisão.

"Auto estima" neste ensinamento refere-se à idéia errónea de que poderia haver apenas conforto e nunca desconforto, ou só felicidade e nunca infelicidade, ou só o bem e nunca o mal.

Mas os ensinamentos budistas nos mostram que podemos abarcar uma visão muito mais abrangente, uma visão que iria para além do bem e do mal, categorias que surgem devido à falta de "Maitri". Dizemos que está bem aquilo que nos transmite segurança e mal aquilo que nos transmite insegurança. Assim, odiamos aqueles que não nos garante segurança, como praticantes de diferentes religiões, gente de outras nacionalidades, etc. E gostamos daqueles que nos estabilizam, que nos devolvem firmeza. Portanto, acredito que "auto estima" é uma tradução inexata. O que o ensinamento nos diz é que quando nos preocupamos, preocupados em nos proteger, não podemos ver a dor estampada na face do outro. É dessa qualidade fixativa, imobilizante que se trata, como se nossos punhos se fechassem e não os pudéssemos mais abrir; quem diz punhos diz ombros, cabeça, estômago, estamos cheios de nós. Quando começamos a soltar estes nós nos acercamos do próximo e podemos ser úteis para eles. Mas enquanto não tivermos lidado com o nosso medo, quando ele surgir vamos nos fechar cada vez mais.

Diz-se que conhecer-se é ir além de si mesmo; o que quer dizer, quanto mais completa e honestamente nos conhecermos, sendo capazes de nos encarar tal como somos, passamos a viver num espaço aberto sem preocupações de chão, paredes ou teto sendo capazes de nos transportar para todos os lados porque não temos nada a perder. Podemos mirar olho no olho, qualquer pessoa porque não temos nada que temer.

Assim, diz-se que conhecer-se é ir além de si mesmo, e então o ditado termina: “ir para além de si mesmo é permitir que todas as coisas nos iluminem", o que quer dizer que quando nos relacionamos bem com nós mesmos não nos ensimesmamos. É uma viravolta interessante. Observamos então que o mundo está em permanente diálogo conosco, cada situação, cada acontecimento, a natureza, as pessoas, vivemos em diálogo, aprendendo a despertar. Nosso mundo é maravilhoso, mas muitas vezes nos escapa, como no cinema quando vemos a apresentação das próximas atrações sem chegar jamais a ver o filme em destaque.

Falta-nos Maitri quando temos ressentimento ou passamos julgamentos. Mas por trás do ressentimento está o medo e atrás do medo está uma grande suavidade - um coração imenso e uma mente luminosa e desperta, porque esta é a natureza do ser. E melhor maneira de sentir Maitri é durante a meditação, porque Maitri só pode ser encontrada em nossos corações e para encontrá-la basta estabelecer uma relação de carinho com quem já somos. Parece simples mas não é assim tão simples, ainda que seja um ensinamento muito precioso. Espero que alguns de vocês empreendam esta jornada, como eu fiz quando pela primeira vez, há 20 anos, ouvi estes mesmos ensinamentos.

Pema Chodron
Pema Chodron é monja budista tibetana, natural dos ELSA e diretora do Mosteiro Garnpo Abbey

A NECESSIDADE DE RELIGIÃO

"O mundo é meu país, todos os homens meus irmãos e fazer o bem é a minha religião". Quando Thomas Paíne fez esta declaração sobre a importância da necessidade de religião, ele se aproximou muito de Buda. 

Nos dias de hoje, as pessoas estão propensas a formar um conceito superficial da religião e por isso buscar em outras fontes a obtenção do prazer e da satisfação.

Os gigantescos empreendimentos da ciência e da tecnologia trouxeram para a humanidade benefícios materiais de modo inaudito. Este progresso material tende a fortalecer idéias errôneas quanto ao que diz respeito ao que realmente constitui a felicidade. Um exame mais detalhado desta tendência revelará que uma correlação entre progresso material e felicidade não é válida. O primeiro possivelmente não pode trazer alegria definitiva e permanente aos seres humanos porque estimula o desejo por mais progresso, de modo que tais prazeres conforme surgem são apenas efêmeros, é como beber água salgada, apenas aumentará nossa sede. Os prazeres advindos de fatores externos são meramente transitórios e formam uma base para a multiplicação de outros desejos, que inevitavelmente conduzem a criação de mais insatisfação e atribulações. A felicidade tem de vir do nosso interior. A alegria e a satisfação advindas das faculdades internas da mente são as únicas reais e permanentes.

É um fato sem controvérsia que a mente é superior ao corpo. A Religião, isto é, o Dharma (Os Ensinamentos do Buda) adestra a mente. A mente é o arquiteto de todo nosso sofrimento e felicidade. A mente é o mestre; o corpo e a palavra são seus assistentes. O Budismo ensina-nos a ganhar uma liberdade estável da mente, colocando para o exterior nossa energia e esforços, até que a meta seja alcançada.
A vida de cada ser humano éconstituída de uma mistura de prazer e de dor que é o resultado de seus pensamentos, de suas ações e de suas palavras na vida passada. Uma mente indisciplinada expressa maus pensamentos através de más ações, e estas más ações deixam impressões maléficas na mente; logo que ocorra um estímulo externo, a mente sofre as conseqüências de suas ações passadas. Assim, quando sofremos, nossas angústias têm suas causas no passado.

Todos os prazeres e dores têm origem na mente; daí ser a religião (Dharma) necessária porque sem ela, a mente não pode ser desenvolvida.

De todas as formas de existência, a forma humana é a mais preciosa. Quando um ser renasce na condição humana, ele encontra-se num cruzamento que tem de um lado uma estrada conduzindo para o definitivo propósito da Benção Suprema e para o outro, o traiçoeiro lamaçal do Samsara com sofrimentos prolongados. É necessario portanto, fazer um uso sábio do nosso nascimento como seres humanos, trabalhando nosso caminho até a salvação final do Samsara, a roda dos nascimentos periódicos, que é inseparável do sofrimento.

É uma grande infelicidade e de fato uma tragédia, uma pessoa não fazer um uso sensato deste grande presente que é o de ter um corpo humano. Prejudicá-lo seria como retornar de mão vazias após ter estado numa ilha cheia de ouro e de prata.

Para usar o corpo humano convenientemente, deve-se começar por destruir as causas cármicas da Ignorância e da Ilusão. Deve-se trabalhar bastante para a acumulação dupla de mérito e de sabedoria cultivando a Bondade Amorosa e mantendo os Preceitos Morais. Por estes meios, será alcançado um estágio no qual adquire-se sabedoria para discernir a Verdade Absoluta; então se forem aplicados esforços concentrados, inevitavelmente conduzirá para o mais elevado apogeu da evolução espiritual, o Sammansam Bodhi ou a Perfeita Iluminação que nós como budistas, aspiramos obter. Comparando, a bondade amorosa seria a semente; os preceitos morais os campos; a sabedoria da realização as flores. A semente e as flores combinam para trazer posteriormente a frutificação perfeita, combinando a sabedoria e a maravilhosa equanimidade que resulta da paz definitiva e inefável do estado de Buda (Budeidade). Não somente querer o alcance deste "summum bonum" da Iluminação traz real e permanente felicidade para alguém; mas, tendo adquirido as elevadas qualificações do conhecimento, da sabedoria, da compaixão e do poder espiritual, a pessoa será possuidora de vasta capacidade para ajudar os seres sencientes de todas as espécies. Num sentido mais amplo, o principal objeto para se alcançar o estado de Buda, pode assim ser expresso: Preciso obter o supremo, incomparável estado de onisciente Budeidade a fim de libertar todos os seres vivos desse oceano de miséria samsárica e estabelecê-los na felicidade definitiva do Nirvana.

S.S. Dalai Lama
Notas:
1 - Budeidade = estado de Buda
2 -  Samsara = ciclo de nascimento e morte
3 -  Nirvana =
a mais elevada e última meta de todas as aspirações budistas: a extinção da avidez, do ódio e da ilusão.
4 -  summum bonuni = o mais elevado bem

DISCURSO SOBRE O AMOR
(METTA SUTTA)

Suttanipata 1
Todos aqueles que quiserem obter a paz devem tornarem-se integros, humildes e capazes de se expressarem através de palavras amáveis.
Deve saber como viver uma vida simples e feliz, em plena calma, sem ser ávido e sem se deixar arrastar pelas paixões da maioria.
E não devem cometer atos que seriam desaprovados pelos mestres.
Que todos os seres sejam felizes e saudáveis, com o coração cheio de alegria.
Que todos os seres vivam em paz e com tranqüilidade; quer sejam frágeis ou fortes, altos ou baixos, grandes ou pequenos, visíveis ou invisíveis, estando próximo ou distante, nascidos ou ainda por nascer. Que todos possam morar em perfeita quietude.
Que não se permita a alguém fazer mal a outras pessoas.
Que não se permita a alguém colocar em perigo a vida de outras pessoas.
Que ninguém, ofuscado pela raiva ou por uma cobiça insana, faça mal a outra pessoa.
Tal como uma mãe que ama e protege seu único filho, mesmo com risco de sua própria vida, cultivemos o Amor Universal para oferecer a todos os seres viventes do cosmo inteiro. Deixemos que o nosso amor percorra todo o Universo, em todas as direções. O nosso amor não conhecerá obstáculos. O nosso coração será absolutamente livre de rancor e de hostílidade.
Estando em pé ou caminhando, estando sentado ou deitado, desde que estejamos despertos, manteremos a consciência do amor em nossos corações. Esta é a mais nobre maneira de viver.
Livres da visão distorcida da avidez e dos desejos sensuais, vivendo em estado de graça e realizando a Perfeita Compreensão, aqueles que praticarem o Amor Universal certamente transcenderão o Nascimento e a Morte.

SEUS PASSOS SÃO DA MAIOR IMPORTÂNCIA

Que atividade é mais importante em sua vida? Passar num exame, comprar um carro ou uma casa, ou conseguir uma promoção no seu trabalho?
Existem tantas pessoas que passaram nos exames, que compraram carros e casas, foram promovidas em suas carreiras, mas continuam sem paz de espírito, sem alegria, sem felicidade.
Encontrar esse tesouro é a coisa mais importante desta vida e, depois, partilhá-lo com as outras pessoas e com todos os seres.
Para ter paz e alegria você precisa conseguir paz em cada passo que der.
Seus passos são a coisa mais importante. Eles decidem tudo. Neste momento eu estou acendendo um incenso e juntando as palmas das minhas mãos, em postura de botão de lôtus, para orar pelo seu sucesso.

Thich Nhat Hanh

Não te associes às más companhias,
não te associes aos homens vis;
Associa-te aos virtuosos amigos,
associe-te aos melhores entre os homens.
Dhammapada v.78

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