Flor do Lótus
Nº 18 - Setembro de 1998 - ano II

COMPAIXÃO

Pintura Tibetana

Mesmo quando eu faço coisas para o bem dos outros
Nenhuma surpresa ou vaidade surge em mim.
É apenas como sentir a mim mesmo;
Eu não espero nada em troca.
Shantideva

Imagine três pessoas sentadas à sua frente: um amigo, um inimigo e uma pessoa desconhecida. Não se preocupe com maiores detalhes, apenas sinta a presença delas e mantendo os seus olhos fechados. Acalme primeiro sua mente através da respiração, e então considere uma pessoa de cada vez, observando como a imagem de cada uma delas afeta o seu humor. Do mesmo modo que a imagem do amigo faz com que você se sinta relaxado e seguro, o inimigo o faz se sentir desconfortável e nervoso, enquanto que o desconhecido, por exemplo o caixa do supermercado, provoca apenas um desinteresse cortês.

O que essas pessoas têm que faz com que você reaja dessa maneira? Um simples incidente, talvez - alguma coisa que disseram ou fizeram, ou ainda o jeito que uma vez elas olharam para você - definiu o momento, no qual você congelou a imagem, assim como numa foto instantânea. Com as pessoas que você conhece bem e gosta, esta imagem é continuamente renovada; com aquelas que não significam muito para você, um breve encontro pode confiná-las para sempre numa imagem, que se torna cada vez mais intolerante à medida que o tempo passa. Em cada caso, a impressão que você tem do outro é baseada meramente no modo como você se sente: você gosta daqueles que o fazem se sentir bem, não gosta daqueles que não o fazem se sentir bem, e pouco se importa com os desconhecidos.

Mantenha essas imagens e os sentimentos que elas provocam durante algum tempo em sua mente. Observe que o modo com que você vê as pessoas reforça os seus sentimentos em relação a elas, e o modo como se sente em relação à elas, reforça o modo como você as vê. A imagem que temos dos outros torna-se uma mistura complexa de fatos objetivos (p. ex., ele tem nariz grande, usa óculos, é careca, etc) com nossas próprias idéias sobre eles (p. ex., ele é arrogante, ele é estúpido, ele não gosta mais de mim, etc). É como se a outra pessoa tivesse sido escalada para o elenco do seu próprio psicodrama. Cada vez torna-se mais difícil separar essa pessoa da imagem cheia de carga emocional, que foi formada pelos seus próprios medos e desejos.

Para escapar dessa armadilha não devemos fingir, mas sim começar a olhar as coisas de um modo diferente. Somos livres para escolher o modo como perceber o mundo. Ao refletirmos, teremos a possibilidade de descobrir, que não importa quão forte seja o nosso sentimento em relação ao outro, esse sentimento é frequentemente baseado na imagem que formamos dele. Essa é a natureza do preconceito: por causa da cor da pele, da nacionalidade, da religião, etc., desenvolvemos imediatamente algum tipo de sentimento em relação ao outro.

Esse modo de meditar altera as imagens fixas que formamos das pessoas. Ao suspender nossos julgamentos, nos tornamos capazes de olhar para o outro sob uma perspectiva totalmente nova. Comece com a pessoa amiga. Imagine essa pessoa como um bebê recém-nascido. Lentamente, imagine esse bebê se desenvolvendo desde a infância, para a adolescência e daí para a fase adulta, quando então você o encontrou. Tente imaginar as esperanças e os desejos dele antes de vocês se encontrarem. Agora, pense nele como alguém que valoriza suas próprias idéias e sentimentos de modo impenetrável como você se agarra aos seus próprios. Então, olhe para o futuro e observe o envelhecimento, o adoecer e a morte dessa pessoa.

Faça o mesmo com o inimigo e com o desconhecido, de modo que as três pessoas se coloquem à sua frente: iguais no nascimento e iguais na morte.

Essa perspectiva afeta o modo de como você se sente em relação a cada pessoa? Voce é capaz, por um momento, de testemunhar essas pessoas no auge da autonomia, mistério, majestade e tragédia? Você pode vê-las como um fim para os meios delas mesmas, ao invés de meios para os seus próprios fins? Você pode observar a natureza seletiva e restritiva da imagem que formou delas? Você consegue deixar de sentir a ansiedade em abraçar o amigo e banir o inimigo? Você pode amar a pessoa desconhecida?

Se tropeço e bato com o joelho na calçada. Instintivamente minha mão vai ao local para aliviar a dor. Então sento e massageio suavemente o joelho. Observo o ferimento, levanto e vou para casa fazer o curativo, tomando o cuidado de, ao caminhar não colocar o peso todo naquela perna. Mas só o joelho está doendo. Minha mão não foi ferida, nem os olhos que observaram o machucado, e nem a perna que sustenta toda a carga do joelho atingido.

Quando um amigo meu surge em sua porta e me saúda com um sorriso e um abraço, percebo se ele está aflito apenas pelo tremular de suas pálpebras ou pelo seu jeito de falar: "Oi"! Naquele momento, a angústia dele me atinge, e eu a sinto por causa de algo que alguém fez ou disse a ele. Torno-me um participante íntimo da sua angústia à medida que ele me conta o que aconteceu. Mas mesmo assim, não sofro a dor que causaram a ele.

Às vezes, a compaixão surge naturalmente e sem hesitação: reajo ao sofrimento do meu amigo do mesmo modo que a minha mão ou meus olhos reagem ao meu joelho machucado. Mas quando encontro um mendigo no caminho, pode ser que eu sinta apenas um certo embaraço ou pena, ou ainda posso jogar uma moeda e continuar apressadamente o meu caminho.

Mesmo, quando fico sabendo que alguém sofreu algum tipo de queda, posso até, secretamente ficar contente, enquanto ouço a mim mesmo dizer quanta pena sinto por esta pessoa.

Minha compaixão prontamente se estende por todos aqueles que estão de uma lado da barreira que me segrega do resto do mundo. Meu joelho, meus amigos, minha família, minha comunidade, meus colegas - todos pertencem ao "meu" ou "o meu" domínio.

A ligação que nos une, seja ela parentesco ou a preferência pela mesmo time, é exacerbada pelo desejo de posse e medo de rejeição, o que nos leva a uma percepção errada do "nós" e "deles". Ao removermos essa barreira, a percepção novamente determina o meu humor: sinto-me bem em relação à "nós", mau ou indiferente em relação à "eles".

Mas nem sempre acontece assim. Há vezes em que a barreira é removida. Vejo-me movido pelo apelo daqueles que não conheço, e provavelmente nem conhecerei: crianças famintas, cachorro abandonado, bandos de refugiados. Ou então, meu mundo se transfigura pelo sorriso de uma velha senhora no banco de um parque. E quando finalmente, me deparo com alguém me confidenciando o medo em contar que é HIV positivo, todo o ressentimento desaparece, e a sua dor e o seu medo tornam-se meus também.

Enquanto esses frágeis momentos durarem, estarei habitando um mundo onde todas as coisas vivas estão unidas pelo desejo de sobreviver e de não serem prejudicadas. Reconheço a angústia dos outros, não como sendo deles, mas sim como nossa. Pensamos que toda a vida se revela como um único organismo: ser atingido pelo sofrimento alheio é tão natural e inconsciente quanto a minha mão tocando o meu joelho machucado.

Enquanto estivermos centrados no nosso próprio "eu", a compaixão permanecerá restrita àqueles que sentimos estar do nosso lado. A força desta ligação não pode ser subestimada. É como um espasmo que envolve corpo, emoções e alma. Entretanto, é tão familiar que, ou nós não notamos ou então consideramos como sendo normal. Quando essa força se enfraquece ao se notar os olhos de uma velha senhora, o mundo se transfigura, e nós sabemos o que isto significa para o coração se abrir.

Mesmo uma experiência momentânea de uma vida não centrada no próprio "eu", é acompanhada de uma efetiva expansão, estímulo e calor humano, como se o espasmo se espalhasse. A prática do Dharma é o cultivo de um modo de vida no qual momentos como esses não são deixados ao acaso. Entretanto, mesmo apreciando tais momentos, logo nos deixamos levar pelas ondas das absorções sem nenhuma reflexão, centrados no nosso "eu". Mas há uma outra escolha: podemos questionar continuamente a suposição deste "eu" fixo e imutável no âmago da experiência. E também podemos desafiar a validade das imagens formadas pela emoção, pelas quais definimos as outras pessoas. Através da meditação e de contínuas indagações reflexivas, poderemos soltar as presilhas que habitualmente seguram as percepções que temos de nós mesmos e dos outros. A compreensão do conceito de 'vazio' e a compaixão pelo mundo representam os dois lados da mesma moeda. A experiência do processo interativo entre nós mesmos e o mundo, ao invés de tentar agregar coisas distintas, desvaloriza o modo pelo qual percebemos o mundo e os sentimentos que temos em relação a ele. A disciplina meditativa é vital para a prática do Dharma, simplesmente porque ela nos conduz muito além do reino das sensações já experimentadas. A compreensão da filosofia do vazio não é porém suficiente. As idéias precisam ser traduzidas com a prática da meditação na linguagem sem palavras do sentimento, para afrouxar os nós emocionais que nos mantém presos aos espasmos da auto-preocupação. À medida que nos abrimos com a ausência gradual da ansiedade centrada no "eu", nós experimentamos a vulnerabilidade de nos expor a angústia e ao sofrimento do mundo. No caminho que percorremos durante esses momentos estão incluídos a clareza da mente e o calor humano. Do mesmo modo que uma lâmpada gera simultaneamente luz e calor, o caminho do meio é iluminado pela sabedoria e nutrido pela compaixão.

A vulnerabilidade da compaixão desinteressada requer a proteção vigilante da mente atenta. Não basta querer se sentir assim em relação aos outros. Precisamos estar sempre alertas às invasões de pensamentos e emoções que ameaçam interromper e impedir esse caminho. Um coração cheio de compaixão também sente raiva, ciúme e outras emoções. Mas ele as aceita do jeito que elas são com equanimidade, e cultiva a força da mente para que elas surjam e os deixem, sem identificá-las ou desenvolvê-las.

A compaixão não é destituída de discernimento e coragem. Isto porque nós precisamos de coragem para reagir as angústias dos outros, discernimento para conhecer nossas limitações e capacidade de dizer "não". Um vida de compaixão é aquela em que os nossos recursos são otimizados para produzir o melhor efeito. Do mesmo modo que precisamos saber quando devemos nos entregar por inteiro a uma causa, precisamos também saber quando e como parar.

A maior ameaça à compaixão é a tentação de sucumbir às fantasias da superioridade moral. Entusiasmados pelo transbordamento de altruísmo pelos outros, podemos achar que somos os Salvadores. Podemos então assumir a identidade de alguém que tenha sido escolhido para curar as dores do mundo e mostrar o caminho da reconciliação, paz e iluminação. Nossas palavras de conforto para aqueles que sofrem mudam imperceptivelmente em exortação à humanidade. Nossas sugestões de uma série de ações para um amigo são convertidas numa cruzada moral.

Quando subvertida a este caminho, a compaixão nos expõe ao perigo do aumento do narcisismo e a atitudes messiânicas. A rejeição exagerada do "eu" pode nos desviar da sanidade da auto-consideração. Uma vez dominados por essas atitudes, torna-se muito mais difícil perceber e ver através delas. A compaixão é o coração e também a alma do despertar. Enquanto a meditação e a reflexão podem nos tornar mais receptivos a ela, a compaixão não pode ser produzida ou manipulada. Quando ela se manifesta em nós, é como se tivesse surgido por acaso. Ela é percebida naqueles momentos em que o "eu" se eleva e a existência individual se rende ao bem-estar da existência como um todo. Torna-se evidente que não podemos permanecer despertos para nós mesmos: nós podemos apenas participar do despertar da vida.

Buddhism Without Beliefs - Stephen Levine - Trad. Rosa Biagio

Divisor

O ESTADO NATURAL DA MENTE

Os que não estão acostumados à meditação entendem, não raro, que ela é uma coisa estranha, inusitada, desnatural - uma experiência exótica a ser realizada - ou que a meditação é uma coisa diferente da pessoa que medita, ou que é, pura e simplesmente, outra faceta da psicologia ou da filosofia oriental, que deve ser pesquisada, estudada e explorada. A meditação, todavia, não é algo estranho, separado ou externo. A meditação é o estado natural da mente, e a natureza inteira da mente pode ser a nossa meditação.

A meditação começa quando permitimos ao nosso corpo e à nossa mente que se relaxem de um modo profundo e pleno... o que fazemos ao vivenciar o sentimento que vem com o simples soltar, sem mesmo haver dito a nós mesmos para fazê-lo. Quando deixamos tudo ser exatamente como é, e atentamos para o silencio das nossas mentes - isso passa a ser a nossa meditação. Este silêncio não é apenas a ausência do som nem mesmo a liberdade da distração; é a abertura plena, a presença da mente. Quando simplesmente permanecemos silenciosos no interior do momento - sem nos apegarmos à segurança, sem tentarmos compreender os nossos problemas - tudo o que resta é percepção.

A meditação é o processo do autodescobrimento. Em certo nível, a experiência da meditação nos mostra os padrões das nossas vidas - a maneira com que carregamos nossas características emocionais desde a infância. Em outro nível, porém, ela nos liberta desses padrões, facilitando para nós a visão dos nossos potenciais interiores. Quando examinamos, olhando para trás, os padrões dos nossos pensamentos, podemos, às vezes, observar e identificar as decepções criadas por nossas auto-imagens. Podemos aprender a enxergar através das atitudes e do faz-de-conta da mente e através de todas as nossas explicações e escusas. Podemos compreender que estamos apenas disputando jogos e que estamos longe do genuíno conhecimento de nós mesmos.

Estamos sempre fixando limites e restrições arbitrárias a nós mesmos, olhando para o mundo e vivenciando-o a partir de pontos de vista rígidos; achamos que uma experiência não-relacionada com nossos sentimentos ou projeções não tem valor. Mas, quando passamos além da objetivação de conceitos, além do dualismo, além do espaço e do tempo, o que teremos a perder? Se perdermos alguma coisa, perderemos, quando muito, nossos medos, nossas idéias-fixas, o nosso tenso apego a um "eu" imaginado e à imaginada segurança desse "eu". O estado de espírito natural nada tem para perder. É só por causa da nossa alienação de nós mesmos que deixamos de compreender antes que podemos ficar dentro da atenção, que é a nossa natureza intrínseca, nosso próprio lar.

Embora "falemos" a respeito da nossa natureza intrínseca, isso não significa necessariamente que a vivenciamos. Ao invés disso, quase todos somos continuamente surpreendidos no processo de gerar idéias e explicações... de modo que a nossa mente prossegue nesse curso, interminavelmente. O "eu" está se associando com várias emoções, sentimentos, conceitos e reflexões psicológicas. O ego está sempre esperando para perguntar-nos se realizamos alguma coisa; de modo que temos de "responder" a nós mesmos o tempo todo - e nos vemos fora da nossa experiência, olhando para dentro.

Conquanto tentemos, com todo o nosso empenho, ser atentos e perceptivos, nossos diálogos interiores e projeções criam obstáculos que estragam a imediação da nossa experiência. Quanto mais tentamos interpretar uma experiência e vesti-la com palavras, tanto mais nos apartamos dela. Quedamo-nos com conceitos "fixos" e opiniões dualísticas acerca do mundo, de modo que nossas respostas e reações a situações cotidianas não fluem de um estado natural. É como se fôssemos viver no meio de um formoso jardim de flores - e, não obstante, não déssemos atenção a ele. Podemos gastar anos e anos explicando, pensando e analisando, sem nunca descobrir esse estado natural.

Compreender esse estado mental é difícil, porque acreditamos que nossos pensamentos, emoções e sentimentos são "meus"; julgamo-los em relação com a "minha" situação, a "minha" vida. Mas pensamentos e sentimentos não são "eu". Um pensamento simplesmente é associado a outro pensamento, que depois se associa a um terceiro. Cada pensamento envolve várias palavras e imagens, como as imagens de uma fita de cinema, que se movem continuamente, para a frente e para trás, de tal sorte que a série de imagens ocupa a nossa percepção e drena a nossa energia. Finalmente, perde-se a percepção. Ficamos como crianças que assistem a um desenho animado - perdidas ali, com os olhos arregalados pregados à tela.

Quando observamos as nossas mente, vemos que a nossa consciência se fixa com facilidade em pensamentos ou em entradas sensoriais. Por exemplo: quando ouvimos de repente o bater de uma porta ou o guinchar do tráfego, nossas mentes projetam imediatamente uma imagem ou conceito; e, associada a essa idéia ou imagem, há uma experiência de tons de sentimentos muito preciosos e exatos. Estando dentro do momento imediato, é possível entrar "dentro" dessa experiência. Nesse momento descobrimos certo tipo de atmosfera ou ambiente interior que não tem forma, nem formato, nem característica específica, nem estrutura. Não há palavras, imagens, conceitos ou posições para manter - visto que qualquer posição - uma posição de manutenção, uma posição de exame ou uma posição "além"- ainda estaria se referindo a algo que se encontra, em última análise, relacionado conosco como o sujeito. Por conseguinte, para libertarnos dos padrões dualísticos da nossa mente é importante passar "além" das compreensões e crenças relativas, olhar "para dentro" e, tanto quanto possível permanecer dentro do primeiro momento da experiência.

Visto que a mente, em sua verdadeira natureza, não tem dualidade, não está separada da unidade de tudo o que existe, nossas vidas tornam-se a nossa meditação. A meditação não é uma técnica para fugir deste mundo - é um bom amigo e um bom professor que podem guiar, amparar e ajudar a nossa mente a tocar diretamente nosso ser mais íntimo, sem paredes que nos separem da nossa percepção, da nossa inspiração e da nossa intuição. Através dessa experiência podemos estabelecer contato com a nossa própria inteireza.

Por conseguinte, a qualquer momento podemos fazer amizade com a meditação; e, na visão que nasce da meditação, experimentamos toda a existência como plena e bela - pois tudo tem beleza, o modo com que trabalhamos, pensamos, falamos - cada situação tem o seu próprio valor inerente e o seu significado. Quando trazemos a luz da meditação para a nossa vida, esta se torna mais rica, mais significativa e mais expressiva, e somos capazes de lidar aberta e diretamente com todas as situações.

Essa percepção natural é simples e direta, aberta e receptiva, imediata e espontânea, sem obscurecimento; não há medo nem sentimento de culpa, não há problema sem desejo de escapar ou de ser de outro modo. "Natural" quer dizer "não-fixo", quer dizer não ter expectativas, nem compulsões, nem interpretações, nem planos predeterminados. Quando a meditação se aprofunda, não há necessidade de fixá-la, melhorá-la ou aperfeiçoa-la. Não há necessidade de progredir, visto que tudo se move no estado natural da realidade.

Uma vez que somos capazes de vivenciar essa percepção imediata, não há nada entre a nossa mente e a meditação. A experiência é sempre nova, inédita, clara e bela. Se bem esteja além do nosso senso comum de tempo, ainda há continuidade. Tudo é exatamente "como é", sem que nada lhe seja acrescentado nem subtraído.

Se, na nossa meditação, pudermos ficar em nosso momento presente, é possível experimentar esse estado mais elevado de percepção. Mas quando nos agarramos às projeções mentais ou tentamos recordar instruções específicas ou certos processos, apenas continuamos a seguir os movimentos da mente no nível da consciência. Podemos estudar e praticar durante anos num nível conceitual, executar inúmeras ações positivas e reunir uma grande quantidade de informações mas, ainda assim, não chegar muito mais perto da verdadeira compreensão. Portanto, é necessário expandir a percepção para fora do domínio do diálogo interior, alargar-nos e abrir-nos o mais que pudermos, e ficarmos muito silenciosos. Estes ainda são apenas conceitos; porém, mais tarde, com a prática, podemos passar, além dessas idéias e padrões conceituais, a um estado de todo destituído de um centro, porque todas as limitações que exigem um centro se dissolveram - e isso é meditação.

À proporção que desenvolvemos a meditação, já não precisamos apoiar-nos em explicações intelectuais para justificar quem somos, pois a nossa auto-identidade redutora se dissipa, como o nevoeiro tocado pela luz do sol. Depois que tivermos compreendido isso, não precisamos lutar com o nosso ego e nossas emoções negativas - ou com discriminações entre o bem e o mal, o positivo e o negativo, o caminho espiritual ou a ação habitual. Dentro da experiência da meditação, a percepção espontânea surge por si mesma, e os conflitos emocionais e os problemas começam a perder seu domínio e tornam-se muito enevoados. Depois que deixamos de alimentar nossos problemas, eles desaparecem dentro da própria percepção.

Durante todo esse tempo, podemos ver efetivamente que toda a natureza da mente é a nossa meditação. E, através disso, a nossa mente se torna iluminada de uma energia poderosa e preciosa, e nós vivenciamos diretamente uma compreensão indescritível e onisciente.

Gestos de Equilíbrio - Tarthang Tulku - Editora Pensamento

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