flor de lótus
Nº 6 - Novembro de 1996 

 
PALAVRAS DO MESTRE BUDA

"Assim como o vasto oceano está impregnado de um único sabor, o sabor do sal, também, ó discípulos, meus ensinamentos estão impregnados de um único sabor: o sabor da Libertação".

O néscio que acredita triunfar pronunciando palavras de cólera será sempre dominado por aquele que é suave em sua linguagem.

MORTE E BONDADE AMOROSA 

Uma imagem geralmente usada para descrever a prática do insight é a de andar numa corda bamba. Conforme vamos andando pela corda, torna-se claro que a coisa a que devemos prestar atenção é o equilíbrio: a manutenção da estabilidade. Enquanto andamos na corda, muitas coisas diferentes passam zunindo por nós, visões e sons, idéias e percepções diferentes. Se forem agradáveis, a tendência condicionada da mente é a de nos estendermos, tentando agarrá-las, tentando fazê-las permanecer. Se as visões e sons forem desagradáveis a tendência da mente é a de nos estendermos para demonstrar aversão, tentando afastá-las. Em ambos os casos estendemos e, ao fazê-lo, perdemos o equilíbrio e caímos.

Tanto as reações positivas quanto as negativas são igualmente perigosas. Qualquer coisa que seja, não importa quanto tenha de glorioso ou de terrível, que causa a perda do nosso equilíbrio mental perfeito, nos faz cair. De modo que trabalhamos sempre novamente para desenvolver uma mente que não reaja com agarramento ou com aversão. A nenhum desses objetos. Desenvolver uma mente que não se apegue a nada, a absolutamente nada mesmo, que apenas permita que tudo apareça e desapareça. Desapego cresce a partir doinsight profundo na impermanência. Num nível esse insight é o reconhecimento da inevitabilidade iminência de nossa morte.

Frequentemente, ao estarmos desatentos ao nosso destino, nos tornamos superenvolvidos em colecionar coisas, em apegos e posses, em querermos nos tornar alguém especial. Nos envolvemos em muitas das atividades da mente pequena, levando muito à sério nossas ambições, desejos, nós mesmos. Perdemos a perspectiva da grande mente, perdemos a perspectiva da morte.

Cada um de nós tem padrões profundamente enraizados que testemunham tudo o que fazemos, frequentemente, são hábitos destrutivos tais como a raiva ou autopiedade. Porém, exatamente da mesma forma podemos aprender a manter em mente a consciência da morte e tê-la como testemunha de todas as nossas ações. Se tomarmos a morte como nossa conselheira, viveremos cada momento com o poder e plenitude que daríamos ao nosso último empreendimento na Terra.

Quando mantemos a morte ao alcance de nossas mãos, nos envolvemos menos, nos tornamos menos compulsivos sobre a satisfação ou gratificação de vários desejos no momento. Quando não estamos tão turvados pelos desejos e fantasias, ficamos menos inclinados a nos apegar às coisas e mais abertos para o amor e a generosidade. A consciência da morte proporciona o espaço de clareza no qual podemos compreender o processo de quem somos e quem morre.

O insight da impermanência, nesse nível, é a consciência da natureza temporal, transitória de todos os fenômenos de momento em momento. A cada momento o processo mente-corpo, todo o nosso universo, surge e passa, morre e renasce. Trabalhamos para desenvolver uma mente silenciosa e firme, uma que seja inamovível diante de tanta mudança.

Toda a prática evolui organicamente simplesmente por estarmos conscientes do que está acontecendo no momento presente, sem reagir. Um professor de meditação na Índia disse que tudo o que precisamos fazer é nos sentarmos e saber que estamos sentados, e todo o Dharma nos será revelado. Claramente veremos o desdobrar das leis da natureza e então o Dharma erdadeiramente se tornará seu.

Durante essa evolução orgânica, nascida do equilíbrio e do desapego, muitas qualidades liberadoras e maravilhosas da mente começam a se manifestar. Uma dessas qualidades é o amor (metta ). Amor por si próprio, no sentido de ser permissivo e não julgador, possuindo amplidão e leveza na mente e uma forte bondade amorosa em relação aos outros, não se ligando em termos de agarramento ou necessidade ou apego. Não se trata de um amor condicionado – amar alguém por causa de certas características ou atributos que ele possui e, se estas mudarem, então não o amaremos mais, não se trata de "amor mercantilista" - "Eu o amarei se você me amar também".

O amor advindo da sabedoria é uma bondade amorosa incondicional, universal – um sentimento de amizade e calor por todas as pessoas em qualquer lugar. Não apenas por aqueles que têm um certo tipo de relacionamento conosco, mas realmente um sentimento sem fronteiras. Não procurando os outros para nos completarmos, não nos relacionando por necessidade, mas irradiando essa infinita qualidade do amor.

Outra qualidade que começa a se manifestar muito forte é a compaixão . Isto não é autopiedade ou piedade pelos outros. É realmente sentir a própria dor e reconhecer a dor dos outros. A palavra kilesa, na língua páli, que comumente é traduzida como aviltamento corrupção, significa mais especificamente "tormentos da mente". A experiência da raiva, da avidez e de todas as corrupções, são experiências dolorosas que se tornam claras se as observarmos quando estiverem surgindo e pudermos ver como elas afetam nossas mentes e corpos.

Conforme crescemos em compreensão do Dharma, sentimos compaixão por nós mesmos quando elas surgem, ao invés de fazermos julgamento e autocondenação, e reconhecemos a dor que outros estão experimentando quando estes estados surgem dentro deles. Ao vermos a teia de sofrimento em que todos nós estamos enredados, tornamo-nos ternos e compassivos uns com os outros.

A manifestação mais elevada dessas qualidades surge como expressão de vazio – o vazio do si-mesmo, do self, do ego. Quando não há o "eu", não há o "outro": a sensação de separatismo desaparece e experimentamos a unificação, unidade de todas as coisas.

Albert Einstein escreveu: "O ser humano é parte do todo chamado por nós de Universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele se experimenta a si próprio, a seus pensamentos e sentimentos como algo separado do resto, um tipo de ilusão ótica de sua consciência. Essa ilusão é um tipo de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos e afetos pessoais por algumas pessoas mais próximas a nós. Nossa tarefa é nos libertarmos desta prisão ampliando nosso círculo de compaixão para abraçar todas as criaturas vivas e toda Natureza em sua beleza."

Nuvens de avidez, ódio e ilusão obscurecem o esplendor natural do amor e da compaixão em nossas mentes. Conforme limpamos essas nuvens através do desdobramento do insight, as qualidades da bondade amorosa começam a brilhar naturalmente.

Há uma prática específica que o Buda ensinou para tornar esses estados mentais forças poderosas em nossas vidas. É chamado de "Metta Bhavana", ou o cultivo da Bondade Amorosa. Fazer essa prática enriquece a Meditação Vipássana por causa da amplidão e leveza que ela cria na mente. Ela reforça a habilidade de ver sem julgamento e ajuda-nos a evitar a tendência muito comum na prática espiritual de condenar quem nós somos e tentar ser outra pessoa de uma forma compulsiva.

Ao longo do caminho vocês percebem que os meios e o fim são os mesmos. Para atingirmos um fim de paz, consciência equilibrada e amor trabalhamos expressando esses fatores em cada momento.

Normalmente praticamos a Meditação da Bondade Amorosa durante cinco ou dez minutos no início ou no final (às vezes em ambos) de uma sessão de meditação. No início, ela cria um espaço de receptividade que transferimos para a atenção pura e no final o pensamento amoroso é frequentemente mais poderoso porque a mente está concentrada.

O método é muito simples. Sentem-se numa posição confortável. Como maneira de liberar a mente de qualquer tensão ou rancor, comecem pedindo um perdão extensivo: "Se eu tiver magoado ou ofendido alguém em pensamento ou palavra ou ato, peço perdão. E livremente perdôo todos que me tiverem ofendido ou magoado". Repetir isso silenciosamente uma ou duas vezes é uma forma eficaz de limpar a mente de qualquer resíduo de má-vontade ou ressentimento.

Então, por uns minutos dirijam palavras de cunho amoroso para vocês mesmos: "Que eu possa ser feliz, que eu possa estar em paz, que eu possa ficar livre de sofrimento, que eu possa ser feliz, pacificado, livre de sofrimento", concentrando-se no significado das palavras. É difícil ter um amor verdadeiro pelos outros antes de podermos nos aceitar e sermos carinhosos com nós mesmos. As palavras específicas que forem utilizadas não importam muito. Escolham algumas frases que ressoem dentro de vocês. Elas acabam tornando-se um mantra de amor.

Continuem a prática começando a levar esses pensamentos e sentimentos para os outros: Da mesma forma que desejo ser feliz, assim também possam todos os seres se tornar felizes. Do mesmo modo que desejo ficar em paz, possam todos os seres ficar em paz. Do mesmo jeito que desejo ficar livre do sofrimento, possam todos os seres ficar livres do sofrimento". Ao repetirem isso na mente por umas poucas vezes, comecem a irradiar a Bondade Amorosa em direção a todos os seres. As frases podem ser condensadas em repetições rítmicas contínuas por cinco ou dez minutos: "Que todos os seres possam ser felizes, pacíficos e livres de sofrimento".

Vocês também podem dirigir esses pensamentos para pessoas específicas, sejam pessoas próximas a vocês pelas quais vocês já têm muito amor ou pessoas em função das quais vocês possam estar sentindo raiva ou chateação, como uma forma de se abrirem para elas com gentileza. Visualizem-nas na mente à medida que repetirem as palavras. No final, novamente gerem os pensamentos de Bondade Amorosa em direção a todos os seres em todo lugar.

A Experiência do Insight - Joseph Goldstein - Edit. Roca.

Divisor

O ACROBATA DE BAMBU 
Samyutta Nikaya v. 168 [47,19] 

O Mestre Buda dirigiu-se aos discípulos e disse:
Certa vez, um acrobata de bambu, tendo se instalado sobre sua vara de bambu, dirigiu-se a sua assistente Medakathalikâ: "Agora, minha cara, trepa na vara e fica de pé sobre os meus ombros". "Tudo bem, chefe." respondeu a assistente; ela trepou na vara de bambu e ficou de pé sobre os ombros de seu chefe.

Então disse o acrobata a sua assistente: "Agora, minha cara Medakathalikâ, fica me vigiando e eu te vigiarei; assim vigiando-nos e guardando-nos um ao outro, faremos demonstração do nosso ofício, receberemos um bom pagamento e desceremos em segurança da nossa vara de bambu."

A estas palavras, a assistente Medakathalikâ disse ao seu chefe: "Não, não! Isto não dará certo! Tu cuides de ti mesmo e eu cuidarei de mim mesma. Assim com cada um de nós se cuidando, se guardando, nós faremos a demonstração do nosso ofício, desceremos em segurança da vara de bambu e receberemos um bom pagamento. Esta é a maneira correta de fazê-lo!"

E o Mestre Buda acrescentou: "Agora, discípulos, justamente como a assistente Medakathalikâ disse ao seu chefe: "Eu cuidarei de mim mesma", assim mesmo vos deveríeis praticar o Estabelecimento da Plena Atenção1 que significa: "Guardarei a mim mesmo" igualmente deveríeis praticá-lo dizendo "eu vou guardar outro". Guardando-se, discípulos, alguém guarda outro. Guardando outro, alguém guarda a si próprio. 

   - E como alguém guarda outro guardando-se a si mesmo? 
   - Praticando Plena Atenção, desenvolvendo-a, fazendo-a bastante. 
   - E como alguém se guarda a si mesmo guardando o outro? 
   - Pela paciência, não fazendo mal, pela bondade amorosa, zelando pelos outros.
      Assim, discípulos, é como alguém guarda a si mesmo. 
Discípulos, vós deveríeis observar o Estabelecimento da Plena Atenção que significa: "guardarei a mim mesmo". Deveríeis observar aquilo que significa: "eu guardarei outro". É guardando-se que alguém guarda o outro; e é guardando o outro, que alguém se guarda a si próprio."

Satipatthana Sutta = Discurso sobre "As Quatro Fundações da Plena Atenção", que são: Contemplação do corpo, Contemplação dos sentimentos, contemplação da Mente e Contemplação dos objetos mentais. 

(Traduzido do original páli por Nissim Cohen). 

Divisor

Não vos ocupeis com as palavras ásperas, faltas ou negligência alheias, 
mas, sim, sede consciente de vossas próprias palavras, atos e negligências. 

Dhammapada versículo 50 

Semelhante às belas flores coloridas, mas sem erfume, 
são infrutíferas as belas palavras dos que as dizem, mas não as seguem.

Dhammapada versículo 51 

Semelhante às belas flores coloridas e perfumadas, 
são frutíferas as belas palavras dos que as dizem e as seguem. 

Dhammapada versículo 51 

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