![]() Nº 17 - Agosto de 1998 - ano II
![]() Uma forma incrível de integrar a prática de meditação e da percepção em nossas vidas diárias é fazer uma coisa de cada vez. Entregar-se de forma integral ao que estiver fazendo no momento. Concentrando-se em um única tarefa. Quando estiver dirigindo, não escutar o rádio. Quando estiver escutando música, não ler ou comer. Ao comer, não assistir à televisão nem ler. Ao assistir televisão, não comer ou ler. Quando estiver andando, sentir o solo sob os pés. Ao comer sinta aquilo o que come e entre por inteiro em contato com as sensações e motivação que condicionam e dirigem o processo. Estar atento ao comer da mesma forma como se fica atento ao andar ou respirar. Respirar uma inspiração de cada vez, dar um passo de cada vez, uma mordida por vez. Vivenciar de maneira plena "apenas isto", o momento tal como ele é. Há uma história de dois monges zen que se encontraram à beira de um rio. Eles logo verificaram que eram de monastérios vizinhos, e cada um mostra curiosidade quanto à natureza do mestre do outro. Um dos monges diz: "Meu mestre é o maior de todos. Ele pode voar, pode caminhar sobre a água, pode ficar sem respirar por vinte minutos!" O outro balança a cabeça lentamente e sorri, dizendo: "Oh, seu mestre é de fato notável. Mas o meu é ainda mais: quando ele anda, ele apenas anda. Quando ele fala, ele apenas fala. Quando ele come, ele apenas come". Um dos mestre tinha "poderes" mas o outro tinha poder. Os poderes são desejados somente por aquela parte de nosso interior que se sente impotente. Considerando o tamanho respeitável do labirinto do ego, para a maioria, "os poderes" são armadilhas. Milagre maior é estar presente em nossas vidas, capazes de nos abrirmos para o momento, acumulando compaixão e percepção como preciosidades. Certa manhã, um amigo nosso, mestre Zen, sentado à mesa do desjejum, lia o jornal enquanto comia. Um de seus discípulo, conhecendo a técnica de uma coisa de cada vez, zombou: "Você está comendo e lendo! Como pode estar atento a uma coisa só?!!". Ao que o esperto e prático mestre retrucou: "Quando eu como e leio eu só como e leio". Vá com calma. Se você tiver crianças em casa, pode ser quase impossível fazer uma coisa de cada vez. Neste caso, faça apenas seis coisas de cada vez. Ou, como disse uma mãe ao verificar que a prática seria bastante difícil para ela: "Minha agenda é uma bagunça. Acho que é dia do ventre". Fazer uma coisa por vez nos ajuda a recordar. Quando você estiver lavando os pratos, ou dirigindo para o trabalho, trocando a roupa do bebê, cavando uma trincheira, cozinhando, fazendo amor, pensando alguns pensamentos, seja o que for, cuide da tarefa em pauta. Vivencie, a cada instante, o corpo, a respiração, os mutáveis estados mentais. Viva "apenas isto" de cada vez. Se "apenas isto" não for o bastante, nada será o bastante. Cuidar deste "apenas isto" é viver de maneira sagrada. Meditações Dirigidas - Stephen Levine - Editora Ágora
A raiva é um sentimento desagradável. É como uma chama que devora nosso autocontrole e nos faz dizer e fazer coisas das quais nos arrependemos mais tarde. Quando alguém está zangado, vemos nitidamente que esse alguém esta no inferno. A raiva e o ódio são as matérias de que o inferno é feito. Uma mente sem raiva é fresca, limpa e sã. A ausência da raiva é a base da verdadeira felicidade, a base do amor e da compaixão. Quando a raiva é colocada sob o facho de luz da plena consciência, ela de imediato perde uma parte de sua natureza destrutiva. Podemos dizer a nós mesmos: "Inspirando, sei que a raiva está em mim. Expirando, sei que sou minha raiva."Se acompanharmos nossa respiração enquanto identificamos e observamos conscientemente nossa raiva, ela não mais monopolizará nossa mente. Podemos convidar nossa percepção a fazer companhia à nossa raiva. A percepção da raiva não a reprime nem a elimina. Ela simplesmente cuida da raiva. Esse é um princípio importantíssimo. A plena consciência não é um juiz. Ela é mais como uma irmã mais velha que protege e conforta a irmã mais nova, cheia de cuidado e afeição. Podemos nos concentrar na respiração para manter essa plena consciência e nos conhecermos totalmente. Geralmente, quando estamos com raiva, não nos dispomos a voltar para nós mesmos. Queremos pensar na pessoa que nos aborreceu, nos seus aspectos mais detestáveis: sua grosseria, sua desonestidade, sua crueldade, sua perversidade e assim por diante. Quanto mais pensamos nela, ouvimos o que diz, ou olhamos para ela, mais se incendeia nossa raiva. Sua desonestidade e odiosidade podem ser reais, imagináveis ou exageradas; mas, de fato, a raiz do problema está na própria raiva. Por isso, temos de retornar e olhar primeiro para dentro de nós mesmos. Será melhor se não dermos ouvidos ou olharmos para a pessoa que consideramos ser o motivo da raiva. Como um bombeiro, temos de apagar o incêndio primeiro e não perder tempo procurando quem ateou fogo à casa. "Inspirando, sei que estou com raiva. Expirando, sei que devo direcionar toda a minha energia para cuidar da minha raiva". Assim, evitamos pensar na outra pessoa e nos abstemos de fazer ou dizer qualquer coisa enquanto persistir a raiva. Se nos dedicarmos totalmente à observação da raiva, evitaremos causar danos dos quais possamos nos arrepender mais tarde. Quando estamos zangados, nossa raiva é o nosso próprio eu. Quando estamos alegres, somos a alegria. Quando estamos com raiva, somos a raiva. Quando a raiva surge em nós, podemos perceber que a raiva é uma energia nossa e podemos aceitar essa energia para transformá-la em outro tipo de energia. Quando temos um monte de adubo, repleto de matéria orgânica em decomposição e com cheiro forte, sabemos que podemos transformar esse monte em lindas flores. A princípio, podemos considerar o adubo e as flores como extremos opostos; mas, se olharmos em profundidade, veremos que as flores já existem no adubo e que o adubo já existe nas flores. Bastam umas duas semanas para uma flor se decompor. Quando um bom jardineiro examina um adubo, vê apenas o adubo, não sentindo tristeza nem aversão. Na realidade, ele dá valor ao material em decomposição e não tem preconceito contra ele. Em apenas alguns meses o adubo dará à luz belas flores. Precisamos da compreensão e da visão não-dualista do jardineiro no que diz respeito à nossa raiva. Não precisamos temê-la ou rejeitá-la. Sabemos que a raiva pode ser uma espécie de adubo e que está dentro do seu potencial a capacidade de fazer surgir algo de belo. Precisamos da raiva como o jardineiro precisa do adubo. Se soubermos aceitar nossa raiva, já temos alguma paz e alegria. Aos poucos podemos transformar completamente a raiva em paz, amor e compreensão. Paz a Cada Passo - Thich Nhat Hanh - Editora Rocco
Numa canção de amor, a frase "Meu coração apega-se a você" seria um sentimento desejável. Queremos que o coração e os pensamentos da pessoa amada apeguem-se a nós. De uma perspectiva budista, o apego é a causa do sofrimento. Não obstante, o meu coração ainda se apega. Em dias melhores, ele apega-se menos do que costumava a fazer. Uma das coisas de que mais gostava quando comecei a praticar meditação era ouvir histórias a respeito do Buda e de seus ensinamentos. Muito antes de tomar consciência de que eu poderia vir a ter a capacidade de acalmar a mente ou de ter alguma noção acerca do significado da liberdade, eu gostava de ouvir histórias sobre a possibilidade de ter liberdade. As primeiras histórias do Buda são miraculosas. Em geral, elas começam com uma descrição de determinado lugar em que o Buda estava transmitindo seus ensinamentos, e com os nomes das principais pessoas que o ouviam. Geralmente, as histórias começam assim: "Tais e tais pessoas foram render homenagem ao Buda e, depois, sentaram-se para ouvi-lo." A história prossegue: "O Bem-aventurado disse as seguintes palavras." E, então, reproduzem um discurso em que o Buda descreve a natureza das coisas. A história costuma terminar com as palavras: "Enquanto tais e tais pessoas ouviam, elas tornavam-se totalmente iluminadas", ou "Enquanto o grupo ouvia, todos eles tornaram-se totalmente iluminados". Isso geralmente era expresso da seguinte maneira: "E o coração deles, por meio da ausência de apego, foram liberados de toda mácula." Adoro isso. Desde que comecei a praticar o Budismo, faz muitos anos, sempre que estou prestes a ouvir alguém fazer um discurso imagino que talvez essa seja a ocasião da minha libertação total e definitiva. O fato disso ter acontecido na época do Buda indica que há um bom precedente. Só que simplesmente isso ainda não aconteceu comigo. Uma maneira de entender por que isso não acontece com facilidade é considerar que a mente é condicionada por certas maneiras habituais de reagir. É difícil mudar os hábitos mentais. Eu costumava ter dor de cabeça sempre que ficava nervosa porque não sabia como expressar naturalmente o meu desagrado. Agora, sinto-me muito mais à vontade para expressar a minha irritação; porém, às vezes, preciso ter dor de cabeça para lembrar a mim mesma que estou zangada. Ademais, estou totalmente convencida de que o sofrimento surge quando me debato contra acontecimentos que não posso mudar. Todavia, de tempos em tempos, teimo em me debater. Os hábitos são difíceis de mudar. Tenho uma teoria para explicar por que é difícil apagar completamente os hábitos mentais psicológicos e espirituais. Havia um comercial de televisão que mostrava uma mãe segurando a camisa que seu filho tinha usado, mostrando as manchas nela. Ela colocava a camisa numa máquina de lavar, junto com determinado sabão que os espectadores eram instados a comprar. Quando tirava a camisa da máquina, não havia mais nenhuma mancha; a camisa estava completamente nova. Em toda minha vida, nunca vi uma camisa sair de máquina de lavar parecendo completamente nova. Ela sempre desbota um pouco e, mesmo nas raras ocasiões em que toda a sujeira é eliminada, a camisa jamais cai tão bem como se estivesse sendo usada pela primeira vez. Os sinais de que a camisa foi usada ficam com ela para sempre. Creio que o mesmo acontece com a nossa mente e acho que isso não representa nenhum problema. Se soubermos qual lado da camisa está mais curto, podemos prendê-la mais fortemente dentro da calça, e ela estará perfeitamente apresentável. Se a minha mente não se apegasse às coisas, eu seria completamente destituída de medo. Nada iria assustar-me, porque não teria medo de perder coisa alguma e não precisaria de nada para ser feliz. Mas a minha mente ainda se apega e, às vezes, assusta-me a possibilidade de não vir a ter aquilo que acho que preciso ou de perder aquilo que acho que quero. Esse não é mais um grande problema porque o medo já não me assusta tanto quanto costumava assustar no passado. Sei que ele é resultado do apego e sei que vai passar. Posso dizer a mim mesma: "Estou assustada porque, muito embora saiba qual é a verdade, eu a esqueci neste exato momento. Sei que há a possibilidade de vir a me lembrar." Essa possibilidade, essa convicção me proporciona muita esperança em meio ao maior dos terrores. É Mais Fácil do que Você Pensa - Sylvia Boorstein - Editora Cultrix
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