Flor de Lótus
Nº 7 - Fevereiro de 1997 - Ano 2

O Buddha deitado
"Que todas as coisas boas fluam para você,
que todas as doenças desapareçam,
que os perigos não o(a) alcancem,
que você tenha uma vida longa e feliz."

O SERMÃO DA IMPERMANÊNCIA

Assim eu ouvi: Certa ocasião, permanecia o Buda em Sravasti, no Bosque de Jeta, no Jardim de Anathapindaka. Então o Buda dirigiu a palavra aos monges, dizendo:

"As FORMAS são impermanentes. Sendo impermanentes, elas são dolorosas. Sendo dolorosas, elas são insubstanciais. Sendo insubstanciais, elas não nos pertencem. Contemplar as coisas desta maneira significa ter a Correta Compreensão do Real. Do mesmo modo, as PERCEPÇÕES, as SENSAÇÕES, a VONTADE e a CONSCIÊNCIA também são impermanentes. Sendo impermanentes, elas são dolorosas. Sendo dolorosas, elas são insubstanciais. Sendo insubstanciais, elas não nos pertencem. Contemplar as coisas desta maneira significa ter a Contemplação Verdadeira.

Veneráveis discípulos, contemplando desta maneira nós nos desapegaremos das formas e também das percepções, das sensações, da vontade e da consciência. Desapegando-nos, elas não nos trarão dor. Não nos trazendo dor, alcançaremos a Libertação. Alcançando a Libertação, nascerá a Verdadeira Sabedoria e o ciclo de nossas vidas se esgotará; alicerçados na Prática Pura, teremos completado tudo o que deve ser feito e teremos a consciência de não mais vir a experimentar estados condicionados".

Tendo ouvido esse pronunciamento do Buda, os discípulos alegraram-se e partiram.

Tradução do Rev. Ricardo M. Gonçalves - Templo Higashi Honganji.

Divisor

SOFRIMENTO: O PORTAL PARA A COMPAIXÃO

A Natureza da Compaixão é um sentimento forte no coração para ajudar os outros a ficarem livres do sofrimento. É um movimento benéfico da mente e do corpo que busca aliviar a dor e o sofrimento dos seres. Compaixão é uma resposta espontânea de um coração aberto.

Não precisamos olhar muito longe para ver quão difundido o sofrimento está nesse mundo. Existe o sofrimento que as pessoas estão experimentando nesse exato momento devido à pobreza e à injustiça. A presença da fome, doença e opressão definem rigorosamente a vida de muitas pessoas. Se prestarmos atenção ao mundo em nossa volta, vemos como o sofrimento está evidente em muitos setores da vida - na política, na economia, nas estruturas sociais, nos conflitos religiosos, nas relações interpessoais e em nossas próprias mentes e corpos. É vital que permanecemos ligados e sensibilizados com esse fato.

Ação Compassiva
A sabedoria toma o lugar da ignorância em nossas mentes quando percebemos que a felicidade não repousa sobre o acúmulo de cada vez mais sensações prazerosas, que a ansiedade de gratificação não nos traz uma sensação de plenitude ou completude. Apenas leva à mais ansiedade e aversão. Quando percebemos em nossa própria experiência que a felicidade surge não de "tentar alcançar" mas de "largar mão", não da procura de experiências agradáveis mas do abrir-se no momento ao que é verdadeiro, essa transformação de compreensão passa a abrir a energia da compaixão em nosso interior. Nossas mentes não estarão mais restritas a empurrar a dor e a segurar a felicidade. A compaixão torna-se a resposta natural de um coração aberto.

Podemos ver isso acontecer muito imediata e diretamente em nossa meditação. Quando nos acalmamos e nos abrimos para o que está ocorrendo em cada momento, sem apego ou aversão, estamos desenvolvendo uma atitude compassiva em relação à cada experiência. A partir dessa atitude que desenvolvemos em nossa prática, podemos começar a manifestar uma ação verdadeiramente compassiva no mundo.

Não há um modelo específico de que tipo de ação deveríamos encetar. O mundo todo torna-se um campo de compaixão, começando por nós mesmos e abarcando todos os seres. Algumas pessoas são levadas a aliviar o sofrimento físico dos outros, seja devido a doenças ou pobreza ou injustiça. Outros poderão sentir-se mais inclinados a responder às ansiedades e temores mentais das pessoas. E nossa resposta pode ser tão variada, desde uma intervenção direta numa situação, até uma obra de arte criativa, a uma vibração amorosa do coração. Tornar-nos pessoas mais amorosas em nossas relações cotidianas pode ser uma das ações mais compassivas que podemos realizar - simplesmente nos tornando um pouco mais gentis.

A compaixão cresce a partir da proximidade do sofrimento. É uma resposta ao sofrimento óbvio que podemos observar no mundo que nos cerca, e é uma resposta à compreensão das causas mais profundas de nossa servidão. A grande compaixão do BUDA podia banhar as chagas pestilentas de um monge moribundo e ensinar, ao mesmo monge, a forma de chegar à liberdade final. Andar no caminho da iluminação torna-se, em si, o maior ato de compaixão, porque isso desperta em nós uma compreensão dos níveis mais profundos e das raízes causadores do sofrimento.

Essa compreensão desenvolve e nutre uma compaixão que não está limitada a gente ou situações específicas. Podemos ter compaixão por vítimas de injustiça social ou política, mas podemos ter também compaixão por aqueles que perpetraram aquela injustiça? Nossa tendência seria a de sentir uma raiva direta em relação a essa gente, esquecendo que suas ações advêm da ignorância que causa dor não apenas aos outros, mas também que estão semeando as sementes cármicas de seu próprio sofrimento futuro. Será que nossa compaixão pode reconhecer essa ignorância e abraçá-los também?

Um poema do mestre Zen e trabalhador pela paz, o vietnamita Thich Nhat Hanh expressa maravilhosamente a possibilidade da compaixão que tudo abraça, sem limites e sem discriminação. Existe a visão de que tudo, tudo na vida, está em nós e que podemos nos relacionar com tudo tendo um coração aberto.

POR FAVOR ME CHAME POR MEUS VERDADEIROS NOMES
Não diga que terei que partir amanhã
pois, mesmo hoje, eu ainda estou chegando
Olhe profundamente; chego a cada segundo
para ser um broto num galho primaveril,
para ser um pequeno pássaro, com asas ainda frágeis
aprendendo a cantar em meu novo ninho,
para ser uma larva no coração de uma flor,
para ser uma jóia que se esconde numa pedra.

Ainda chego, para poder rir e chorar,
para poder ter medo e esperança,
o ritmo do meu coração é o nascimento e a morte
de tudo o que está vivo.

Eu sou a efemérida se metamorfoseando sobre a superfície do rio
e eu sou o pássaro que, quando a primavera chega,
chega em tempo para comer a efemérida.

Eu sou o sapo nadando feliz na água clara de um lago,
e eu sou a cobra do mato, que, aproximando-se em silêncio,
se alimenta do sapo.

Sou a criança de Uganda, toda pele e ossos,
minhas pernas tão finas como caniços de bambu,
e eu sou o mercador de armas, vendendo armas mortais a Uganda.

Meu prazer é como a primavera, tão quente que faz as flores
desabrocharem em todos os confins da vida.

Minha dor é como um rio de lágrimas, tão cheio que enche
todos os quatro oceanos.

Por favor, chame-me por meus verdadeiros nomes,
de modo que eu possa ouvir todos os meus gritos e
risos ao mesmo tempo,
de modo que eu possa ver que meu prazer e dor são um.

Por favor, chame-me por meus verdadeiros nomes
de modo que eu possa despertar e de modo que
possa ficar aberta a porta do meu coração,
A porta da compaixão.

Divisor

CULTIVANDO A COMPAIXÃO
(Exercício)

Há muitos níveis em que podemos fortalecer e despertar a compaixão em nossas vidas. Podemos praticá-la em silêncio ao nos sentarmos para meditar. Quando os pensamentos ou imagens do sofrimento de outros seres surgirem, evocando-os espontânea ou intencionalmente, leve sua atenção à área do coração, deixando-se tocar pela dor deles e permitindo uma resposta de cuidado amoroso e interesse. Repetir a frase "Que você possa estar livre do sofrimento" também ajuda a desenvolver um sentimento de compaixão dentro de nós. Essa frase é dirigida à pessoa que está sofrendo e pode ser repetida por alguns minutos ou pelo tempo todo de uma sessão. Da mesma forma, podemos desenvolver a compaixão em relação a nós mesmos quando sentimos nosso sofrimento aparecer na meditação.

Externamente, podemos fortalecer nossa resposta compassiva trabalhando com outra pessoa. Quando você estiver com alguém que está com dores físicas ou emocionais, fique um tempo com essa pessoa, se possível em silêncio. Observe cuidadosamente todas as diferentes reações que possam surgir em seu coração e na sua mente. Deixe todos os movimentos da mente aparecerem e desaparecerem até que permaneça algum espaço e silêncio interiores. Olhe diretamente para a outra pessoa com uma atitude simples de amorosidade. Você pode ver o outro como um semelhante com dor? Você pode permitir-se ser tocado por ele ou ela? Há uma sensação de conexão ou separação? Seu coração está aberto ou fechado? Permita-se ver o outro com o desejo de que ele ou ela fique livre do sofrimento. Se puder, fique com esse processo até você sentir uma sensação de conexão e compaixão.

Buscando a Essência da Sabedoria - de Joseph Goldstein & Jack Kornfieeld - Edit. Roca

Divisor

A DESCOMPARTIMENTALIZAÇÃO

Temos muitos compartimentos em nossas vidas. Como podemos tirar a meditação do templo e trazê-la para a cozinha, para o escritório? No templo, ficamos sentados em silêncio e tentamos ficar atentos a cada respiração. Como nossa meditação sentada pode influenciar as horas em que não estamos sentados meditando? Quando um médico aplica uma injeção, ela é benéfica não só para o braço mas também para todo o corpo. A meia hora de meditação sentada que você pratica num dia, deve servir às vinte e quatro horas, não só àquela meia hora específica. Um sorriso, uma respiração, devem ser para benefício do dia inteiro, não só daquele momento. Devemos praticar de uma forma que elimine a barreira entre a prática e a não-prática.

Quando caminhamos num templo de meditação, damos passos cuidadosos e bem lentos. Mas, quando vamos ao aeroporto ou ao supermercado, somos pessoas inteiramente diferentes. Caminhamos muito rápido, com menos consciência. Como podemos praticar a plena consciência no aeroporto e no supermercado? Tenho uma amiga que respira de modo consciente entre um telefonema e outro, e isso a ajuda muito. Um amigo pratica meditação andando entre um compromisso de trabalho e outro, caminhando em plena consciência. Os transeuntes sorriem para ele, e suas reuniões, mesmo com pessoas difíceis, muitas vezes acabam sendo agradáveis e muito bem sucedidas.

Deveríamos ser capazes de trazer a prática do templo de meditação para nossas vidas diárias. Precisamos debater a forma de fazê-lo. Você pratica respiração entre telefonemas? Você pratica o sorriso enquanto corta cenouras? Você faz um relaxamento após horas de trabalho pesado? Essas são perguntas práticas. Se você souber aplicar a meditação à hora do jantar, ao lazer, à hora de dormir, ela permeará sua rotina diária e terá uma enorme influência também nas questões sociais. A plena consciência pode ser infiltrada em todas as atividades diárias, em cada minuto, cada hora, e não ser somente uma descrição de algo muito distante.

Paz a Cada Passo - Thich Nhat Hanh - Edit. Rocco

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