"O que é escrito sem esforço é lido sem prazer" ( Johnson)
A arte em todas as suas manifestações é prolífera em debates inúteis nos quais se
radicalizam posições já em si extremadas e deixa-se de lado o sábio "caminho do
meio". Um dos mais estéreis nichos deste debate é o que tenta antepor forma e
conteúdo.
O estrago nesta área foi certamente maior nas artes plásticas, onde criou-se o mito de
que só a forma é importante e gerou-se uma avalanche de artistas mais preocupados em
mostrar que inovam as técnicas do que em dizer qualquer coisa por menor que seja. O que
era uma vaga de renovação e sensibilidade nos impressionistas acabou por se tornar uma
desculpa para iludir o público nos ultra-trans-neo-vanguardistas.
Em uma frase memorável Borges (desculpem-me os parcos leitores pela citação quase
diária de Borges) diz que quem diz que a arte não deve expressar doutrinas em geral
refere-se apenas às doutrinas que lhe são contrárias.
Na literatura vem se dando processo semelhante e é preciso muita coragem para não
admitir que os grandes escritores deste século mal chegam aos pés dos seus antecessores
das épocas passadas. Com a pretensão de serem cosmopolitas acabam sendo provincianos ao
extremo, o pior tipo de provinciano, ou seja aquele típico intelectual de província que
dedica a vida a maldizer o lugar onde vive e que tenta impressionar os demais não pelo
talento, mas pela adoção mecânica das últimas modas do mundo civilizado.
O romance psicológico que de início era novidade tornou-se norma irritante, repetitivo,
desculpa para esconder a falta de uma boa história. Borges, de novo, em um texto no qual
comenta a obra de Hawthorne contrapõe o conto ao romance afirmando que no primeiro o eixo
se encontra no enredo e no segundo nos personagens. Como toda classificação também a de
Borges tende a ser arbitrária, mas não de todo desprovida de utilidade.
Há na literatura atual uma falta absoluta de contistas neste sentido de Borges, Não no
Brasil, mas no mundo. Faltam "griots"(ATENÇÃO REVISÃO É GRIOT MESMO)
modernos que sejam contadores de história, ao menos para o meu gosto como leitor.
Tento cumprir uma velha obrigação legada por um professor já falecido de ler a Montanha
Mágica de Mann, mas nem a sensação de que lá há uma mensagem que ele teria me deixado
me anima a escalar as 800 páginas de perfis psicológicos e diálogos pretensamente
intelectuais - que na gíria de hoje chama-se "papo-cabeça" por algum motivo
que escapa ao meu cotnrole.
Se eu que sempre fui um rato de biblioteca, que devoro livros atrás de livros não
consigo ler, assim como jamais conclui o Ulisses de Joyce que tentei ler infindáveis
vezes, imagino que o texto deve realmente ser muito chato (quem sabe não foi esta a
mensagem que o professor quis me passar?). Já nem falo da intragável literatura
americana da qual só salvo Poe, Hawthorne e alguma coisa de Steinbeck.
Avalio que nestes textos todo há um desequilíbrio entre forma e conteúdo, há uma
maestria no manejo da forma que não é acompanhado nem de perto pelo conteúdo. O imenso
painel humano, psicológico e ideológico da Montanha Mágica, por exemplo, soa
artificial, como se fosse um experiemnto de laboratório ao invés de parecer com o
microcosmo que Mann tentou criar.
Que os adeptos da forma me perdoem, mas certamente uma boa história mal contada é ainda
bem contada, mas uma bela composição formal sem conteúdo algum - como a poesia
parnasiana - não é absolutamente nada. Daí concluo que o conteúdo é superior à
forma, ainda que não possa prescindir dela e ganhe muito se estiver embalado em uma forma
adequada.