Não há muito tempo as pessoas acreditavam em um cenário futuro no qual tanto a escrita
como a leitura teriam muito pouca importância. Imaginava-se que de alguma forma os meios
audio-visuais iriam substituir estas duas atividades tão antigas, tornando o conhecimento
acessível aos preguiçosos.
Numa versão menos exagerada, o texto sobrevivia, mas com uma importância decrescente,
como no caso dos grandes jornais brasileiros nos quais o texto é cada vez menos
importante que as imagens numa ridícula tentativa de criar uma "televisão de
imagens estáticas". Mesmo neste caso houve uma falha, pois estes jornais recheados
de notícias fragmentárias e superficiais acabaram por precisar de inúmeros colunistas
capazes de explicar o que está acontecendo.
A idéia de que só tem valor o texto curto e objetivo é uma extrapolaçõa de um
raciocínio correto, o de que longos textos prolixos recheados de termos ininteligíveis
são de utilidade duvidosa. Mas ao invés disto destacar a necessidade do bom texto, foi
exacerbado para contestar o próprio texto em si.
Escrever tornou-se então um anátema da modernidade, uma tarefa que todos apressam em
condenar por inútil. Desmerecem-se todos os textos que vão além da burocrática notinha
de jornal e diminui-se o mérito de quem escreve. Para isto escrevem-se livros e mais
livros que esforçam-se para ensinar em um texto primário, como as pessoas devem agir em
um mundo sem leitura.
Com esta medida atende-se a duas finalidades, fazer quem lê ou finge ler os livretos e
livrecos ter a impressão que meia dúzia de bobagens de um manual de auto-ajuda podem
substituir uma vida de erudição, e de outro aldo se mantem em circulação o
livro-mercadoria que de outra forma poderia se extinguir.
Um ótimo exemplo disto sõa os livros sobre gerenciamento, coqueluche que há anos
transforma os trabalhadores brasileiros em cobaias de experiemtnos destinados ao fracasso.
Estes livros em geral falam o óbvio, aquilo que qualquer pessoa com bom-senso faria, às
vezes, para fomentar o debate, fazem questõa de violar o bom senso, a realidade
histórica e cultural e criar modelos absolutamente fictícios. Em qualquer dos casos há
por detrás destas idéias e dos que as compram um picaretagem tanto implícita quanto
explícita.
A alternância quase diária do "modelo de gerenciamento" da moda gera
multidões de "homens de um livro só" que após lerem meia dúzia de páginas
mal escritas acreditam-se detentores de um poder mágico. E fazem com este poder o mesmo
que aquele cacique nhanbiquara faz com o lápis e as folhas de papel que o antropólogo
Levy-Strauss lhe empresta: fingem ter conhecimento para tentar dominar os subordinados que
estão prontos a se rebelar.
Fico chocado quando ouço pessoas dizerem que gostam de escrever mas não de ler. É uma
incoerência completa, afinal ninguém pode escrever sem ler e ler muito. A Internet tem
seus méritos por ter dado um impulso novo à troca de correspondência, estimulando as
pessoas a escrever, mas a maior parte delas não tem o hábito de ler. O resultado são
textos mal escritos, repletos de erros grotescos de ortografia e gramática, cheios
daquela petulância de "homens de um livro só".
A palavra de ordme da modernidade é ser instrumental, ou seja, só vale a pena ler um
livro se ele trouxer alguma vantagem prática. Mas sequer é feito isto, procura-se evitar
ler muita coisa, em especial livros que tenham estilo e sejam bem construídos, dando
destaque especial para aqueles livros que utilziam um português primário e precário,
recheado de inúteis expressÕes estrangeiras que ornam o texto como medalhas de
presunção.
O conceito do que é instrumental por si só já é suspeito, afinal qualquer bom livro
tem muito a nos ensinar sobre a vida, ainda que o leiamos não para adquirir este
conhecimento, mas pelo deleite do saber. Um bom livro de literatura geralmente é muito
mais instrumental que um árido texto acadêmico no qual a finalidade é tornar a leitura
tão maçante que ninguém mais se aventurará a folhea-lo.
Particularmente parece que muito do que foi dito contra o texto está profundamente
marcado por um sentimento de inveja e despeito de quem não sabe escrever contra quem sabe
- e para saber escrever é essencial saber ler, Não se conhecendo uma única exceção
neste sentido. Mas mesmo se ler fosse um crime ainda assim quem gosta de ler continuaria
lendo.