"A imprensa será morta como será morto um povo: dando-lhe liberdade" (Balzac,
Monografias sobre a Imprensa Parisiense)
A coletânea "Os jornalistas", lançada recentemente pela Ediouro, reune dois
trabalhos menores e menos conhecidos de Balzac: Monografia da Imprensa Parisiense e Os
Salões Literários. O primeiro é muitíssimo mais divertido porque se propõe a fazer
uma tipologia dos jornalistas, rigorosamente classificados em categorias, variedades e
subgêneros do topo ao piso de um jornal.
Dificilmente Balzac imaginaria que seu livro tivesse tanto fôlego pois é muito mais uma
coleção de epigramas aos desafetos inspirados sobretudo pela vingança. A aguçada
lâmina fria do epigrama parece não poupar a ninguém, nem mesmo aos raros tipos nos
quais ele reconhece o talento mas lamenta que este seja consumido na rotina medíocre e
nos interesses rasteiros dos jornais.
Para definir os jornalistas ele os chama da Ordem de Gendelettre (como gendarme é
originalmente Gente de Armas) ou pelo apelido menos carinhoso, mas mais revelador, de
estraga-papel. Poderia-se chama-los de Filhos da Pauta, numa atualização tardia, que
ainda hoje provoca ira nos coleguinhas.
É justamente esta similaridade que assusta, um trecho descrevendo um dos personagens de
Balzac se transcrito hoje seria considerado como ofensa pessoal por pessoas idênticas
àquelas descritas pelo escritor francês na primeira metade do século passado. Até me
abstenho de citar alguimas destas passagens porque não faltariam coleguinhas a vestir as
carapuças. Mas quem ler o livro Não terá dificuldade em reconhecer o que eu digo.
Tem se a impressão que a imprensa não evoluiu nada nestes quase duzentos anos, que
continuam a habitar o mundo da imrpensa os mesmos estereótipos - ou seriam arquétipos? -
dos estraga-papel da França balzaquiana.
Se esta estagnação de dois séculos já é em si preocupante, ainda mais o é o fato de
que Balzac nem de longe pretendeu realmente fazer um retrato da imprensa, mas apenas
vingar-se dos desafetos. A obra não é um estudo científico, mas uma coleção de
epigramas emoldurada pelo talento de Balzac como frasista.
Ele não faz um retrato, mas uma caricatura dos jornalistas de sua época; contudo esta
caricatura é um excelente retrato da imprensa local contemporânea. Estão todos lá, a
começar deste que vos escreve, num retrato quase perfeito cuja necessidade de retoques é
mínima. Os mesmos perfis, as mesmas ambições, as mesmas ilusões, as mesmas
estratégias de sobrevivência, os mesmos expedientes, só faltam os mesmos talentos,
material cada vez mais raro.
No máximo um ou outro dos personagens reais consegue reunir os defeitos de dois ou três
dos tipos retratados - nunca as qualidades diga-se de passagem. É provável que se Balzac
vivesse por aí hoje não conseguiria ser tão contemporâneo, ainda mais com um livro que
para ele seria evidentemente datado.
Datado sobretudo porque ele tem a intenção de retratar nem tanto um tipo, mas algumas
personagens da sua época. Imaginaria ele, portanto, que os leitores de outro século,
outro país, outra língua, outra cultura seriam incapazes de descobrir quem eram os
personagens reais aos quais os epigramas eram destinados e portanto a obra Não poderia
mais ser decodificada.
O que se vê é justamente o contrário; o Mestre-jaques, o publicista de carteira, o
jovem crítico louro (que muito bem pdoe ser moreno, como ressalva Balzac), o Nadólogo, o
Agregado, os Camarilhistas, o Farsante, o Incensador e tantos outros tipos passaram a
ganhar vida como caricatura de outros tipos bem reais. Querendo fazer um epigrama
gigantesco, Balzac acabou por ser capaz de um verdadeiro tratado sociológico dos
jornalistas - profissào, aliás, que ele também exercia.
Mas há um outro aspecto que chama a atenção na obra amarga e vingativa de Balzac.
Balzac entrou para a história como um dos maiores escritores da humanidade, seus
detratores Não só Não puderam evitar isto com todas as suas intrigas e perseguições,
como ainda só escaparam do anonimato absoluto para tornarem-se caricaturas.