Alexandre Gomes
"Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais
erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda de que tenho
sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério" (Borges)
Escrevi ontem sobre um Borges grandioso, uma figura do panteão da literatura. Hoje queria
escrever sobre um outro Borges, um Borges ao qual a vaidade das luzes já não cega mais.
Um Borges que tal como o filósofo Al-Ghazalli tem vontade de sair pelo mundo até
encontrar algum povoado onde seu nome não seja conhecido.
Este Borges já não escreve mais para ser festejado pelo mundo, já não escreve mais na
busca da página que o absolverá na história da literatura, escreve porque para ele é a
única coisa possível de fazer, porque para ele escrever significa viver. As palavras que
ele profere são a de um homem que já se libertou do mundo, um homem que galgou a suprema
felicidade de encontrar-se.
O trecho que serve de epígrafe a este texto não me era estranho, já havia lido antes
embora agora vasculhe as páginas de Borges à procura dele e não o encontre. Um
filósofo chinês já disse que não há no mundo livros que devam ler, mas livros que uma
determinada pessoa deve ler em certo lugar e em determinado momento, menos radical Borges
dizia que o importante era reler e não ler e um autor que não me lembro mais disse que
um livro que Não merece ser lido duas vezes na verdade sequer merece que o leiamos uma
única vez.
Penso sobre isto quando leio a epígrafe, ela me disse tão pouco na primeira vez que a
li, mas estava repleta de significado quando a enviaram a mim noutro dia. Acreditar nela,
colocá-la em prática significa a mais nobre aspiração do homem: a liberdade.
Nada escraviza mais o homem, penso agora, que o medo de errar porque só há um único
método seguro para não errar nunca: obedecer. Procuramos na autoridade dos outros a
responsabilidade para tomar as nossas decisões, estamos sempre prontos a aceitar o que os
oturos dizem e fazer o que os outros querem que façamos porque assim temos o álibi para
nossos medos pequenos ou grandes.
É isto que nos faz escravos, é este grilhão que nos torna servos, é esta a cadeia que
Borges quebra ao final da sua vida com o trecho citado na epígrafe. O momento é
certamente apropriado, só se pode descobrir esta verdade quando se é jovem o suficiente
para não temer o mundo ou velho o bastante para não ter mais o que temer dele, ou ainda
quando a paixão nos desliga do mundo, ou seja naqueles momentos no qual o mundo pouco
importa.
Para que esta prisão do medo de errar seja forte o suficiente precisamos ser
aterrorizados pela simples hipótese de errar, precisamos ser domesticados a só procurar
os caminhos seguros que nosso feitor nos indica, precisamos perder a vontade de mudar
nossas vidas.
Vivemos pelos outros e eles vivem por nós e enquanto isto tudo sempre continua como
está. O Borges idoso fala ao Borges jovem , em um de seus contos, que a humanidade tal
como o jovem Borges crê é uma abstração, que só os indivíduos tem existência real.
A mensagem é tão simples mas nós, pobres cativos numa caverna escura, não somos
capazes de perceber isto e então estamos condenados à escravidão.
Mas sinto às vezes que já não me importa esta humanidade cativa, se só aqulea pessoa
se libertasse da prisão para mim já seria como se toda a humanidade estivesse livre e
então eu seria feliz.