- Tá?!...Sim?!... Ah, viva Chefe! Heil! - e põe-se imediatamente de pé. - Como?... Não foi aprovada?... Não?!...Não acredito! E agora? ... Eu que me desenrasque?!... Ai é?... 

Balbina cai na cadeira e pousa o telefone. Não quer acreditar no que ouviu. Uma onda vermelha passa-lhe pela mona. Volta-se para o lacaio Lascari presente no gabinete e desabafa : 

- Estás a ver isto!... O Xerife acaba de me informar que o Maioral não aceitou a lista... Tanto trabalho para nada. E agora eu que me desenrasque... 

Não aguentando mais a tensão, varre a secretária com um braço de raiva. Voam os papeis, os jornais, os lápis, as canetas e a moldura com fotografia do Super-Maioral. Lascari refugia-se num canto do gabinete, ao lado da mesa de reuniões, com medo de levar com algum objecto. Balbina está possessa, barafusta dando murros na secretária.  

- Não há direito!... Eu aqui a fazer gestão racional dos recursos humanos, eu aqui a esfalfar-me a identificar os desafectos às instituições vigentes, eu aqui a trabalhar no duro ... e chumbam a lista!...Rai´s parta isto!... Assim não dá!... Como é que eu mantenho a pureza ideológica e étnica dos gambuzinos se não posso correr com quem me apetece?... Mas isto não fica assim. Ai não fica, não! Vai chamar os cipaios. Despacha-te!.. 

Lascari sai em passo de corrida. Sobe escadas, desce escadas, telefona, corre os gabinetes e junta os cipaios possíveis. Em fila indiana entram todos no gabinete da Balbina. Endireitam as cadeiras e sentam-se na mesa de reuniões. Balbina, de pé, de mãos nas ancas e com os seus pequenos olhos cínicos brilhando de fúria, dirige-se às suas "tropas". 

- Sentem-se, sentem-se!... Já sabem o que se passa?... O Lascari já vos explicou ? Não?... Então eu explico. A lista dos gambuzinos a serem recambiados para a Patagónia, que tanto gozo nos deu a elaborar, foi chumbada. O Maioral disse que não. Não querem migrações forçadas. E agora?...Que fazer?... Foi para isto que vos chamei... até porque é para isto que vos pago... Vamos lá a fazer "brain-storming" e tratem de arranjar uma solução que eu vou dar uma volta para desanuviar  um pouco. Quando regressar quero uma solução.  

Meia hora depois, Balbina entra no seu gabinete. Um cheiro a neurónios esturrados paira no ar. Um cipaio de capuchinho está prostrado no chão uivando para a parede; uma cipaia apelidada de carmelita reza fervorosamente enquanto outra folheia desesperada os manuais de direito à procura de um limbo. Sobre a mesa de reuniões paira uma densa nuvem de fumo, mescla de tabaco, suor e neurónios queimados. Balbina aprecia o espectáculo. 

- Então? Já descobriram alguma solução? Quero ideias! Quero ideias!...Venham elas ! 

Falam todos ao mesmo tempo atropelando-se com as línguas : 

- Pois podemos e devemos não fosse mas de qualquer modo assim como assim e às duas por três pode-se contratar os Pirulitos mas o problema é saber se existe vida em Marte toma atenção aos 14 tomates e os gambuzinos não são seres porque eles são e não são mas todavia certo ser que de ser nada ter ser certo que gambuzinos desafectos afectam as nefárias pois quem não é por nós é contra as nozes logo impossível fazer bolo recheado de nozes e amêndoas só amargas que uma amarguinha vinha a calhar melhor seria um copo de tintol mas gambuzinos poder ser e não ser e se não pode ser então utilizar gambuzinos para caçadas de montada não em cavalos mas em carro e depois quando são só pode ser que lá por isso podem ser trocados colocados em ninhos diferentes é isso mesmo já que nada pode ser mas têm a certeza afinal quem manda tu eu ele não sei não é relevante mas interessa porque é precedente e improcedentes são sempre impertinentes que isso talvez seja melhor pior queres tu dizer não senhor nada disso mas continuando e não interrompas que de laxismo está o inferno cheio e não só por outro lado todavia e considerando a convergência  qual quê converge o quê tu és ignorante não percebes nada disto cala-te daí que levas no focinho qual quê olha a tomatada ...  

Balbina não aguenta mais :  

- Calem-se já!... Que merda é essa?.. Tanto cheiro a neurónios esturrados e só sai essa trampa? Que coisa!...Não se pode contar com ninguém... É sempre a mesma coisa, pá...Vocês só servem para o trabalho sujo... Não têm ideias nenhumas... Mas que gente eu arranjei, que bando de imbecis!... Ainda corro é com vocês!... Ponham-se todos na alheta! Rua, já! E tu, ó Lascari, abre a janela para sair este cheiro imundo. Eu já sei o que vou fazer.  

Fogem todos em passo de corrida interrogando-se sobre o que irá fazer a sua patroa. Ainda fazem um "brain-storming" no corredor mas não chegam a nenhuma conclusão. Dispersam dominados pela interrogação existencial : o que será que Balbina irá fazer ?...