Sementes da intolerância
Alexandre Gomes
Em um livro que rapidamente tornou-se um clássico - O Choque de
Civilizações (Objetiva, 1997, 446 páginas) - o acadêmico norte-americano Samuel
Huntington traça um cenário no qual prevê que os conflito entre civilizações não só
vão continuar como até tendem a aumentar. Segundo ele à medida que as civilizações
não-ocidentais adquirirem mais autoconfiança e importância estratégica tendem a buscar
seu próprio espaço tanto cultural quanto político.
O livro causou e continua causando muita polêmica nos meios
internacionais mas a cada dia parece estar se tornando mais profético e certamente é
leitura indispensável a quem pretende compreender o mundo atual. Mesmo que seja para
refutá-los, os argumentos de Huntington não podem deixar de ser levados em conta.
Nos últimos dias o livro pareceu ser bastante apropriado quando em
diversos pontos eclodem conflitos ou ameaças de conflito inter-civilizacionais. A Espanha
se agita com uma segunda caça aos "moros" que como a primeira - levada à cabo
pelos soberanos espanhóis da Idade Média - deve acabar com a expulsão ou fuga em massa
dos magrebinos, agora não mais como conquistadores, mas como mão-de-obra barata.
Na Áustria um partido de extrema-direita chega ao poder com uma
plataforma no qual o ponto principal são as restrições à imigração. Até no Brasil,
pátria do assim chamado racismo cordial, inicia-se uma caça às bruxas junto aos
imigrantes angolanos.
A principal consequência da xenofobia é que ela aumenta o risco de
choques. Marroquinos, angolanos ou turcos descobrem, através dela, que não importa o que
façam jamais deixarão de ser discriminados e sujeitos a pogroms periódicos, portanto
não poderão se incorporar jamais à sociedade ocidental que cortejam.
Isto os faz descobrir, mesmo que por necessidade, suas identidades
próprias, estimular a hostilidade com a civilização ocidental - que por megalomania
pressupomos universal - desistir da integração para desenvolver o conflito. A
hostilidade dos perseguidores só não provocaria a hostilidade dos perseguidos caso se
tratasse de uma nação de masoquistas, condenada a ser servilmente eliminada.
O mais curioso disto, ainda mais em se tratando da cultura ocidental
que julga ter descoberto a racionalidade e a globalização é que falta qualquer lógica
a esta caça aos estrangeiros. Na Espanha, por exemplo, o fluxo migratório mal tem sido
suficiente para manter a população estável, dadas as baixas taxas de natalidade.
Em diversos destes países nos quais a população envelhece a única
forma dos regimes previdenciários não irem à bancarrota é justamente a manutenção de
um fluxo razoável de imigrantes. Não se trata portanto, como diz a retórica
chauvinista, de preservar os empregos do país, mas sim de meros preconceitos atávicos
reavivados por políticos demagógicos.
Aliás há poucas coisas mais perigosas do que políticos sem ter o que
fazer ou incapazes de dar solução aos problemas reais. Quase sempre nesta situação
eles aventuram-se a inventar problemas que tenham soluções fáceis, nem importando se
elas são reais ou não.
Mas a questão dos angolanos é um tanto quanto mais grave e merece uma
outra análise mais profunda. O brasileiro em geral não é xenófobo, pelo contrário
costuma babar diante de estrangeiros e basta identificar-se como americano ou europeu para
receber um tratamento VIP como se fosse o próprio embaixador daquela nação.
Mas, como o episódio dos angolanos demonstra claramente - sem se
esquecer do repúdio generalizado à idéia de receber refugiados bósnios que ocorreu há
alguns anos - que este tratamento é exclusivo para os estrangeiros vindos do primeiro
mundo, preferencialmente brancos e cristãos.
Uma das mais detestáveis falhas de caráter conhecido é a que faz o
indivíduo ser hostil e autoritário com os subordinados e suave, afável e submisso aos
superiores. Pisasse em quem está embaixo e deixasse tranquilamente pisar pelo que está
acima.
O caso dos angolanos demonstrou que o Brasil como nação padece deste
vício de caráter que atribuía-se apenas a alguns indivíduos isolados. Com o agravante
que os conceitos de superior ou inferior para nós parece ser exclusivamente étnico,
racial e cultural.
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