"Todos os trabalhos são desagradáveis, menos o de rei dos deuses, pois ninguém é
livre senão Zeus" (Ésquilo, Prometeu Acorrentado)
Poucos temas tem chamado tanto a atenção dos pensadores ao longo do tempo como a
questão da liberdade e, sobretudo, dos limites que permitem que a liberdade continue
sendo a liberdade. Infelizmente sempre se tem chegado a conclusão que não se vive num
estado de liberdade, mas apenas numa ilusão, mais ou menos disfarçada, de ser livre.
A verdadeira e completa liberdade - aquela que existe sem qualquer meio de coerção, nem
limites, nem correntes invisíveis - parece só ser possível a um tipo de homem ideal
para o qual praticar o bem, ser ético - para rememorar alguns artigos escritos
anteriormente - independe de qualquer tipo de pressão externa. Só com este tipo de
super-homem moral - o avesso do super-homem de Nietzsche - se poderia ter uma sociedade na
qual se poderia ser realmente livre.
O maior paradoxo da liberdade talvez seja este, para haver realmente a liberdade seria
necessário que os meios de coerção que tornam a vida social possível não fossem
necessários. A fábula liberal do estado de natureza, mera criação abstrata que muitos
imaginam realmente ter ocorrido, fundamenta-se na maldade humana como elemento-chave da
teoria, mas até que ponto esta premissa é verdadeira?
Os velhos gregos achavam que o conhecimento seria capaz de produzir este super-homem moral
que é bom por ser, não porque é obrigado. Também o pensaram os anarquistas igualmente
com base no poder libertador do conhecimento. Mas a mente do homem civilizado é repleta
demais de sentidos e significados dizendo o contrário, predizendo uma catástrofe se a
ordem social deixar de existir.
Não há doutrina religiosa, por exemplo, que não esteja baseada no cumprimento de uma
série de regras que se deve cumprir sob a ameaça do Inferno, ou similar, e as
recompensas do Paraíso (e o fato do Inferno ser a parte mais lida e comentada da obra de
Dante revela que o primeiro argumento é mais eficiente). Mas, justiça seja feita, quase
todas as grandes e pequenas religiões também produziram seus místicos que, voltando a
Sócrates, crêem que é possível existir um homem exclusivamente bom por si mesmo porque
adquiriu o conhecimento e o amor e não pelo temor ao que quer que seja.
A sociedade ocidental moderna deixou de lado os valores religiosos para crer em outros e a
principal virtude passou a ser a de obter dinheiro e fama. Criou-se uma ilusão nova
segundo a qual a posse de incontáveis quantidades de dinheiro é capaz de trazer senão a
felicidade, ao menos a liberdade de se fazer o que quer.
Nesta nossa sociedade moderna o castigo já não é mais o inferno, mas a miséria neste
mundo aqui mesmo. Evidente que este tipo sutil de coersão não é capaz de produzir uma
ética positiva, apenas uma corrida desenfreada contra os concorrentes, um desejo
insaciável de esmagar quem estiver à frente, uma inevitável posição anti-social
perante os demais. O efeito disto é que embora não se tenha o benefício da verdadeira
liberdade, se tem todos os seus inconvenientes.
É um sentimento fortemente arraigado o de sem que sejam estabelecidos alguns limites a
liberdade absoluta torna a vida em sociedade impossível. A premissa desta hipótese é a
de que é necessária uma arbitragem para se definir onde termina a liberdade de um para
começar a do outro, limitando os círculos de liberdade de cada indivíduo.
O primeiro conceito que inspira este limite é o de que o homem agirá mal se não houver
nada a restringi-lo. É difícil tanto comprovar como contestar esta noção, afinal o
homem jamais viveu numa sociedade tal que não houvesse alguma regra e portanto alguma
restrição à liberdade. Isto antecede até mesmo a sociedade, pois mesmo na época que
éramos animais éramos guiados pelas regras estritas e inapeláveis dos instintos.
A regras sociais, portanto, foram pouco mais que sucedâneos mais explícitos àqueles
intintos que nos transformavam em seres sociais. À sofisticaçào das nossas mentes
exigiu uma sofisticação dos meios de controle, ora mais visíveis, ora mais sutis como
os de hoje. Mas junto com a mente avançada surgiu aquele desejo de ser livre, meta que
passou a exigir meios cada vez mais sofisticados de controle.
Hoje se chegou a um mecanismo altamente avançado, no qual as correntes que nos prendem
tendem à invisibilidade e são portanto mais difíceis de serem vistas e consequentemente
rompidas. Mas há uma associação típica do ocidente que é especialmente perversa à
busca da verdadeira liberdade: a confusão entre liberdade e individualismo.
É evidente que o caminho da liberdade é sobretudo um caminho individual, nenhum regime
pode impor a liberdade à força porque isto seria uma contradição em termos, mas ser
verdadeiramente livre não significa deixar de se preocupar com os outros. O verdadeiro
guerreiro da liberdade sabe que ela só será possível quando todos ou ao menos a maioria
for livre de fato, portanto ele sabe que é necessário incutir nas pessoas não uma
doutrina libertária mas o desejo de liberdade.