"Julgarás um homem tanto por seus amigos quanto por seus inimigos" (Conrad,
Lord Jim)
Talvez o melhor retrato do elemento típico da "comunidade de informações",
que por motivos que fogem ao meu alcance chamam atualmente de Inteligência, seja o dado
por Conrad no seu O Agente Secreto, escrito em 1907 e que curiosamente não encontro na
bibliografia de Conrad que tenho a mão.
Conrad dizia que nenhum outro livro seu tinha recebido tantas críticas desfavoráveis e
realmente quem lê Lord Jim, Nostromo ou Heart of Darkness não vê o mesmo estilo
burilado a cinzel de prata no O Agente Secreto. O próprio Conrad acrescenta ao título um
"Um simples conto", como símbolo da importância menor da história no conjunto
da obra.
Mas o autor, um polonês que conseguiu ser um dos grandes mestres numa língua que não
era sua, errou redondamente quando avaliou os motivos do insucesso da obra. Para ele The
Secret Agent era um texto datado, algo que só poderia ser entendido por quem tinha vivido
aqueles dias de espionagem e tensão.
Não, o romance de Conrad é ainda atual, ainda que não deixe de traçar com até um
certo grau de simpatia o araponga que o protagoniza. Mas certamente muito menos simpatia
do que os filmes de Hollywood que costumam transformar em ídolos estes indivíduos
desprezíveis, esta corja de insetos asquerosos cuja rotina é fazer o trabalho sujo dos
poderosos.
Não há Manual Militar que não destaque a importância dos espiões, de do milenar Sun
Tzu a Clausewitz, passando por Maquiavel, a Arte da Guerra sempre os apontou como um mal
necessário, nunca, entretanto sem apontar mil cuidados que se deve ter com esta espécie.
Já não me lembro mais aonde li, mas um homem sábio aconselhava seu soberano a não
confiar nos espiões porque eles receberiam suborno dos inimigos e seriam ignorados pelos
amigos, levando no final o príncipe a desconfiar de quem lhe era leal e confiar em quem
arquitetava a sua perda. Nada mais verdadeiro.
Já mencionei inúmeras vezes que Dante colocou os que traem seus benfeitores no último
compartimento do último círculo do Inferno. Mas o espião está sempre condenado a
trair, é algo de sua natureza, porque a traição é o seu negócio e só pode sobreviver
às mudanças de poder se estiver sempre pronto a trair velhos benfeitores, tal como fez o
arquétipo de toda esta laia, Laurenti Beria.
Mas a preocupação com esta corja não é apenas "literária". É preciso que
também se leve em conta estes insetos quando pensamos no futuro, assunto que tem dominado
esta coluna que não sei se alguém lê mas que escrevo para estar satisfeito comigo
mesmo.
Como já disse anteriormente, em um dos nossos futuros as facilidades de comunicação
servem para aproximar as pessoas e criar algo bem próximo a democracia direta grega e o
pleno acesso a informação. No outro estes mesmos recursos servem para estabelecer um
profundo controle das ações de cada pessoa e para cercear ao máximo o acesso às
informações.
Hoje já temos possibilidade de um controle muito mais efetivo e concreto, portanto mais
assustador, que as modestas teletelas e o trabalho artesanal do Ministério da verdade na
reconstrução da mentira. Felizmente todo este controle ainda não é exercido ainda,
espero, mas pode vir a ser tão logo existam condições concretas.
Leio em um artigo do deputado federal José Genoino que existe uma crescente
despreocupação, e até ojeriza, em relação a democracia. E é verdade, a democracia
perdeu seu valor no imaginário da população, tamanhas foram as picaretagens feitas
pelos políticos em seu nome.
Está portanto semeada a seara para o segundo cenário, porque para o primeiro cenário é
preciso que as pessoas participem da política e para isto é necessário que amem a
democracia. A arapongagem certamente vibra com esta perspectiva porque ela lhes volta a
abrir a porta do sucesso.
Como vem demonstrando nos últimos dias em sua coluna o jornalista Cláudio Humberto, a
arapongagem do Planalto está mais viva do que nunca, prestigiada como nunca havia sido
antes desde a volta da democracia. Isto é um sinal de alarde que deve ser ouvido por
todos aos quais a democracia é cara.
Alguém - como já disse, se alguém lê esta coluna - pode se perguntar o que tudo isto
tme a ver com Cultura. Tem tudo e só por isso quebrei a promessa que fiz a mim mesmo de
não falar de política aqui também.
Em primeiro lugar porque as pessoas de cultura e os artistas estão entre os primeiros
alvos de uma sociedade dominada pela "Comunidade de Informações". É o
trabalho deles que será muilado, censurado, queimado e é a vida deles que estará em
risco.
E em segundo porque é justamente na Oficina Cultural - nosso pequeno templo local da
cultura - que tentam a todo custo enfiar o Sr. Luciano Arantes que pior do que os
arapongas, sonha em ser um deles. Não resta dúvida que lá sua mediocridade e absoluta
falta de experiência na área não permitirá a ele outra função senão a de espionar a
vida alheia, tentar intimidar aos outros como já fez comigo no passado.