Um levantamento dos livros mais influentes do século, realizado por editores ingleses,
apresentou uma série de surpresas. Há algumas omissões questionáveis como Admirável
Mundo Novo de Huxley, alguns livros óbvios como o "Em Busca do Tempo Perdido"
de Proust e "A Interpretação dos Sonhos" de Freud, mas há sobretudo uma
grande surpresa, "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de Max
Weber.
Não seria de se admirar se a comunidade acadêmica da área de Ciências Sociais
brasileira fizesse protestos à inclusão, tão difamado costuma ser o livro em tantos
cursos por aí. Cursos que aprecem ter sido estruturados para confirmar a frase de Raymond
Aron, um weberiano por sinal, que "o marxismo é o ópio dos intelectuais".
O texto clássico de Weber é tão criticado como pouco lido e ainda menos entendido.
Corre o boato, largamente difundido, que o texto é uma resposta à Teoria Marxista e ao
materialismo histórico no qual seria os fatores culturais, ideológicos que determinam o
caráter da sociedade. Weber jamais disse isto, como poderiam atestar os marxistas se
tivessem lido o texto.
O que Weber diz na verdade, grosso modo porque sua conceituação não pode ser facilmente
resumida, é que as doutrinas religiosas criam uma determinada ética emanada delas e esta
ética interage com o meio econômico - assim como com o político e o social, mas
primordialmente o econômico - em alguns casos estimulando-o, em outros inibindo-o. Neste
sentido, a doutrina tem um papel interativo, mas independente e em alguns momentos
primordial, numa determinada transformação social.
No livro em questão, a tese essencial de Weber, também aqui mutilada pela
simplificação, é que os valores protestantes de parcimônia, de valorização da
circulação da riqueza em vez do seu entesouramento, de valorização do trabalho, entre
outros, favoreceu o desenvolvimento do capitalismo (e não o aparecimento, note-se esta
distinção sutil mas essencial) nos países protestantes e o inibiu nas nações
católicas como Portugal, Espanha e França. Certamente o trecho causa revolta tanto a
marxistas como a católicos, numa curiosa reedição de uma Santa Aliança...
Analise-se então o que os marxistas consideram um hipotético contraponto à tese
Weberiana. Segundo eles os princípios católicos faziam parte da superestrutura
ideológica do sistema feudal, com o surgimento do capitalismo a nascente burguesia
precisava lutar pelo controle da estrutura econômica e consequentemente mudar a
superestrutura ideológica. A Reforma Protestante, foi, portanto uma expressão, um
disfarce, de uma luta que era econômica ou no máximo política, voltada em especial para
a legitimação da cobrança de juros, proibida pela Igreja.
Surge de imediato um vácuo, o fato de não obstante tal constatação, os países
católicos tornaram-se capitalistas. E que não se alegue a Contra-Reforma para refutar
isto, porque esta não fez nenhuma adaptação "capitalista" na doutrina
católica, mas antes pregou uma volta aos velhos valores medievais. A reação católica
não foi a de se modernizar, como seria de se supor pela tese marxista, mas sim de tornar
reais e concretos os valores morais que ela pregava mas que eram hipocritamente violados.
Nas mãos de Marx, intelectual brilhante, dedicado, criativo, culto, sua teoria era uma
coisa, ele próprio estava consciente que ela era uma abstração da realidade, um modelo
teórico a ser constantemente aprimorado. Não obstante os seus preconceitos e
idiossincrasias - típicos da sua época - ele deu grandes contribuiçÕes ao conhecimento
do homem e da sociedade. Já aqueles que se chamam marxistas - termo que Marx por sinal
ironizava - em geral usam a teoria de Marx como uma desculpa para não ter de pensar mais
profundamente.
O que em Marx era uma teoria fortemente criativa e inovadora, na imensa maioria dos
marxistas é um modelo grosseiro e simples para explicar da realidade, tratando tudo que
não pode ser explicado de forma satisfatória como irrelevante. Com isto sequer conseguem
apreender toda a riqueza do próprio Marx.
Ao contrário de Marx, inclusive, pouco se preocupam em conhecer qualquer interpretaçào
alternativa da realidade ou se debruçam num esforço sério de entender e criticar estas
outras interpretações. Weber é um caso exemplar, assim como Durkheim, de autor que
apesar de toda a sua relevância é pouco lido, refutado pelo que alguém achou que ele
dizia ao invés do que pelo ele mesmo disse.
É evidente que o marxismo - ao contrário do que dizem seus detratores, eles próprios
culpados do mesmo pecado de criticar pelo que acham que Marx disse ou pelo que os
marxistóides disseram - ainda tem um grandioso e fundamental papel como ferramenta de
compreensão da realidade econômica, social e política. Mas esta contribuição é
tolhida porque de perspectiva científica o marxismo vai se tornando uma superstição, um
preconceito, uma doutrina religiosa, que faz fenecer todo o seu potencial criativo e
revolucionário.