"Por mais incisivas que as influências sociais possam ter tido sobre uma ética
religiosa num determinado caso, ela recebe sua marca principalmente das fontes religiosas
e, em primeiro lugar, do conteúdo de sua anunciação e promessa" (Weber, A
psicologia social das religiões mundiais)
Fiz ontem um rápido, portanto injusto e incompleto, quadro das principais abordagens do
fenômeno religioso com o objetivo de chegar ao papel da religião na sociedade
pós-moderna. Destaquei em especial a noção de Weber segundo a qual a religião é um
fenômeno autônomo, que até interage com o meio social - de forma ativa e não passiva
como em Marx. Avancei um pouco no conceito de Weber a partir da noção de uma
"seleção natural" das idéias religiosas - conceito do filósofo pragmático
William James - realizadas pelo crivo da correspondência entre as mensagens e as
necessidades religiosas de uma comunidade.
É esta última idéia que gostaria de desenvolver melhor hoje. Weber destaca a
adaptação da mensagem numa doutrina dela derivada, desenvolvida pelas gerações
posteriores do segmento social que adotou aquela mensagem como sua. Mas esta relativa
plasticidade da doutrina depende de um lado do conteúdo original da Revelação, e de
outro das camadas sociais que aderem à doutrina.
O autor destaca como exemplo deste processo a tendência às religiÕes desenvolvidas no
seio das camadas cívicas, burocraticas, de ter um caráter de rpecrição moral,
prática; enquanto as religiÕes cujos adeptos pertenciam a camadas intelectuais tinham um
caráter místico e extático. Mas, em qualquer dos casos, há sempre uma autonomia da
mensagem que é determinante, ainda que não seja determinante sempre ou exclusivamente
determinante.
Mas a noção de Weber que talvez mais nos interesse é a que vincula a adoção de uma
determinada doutrina à uma "necessidade religiosa" que, grosso modo, seria a
necessidade de racionalização dos sentimentos de um grupo. Isto porque da doutrina
religiosa emana uma ética que rege as relações sociais e pessoais em um determinado
grupo e portanto a religião é importante elemento legitimador destas religiões. Porém,
ao contrário da perspectiva marxista, a religião não é passiva neste processo pois é
capaz de determinar quais serão estas relações.
O porque de algumas religiÕes terem se tornado mundiais, outras terem se mantido como
seitas limitadas e outras terem simplesmente desaparecido talvez possa ser explicado pelos
conceitos de James. Da imensidão de idéais religiosas que surgem - e das consequentes
éticas delas derivadas - algumas encontram indivíduos para os quais elas são úteis -
portanto verdadeiras - enquanto outras não.
O caráter intermitente, até recalcitrante, de algumas destas idéias religiosas poderia
ser explicada pela existência de algumas idéias do passado que não encontraram adeptos
mas ficaram "em estado de latência" até serem úteis. A principal base
teológica do calvinismo, por exemplo, encontra-se já em Germe no pensamento do
catolicíssimo Santo Agostinho no século V.
Ainda sobre os calvinistas é muito interessante analisar o surgimento da Reforma
Protestante para "testar" estas idéias - porque uma coisa é testar as teorias
pelos seus resultados, como pregava james, outra pelos seus modelos esquemáticos. A
visão clássica do assunto, que figura em milhares de livros didáticos adeptos de um
marxismo vulgar, simplesmente Nào encotnra respaldo nos fatos.
Dizem estes livros que o protestantismo surgiu para liberar a burguesia da proibição da
usura pregada pelo catolicismo. Um fato curioso nisto é que a Contra-reforma católica
não foi uma concessão à esta "modernização" mas justamente uma retomada dos
valores católicos originais. Mas basta examinar os fatos para ver, por exemplo, que as
idéias protestantes não surgem em áreas comerciais - embora seja verdadeiro que será
nas áreas comerciais que ele irá se desenvolver acima de todas as dificuldades.
A idéia central, que será desenvolvida nos próximos artigos, é que existe uma
"necessidade religiosa" tanto social quanto individual e que para atendê-la
existe uma certa competiçào entre diversas mensagens religiosas. Mas, sobretudo, que
não é esta competiçõa que cria esta necessidade já que uma das respostas possíveis a
estas necessidades é a sua substituição por idéias não reconehcidas como religosas -
como a crescente sacralização do consumo e dos valroes monetários - ou ainda, tema
principal desta série de artigos, a fragmentaçào de um sistema religioso em religões
particulares no melhor estilo "faça você mesmo".