"Sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de largá-lo. O Poder não é
meio é um fim em si" (George Orwell, 1984)
Alexandre Gomes
Falei nos artigos anteriores que a maior distorção que a era da ciência e tecnologia
produziu no homem foi uma mentalidade estreita na qual o progresso deixou de ser um meio
para transformar-se em um fim em si mesmo. Exemplifiquei no último artigo como isto
acontece até em coisas simples como na atualização de um software simples de
escritório, acontecimento cotidiano na onda de informatização pela informatização que
circula no mundo globalizado.
Que isto não seja entendido como um questionamento da informatização e de sua
necessidade cada vez mais essencial à sobrevivência. É necessário informatizar sim,
como é necessário automatizar, robotizar e até mesmo globalizar. Mas é preciso que por
detrás de tudo isto aja a reflexão do para que, dos objetivos com os quais se faz estas
mudanças.
Duas escolhas de sociedade futura estão postas a nossa frente, embora nem todos sejam
capazes de vê-las. Uma delas aponta para uma sociedade idílica nas quais os homens
liberados do trabalho manual e automático - exercido agora por máquinas - poderão gozar
dos benefícios da cultura, lazer e fartura, reeditando em maior escala e abrangência a
velha Grécia.
Os robôs nesta nova sociedade farão o papel dos escravos gregos e as incríveis
capacidade de intercomunicação via Internet permitirõa que o conjunto da humanidade
esteja até mais próxima e atuante do que na velha pólis grega. Desta forma temos o
potencial de sermos ainda melhores, mais produtivos intelectualmente e mais democráticos
que os gregos.
Mas há o ouro cenário, infelizmente mais provável. Neste outro cenário todos os
benefícios da automação são auferidos por um grupo cada vez menor de pessoas,
reduzindo talvez a metade da população à posição de detrito, de entulho a ser
exterminado ou reciclado em materiais mais aproveitáveis (que sabe com o destino que
Swift ironicamente deu às crianças da Irlanda ou o previsto no clássico de Sci-Fi
"Soilent Green").
Neste futuro infernal todos os recursos de comunicação que poderiam se utilizados para
democratizar o acesso à informação e ao poder são utilizados para controlar cada passo
do cidadão comum. Superando de longe as teletelas de Orwell e o treinamento hipnopédico
de Huxley os meios de controle garantiriam um controle fácil e efetivo de uma escassa
minoria sobre a multidão de escravos.
O mais preocupante nisto é que estes cenários não são para daqui a 100 anos, tampouco
para 50 anos. Talvez não sejam nem mesmo para daqui a 25 anos. Eles já começam a se
desenhar já e talvez se chegue ao final da primeira década do século com a decisão
sobre qual dos dois caminhos será o escolhido tomada.
Paranóia? Talvez. Mas não se sabe de alguém que tenha sido prejudicado pelo excesso de
precaução. E não se trata de decidir qual será o futuro para nossos netos ou bisnetos,
uma ameaça distante, longuínqua como o do esgotamento da energia do Sol ou o choque de
algum improvável meteorito que nos dê a mesma sepultura de Irídio dada aos dinossauros.
É uma decisão que será tomada se não durante as nossas vidas no máximo durante a
existência dos nossos filhos. Quando muito decidiremos se nossos filhos serão cidadãos
de um mundo helênico ou escravos em um pesadelo infernal, e logo esta escolha não
estará mais em nossas mãos.
Se a humanidade continuar a pensar na ciência não como meio para alcançar o bem estar
coletivo, mas apenas como um fim em si mesmo, estaremos condenados à escravidão por uma
lógica intrínseca ao racionalismo frio do tecnocrata. tecnocrata que não é outra coisa
senão o homem que já passou a pensar com a racionalidade binária da máquina e com a
mesma lógica absoluta e desumana.
A máquina é incapaz de lidar com a imprevisibilidade e diversidade humana, mas os
homens-máquinas podem facilmente eliminar esta dificuldade tornando os homens uniformes e
previsíveis e estabelecendo um forte controle sobre os poucos recalcitrantes que
sobrarem.