07. Nov 00 by J-A © Portosom
A
chusma salva-se assim
(Letra e música: Fausto)
In: "Crónicas da terra ardente"
Já anda a gente do mar
a fazer fardos e trouxas
arrombando porões
a roubar arcas e caixões
e abandonam as mulheres
os filhos desamparados
que choram muito assustados
sem outra consolação
que uns abraçados com outros
incham das águas aos poucos
dos tragos salgados da morte
imploram a Deus outra sorte
às arfadas
aos arrancos
em prantos
e às golfadas
e uns se afogam de vez
deixando-se ir ao fundo
e se entregam assim
ao sono mais profundo
outros gritam aos céus
pela absolvição
e se enforcam depois
com suas próprias mãos
perneando com a morte
as pernas descarnadas
feitas em rachas em lanhos
e tão estilhaçadas
que por esta parte em destroços
lhes vão caindo os tutanos dos ossos
e sem saberem nadar
sem a nau
sem tábua nem pau
vai o mundo adornar
cai ao mar
cai ao mar
Daquela assada do barco
constroem seu salvamento
amarrou-se a gente ao troço
p'la cintura p'lo pescoço
indo assim tão carregada
ferem com facas e lanças
as mulheres as crianças
que se aferram à jangada
mas rezam avé-marias
padre-nossos litanias
p'las almas dos mutilados
que p'ra ali são abandonados
às arfadas
em arrancos
em prantos
e às golfadas
cheio vai o batel
e quase a afundar
p'ra alijarem a carga
botam gente ao mar
engole uma vez de vinho
e da marmelada um bocado
o pobre de um marinheiro
mesmo antes de ser lançado
deixou-se então atirar
com os braços cruzados
e se ofereceu todo à morte
tão quieto e calado
e o piloto logo abençoou
os seus dois filhos
que ele próprio lançou
e sem saberem nadar
sem a nau
sem a tábua nem pau
vai o mundo a adornar
cai ao mar
cai ao mar
Pequena era a tua filha
e não a quiseram salvar
ficou ao colo da ama
no barco grande a afundar
suplicas da jangada
enfim
ergues teus braços de mãe
mas não te escuta ninguém
a chusma salva-se assim
Gaspar Ximenes
calado
não chores alto
cuidado
tu chora só no coração
ou também vais como o teu irmão
às arfadas
aos arrancos
em prantos
e às golfadas
passam dias a fio
à pura fome e sede
E há quem vá tragando urina
e morra do que bebe
outros da água salgada
falecem dos sentidos
gritando sempre por água
lançam-se ao mar ressequidos
vai-se o soldado e o china
não fica dor nem mágoa
botou-se Estêvão mulato
com a mesma sede de água
e na tarde daquela aridez
atirou-se o padre
e o piloto outra vez
e sem saberem nadar
sem a nau
sem tábua nem pau
vai o mundo a adornar
cai ao mar
cai ao mar
07. Nov 00 by J-A © Portosom
A
flóber
(Música: Fausto; A. P. Braga)
(Letra: Mário Henrique Leiria)
In: "Fausto - atrás dos tempos vêm tempos", 1996
Ainda me lembro.
O melhor presente que tive foi sem dúvida aquela flóber.
Toda a garotada da terra colaborou no meu entusiasmo. Íamos para o campo,
pam pam, pardal aqui, pam pam, pardal ali.
A única arrelia que tive com ela foi quando um dia, sem querer, pam,
acertei em cheio na tia Albertina.
Para castigo não me deixaram ir ao enterro
07. Nov 00 by J-A © Portosom
A
ilha
(Letra e música: Fausto)
In: "Por este rio acima"
Olhamos tudo em silêncio na linha da praia
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!
Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Na ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Livra-me da fome que me consome, deste frio;
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!
Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
Da ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Andamos nus e descalços, amantes, sedentos
Se o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar
Adeus
07. Nov 00 by J-A © Portosom
A tua presença
(Letra e música: Fausto)
In: "Crónicas da terra ardente"
Eu já nada sinto
e afinal
eu gosto de não sentir nada
sozinho na calma das horas passadas
tão só numa outra quietude
num sossego tão so' sossegado
e esquecido
eu me esqueça de mim
aos bocados
adormece-me um sono dormente
que aos poucos se apaga
um sonho qualquer
mas não me acordes
não mexas
não me embales sequer
eu quero estar mesmo como eu estou
quietamente
ausente
assim
a viagem que eu não vou
nunca chega até ao fim
é longe
longe
tão longe
que de repente tu chegas
tu brilhas e luzes
na cor das laranjas
tu coras e tinges
a mancha da marca
na alma da luz
da sombra que finges
e tu já não me largas
saudade
tu queres-me tanto
e se eu lembro
tu mexes comigo
tu andas cá dentro
à volta do meu coração
no meu pensamento
também
e por mais que eu não queira
tu queres-me bem
e desdobras os mundos em cores
e levas-me pela tua mão
cativando o meu corpo
a minha alma
a razão
só a tua presença
é que me inquieta
aquela outra ausência
dói
como um passado projecta
aquele futuro que se foi
p'ra longe
longe
tão longe
que nunca se acaba
esta inquietação
se evitas momentos
já quase finais
e ficas comigo
ainda e sempre
um pouco mais
tu nunca me deixas
saudade
tu nunca me deixas
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Ao longo de um claro rio de
água doce
(Letra e música: Fausto)
In: "Crónicas da terra ardente"
E parecia aquele Tejo
este rio doirado
parecia até que tu vinhas
comigo a meu lado
ou seria das flores
e das matas cheirosas
das madressilvas dos frutos
das ervas babosas
E pareciam campinas
vales tão estendidos
pareciam mesmo os teus braços
que me abraçam cingidos
ou seria das silvas
do gengibre do benjoim
do cheiro daquela chuva
dos cacimbos enfim
porque haveria de ter
saudades tuas
ao longo de um claro rio
de água doce
E parecia verão
no imenso arvoredo
parecia até que dizias
qualquer coisa em segredo
ou seria dos dias
muito quedos
sem fim
das noites
muito melhor
assombradas
assim
porque haveria de ter
saudades tuas
ao longo de um claro rio
de água doce
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Atrás
dos tempos
(Letra e música: Fausto)
eu pego na minha viola
e canto assim esta vida a correr
eu sei que é pouco e não consola
nem cozido à portuguesa há sequer
quem canta sempre se levanta
calados é que podemos cair
com vinho molha-se a garganta
se a lua nova está para subir
que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir
eu sei de histórias verdadeiras
umas belas outras tristes de assombrar
do marinheiro morto em terra
em luta por melhor vida no mar
da velha criada despedida
que enlouqueceu e se pôs a cantar
e do trapeiro da avenida
mal dormido se pôs a ouvir
que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir
sei vitórias e derrotas
nesta luta que vamos vencer
se quem trabalha não se esgota
tem seu salário sempre a descer
olha o polícia olha o talher
olha o preço da vida a subir
mas quem mal faz por mal espere
o tirano fez janela p´ra fugir
que atrás dos tempos vêm tempos
e outros tempos hão-de vir
mas esse tempo que há-de vir
não se espera como a noite espera o dia
nasce da força de braços e pernas em harmonia
já basta tanta desgraça
que a gente tem no peito a cair
não é do povo nem da raça
mas do modo como vês o porvir
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Comboio
malandro
(Música: Fausto)
(Letra: António Jacinto)
In: "Pró que der e vier", 74
O comboio malandro passa
passa sempre c'oa força dele
u-u hi-hi te-que-tem te-que-tem
nas janelas muita gente
ah boa viagée adeus homée
n'ganas bonitas
quintandeiras de lenço encarnado
levam cana no Luanda p'ra vender
u-u hi-hi
aquele vagon de grades tem bois
mu mu mu
tem outro igual
com este dos bois
leva gente muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato
tem bois que morre no viagée
mas preto não morre
canta como é criança
mulondé iakessoa!
uadibalée uadibalée uadibalée
esse comboio malandro
sozinho na estrada de ferro passa
passa sem respeito
u-u hi-hi
com muito fumo no trás
tem-que-tem tem-que-tem
Comboio malandro
o fogo que sai no corpo dele
vai no capim e queima
vai nas casas dos preto e queima
esse comboio malandro
já queimou meu milho
Se na lavra do milho
tem pacaças
eu faço armadilha no chão
se na lavra tem Kiombos
eu tiro espingarda de Kimbundo
e mato neles!
Mas se vai lá fogo
de comboio malandro deixa
só fica fumo
muito fumo mesmo...
Mas espera só
quando esse comboio malandro descarrilar
e os branco chamar os preto
p'ra empurrar
eu vou... mas não empurro
Nem com o chicote
finjo só que faço força
comboio malandro
você vai ver só o castigo
vai dormir mesmo no meio do caminho!
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Como
um sonho acordado
(Letra e música: Fausto)
In: "Por este rio acima"; 1982
Como se a Terra corresse
Inteirinha atrás de mim
O medo ronda-me os sentidos
Por abaixo da minha pele
Ao esgueirar-se viscoso
Escorre pegajoso
E sai
Pelos meus poros
Pelos meus ais
Ele penetra-me nos ossos
Ao derramar-se sedento
Nas entranhas sinuosas
Entre as vísceras mordendo
Salta e espalha-se no ar
Vai e volta
Delirante
Tão delirante
É como um sonho acordado
Esse vulto besuntado
A revolver-se no lodo
A deslizar de uma larva
Emergindo lá no fundo
Tenho medo ó medo
Leva tudo é tudo teu
Mas deixa-me ir
Arrasta-me à côncava do fundo
Do grande lago da noite
Cruzando as grades de fogo
Entre o Céu e o Inferno
Até à boca escancarada
Esfaimada
Atrás de mim
Atrás de mim
É como um sonho acordado
Esses olhos no escuro
Das carpideiras viúvas
Pelo pai assassinado
Desventrado por seu filho
Que possuiu lascivo
A sua própria mãe
E sua amante
Meu amor quando eu morrer
Ó linda
Veste a mais garrida saia
Se eu vou morrer no mar alto
Ó linda
E eu quero ver-te na praia
Mas afasta-me essas vozes
Linda
Tens medo dos vivos
E dos mortos decepados
Pelos pés e pelas mãos
E p'lo pescoço e pelos peitos
Até ao fio do lombo
Como te tremem as carnes
Fernão Mendes
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Coça
barriga
(Letra e música: Fausto)
In: "O Despertar dos Alquimistas", 1985
Eu venho das horas do diabo
venho mais negro do que a vida
quem me deitou um mau olhado
com a boca posta de lado
com sete pragas rangidas
não foi bruxo
nem feiticeira
namoradeira
nem foi Deus
nem foi Belzebu
lá estás tu
foi esta cidade
esse muro
aquele estranho futuro
a tropeçar na avenida
eu já me lancei na bebida
trago o corpo esquinado
a insinuar um bailado
vou-me rir muito
vou gozar mais
vou cantar o sol-e-dó
perder-me em doses fatais
tu vais ver só
o pé de vento que se vai levantar
comigo a rodopiar
Coça, coça a barriga
pantominas
Coça, coça a barriga
Patavinas
eu sou o "Coça Barriga"
coça, coça a barriga
vitaminas
coça, coça a barriga
nicotinas
Eu sou o "Coça Barriga"
os meus olhos são vaga-lumes
inquietos num claro vazio
vacilam em noites suicidas
insinuam despedidas
à deriva meu navio
amanhã não sei o que virá
o que será
dá saudades minhas lá no bairro
Cara-Linda
vou partir como um condenado
amargo e desfuturado
achincalhando no fundo
e ao chegar à beira mundo
abrir então os meus braços
p'ra me lançar no espaço
vou-me rir muito
vou gozar mais
vou cantar o sol-e-dó
perder-me em doses fatais
tu vais ver só
o pé de vento que se vai levantar
comigo a rodopiar
Coça, coça a barriga
pantominas
Coça, coça a barriga
Patavinas
eu sou o "Coça Barriga"
coça, coça a barriga
vitaminas
coça, coça a barriga
nicotinas
Eu sou o "Coça Barriga"
bate forte meu coração
salta minha fera encurralada
já ninguém ouve o teu pregão
tua mais linda canção
futurando as madrugadas
vou fugir contigo p'ra Manágua
Olhos-d'Água
ainda um dia destes sou feliz
por um triz
darei largas à minha loucura
e já ninguém me segura
quando eu voltar sonhador
eu hei-de ser belo e sedutor
tu vais por uso e costume
enlouquecer de ciúmes
vou-me rir muito
vou gozar mais
vou cantar o sol-e-dó
perder-me em doses fatais
tu vais ver só
o pé de vento que se vai levantar
comigo a rodopiar
Coça, coça a barriga
pantominas
Coça, coça a barriga
Patavinas
eu sou o "Coça Barriga"
coça, coça a barriga
vitaminas
coça, coça a barriga
nicotinas
Eu sou o "Coça Barriga"
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Daqui
desta Lisboa
(Música: Fausto; A. P. Braga)
(Letra: Alexandre O'Neill)
In: "atrás dos tempos vêm tempos", 1996
Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por Suíços habitada,
onde a tristeza vil, e apagada,
se disfarça de gente mais activa;
Daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;
Daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira da vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristôlho que se apaga;
Daqui, só paciência, amigos meus !
Peguem lá o soneto e vão com Deus...
07. Nov 00 by J-A © Portosom
EU
FUI VER O CAMPO
(Fausto)
EU FUI VÊR O CAMPO
GOSTEI DE LÁ ESTAR
A GENTE BALOIÇA, É PRÓPRIO DO CAMPO
OUVINDO CANTAR, O JOAQUIM DA LOIÇA
EU FUI VER O CAMPO
FICA MUITO BEM
AQUELE GIRASSOL
O CUCO A PERDIZ, O PIRILAMPO TAMBÉM
MAIS O CARACOL, QUE BELO MATIZ
FICA MUITO BEM
NÃO TEM HARMONIA
OS JIPES ARMADOS, ARAMES FARPADOS
GUARDAS DE VIGIA
MIL CÃES ACIRRADOS, EM CAMPOS LAVRADOS
NÃO TEM HARMONIA
A TERRA É LAVRADA
A CASA É CAIADA
GOSTAMOS DE A VER, MENINA PRENDADA
TÃO LINDA E CUIDADA
COMO ÉS TU MULHER, A TERRA É LAVRADA
A GOLPES DE ESPADA
NUNCA FOI TRAÇADA
GOSTAMOS DE A TER, JUNTINHA ABRAÇADA
AO VENTO BEIJADA
POIS ANTES MORRER A GOLPES DE ESPADA
O CAMPO TEM HOMENS
MULHERES E TRIGO
ARADOS TRACTORES, QUE LINDAS PAISAGENS
PARDAIS PAPA-FIGOS, PRA TANTOS AMORES
O CAMPO TEM HOMENS
TEM GENTE VALENTE
COMPADRES DE ENXADA
COM MUITA PERÍCIA, SE LANÇA A SEMENTE
E É DURA A JORNADA, PRA TANTO POLÍCIA
TEM GENTE VALENTE
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Eu tenho um fraquinho por ti
(Letra e música: Fausto)
Eu tenho um fraquinho por ti
tu não me dás atenção
tu não me passas cartão
quando me ponho a teu lado
tremo nervoso de agrado
e meto os pés pelas mãos
tu vais gozando um bocado
a beber vinho tostão
eu com o discurso engasgado
fico a um canto, que arrelia
de toda a cervejaria
onde vais rasgar a noite
se te olho com ternura
olhas-me do alto da burra
que mais parece um açoite
é um susto um arrepio
que me malha em ferro frio.
Eu tenho um fraquinho por ti
que me vai de lés a lés
tu dás-me sempre com os pés
quando me atiro enamorado
num estilo desajeitado
disfarço em bagaço e café
tu fumas o teu cruzado
e fazes troça, pois é,
já tenho o caldo entornado
esqueces-me da noite p´ro dia
em alegre companhia
de batidas e rodadas
tu ficas nas sete quintas
marimbas, estás-te nas tintas
p´ra que eu ande às três pancadas
basta um toque sedutor
eu cá sou um pinga-amor.
Eu tenho um fraquinho por ti
que me abrasa o coração
quase me arrasa a razão
a tua risada rasteira
põe-me de rastos, à beira
do enfarte da congestão
encharco-me em chá de cidreira
mofas de mim atiras-te ao chão
zombando à tua maneira
lá fazes a despedida
ao grupo que vai de saída
dos amigos da Trindade
mas no fim da noite, à noitinha,
tu ficas triste e sozinha
à procura de amizade
e como é costume teu
chamas o parvo que sou eu.
Afino uma voz de tenor
ensaio um ar duro de macho
quando estás na mó de baixo
quero ver-te arrependida
mas numa manobra atrevida
rufia, muito mansinha,
dás-me um beijo e uma turrinha
que me põe num molho num cacho
estremeço com pele de galinha
e gosto de ti trapaceira
da tua piada certeira
do teu aparte final
do teu jeito irreverente
do teu aspecto contente
do teu modo bestial
noutra palavra mais quente
eu tenho um fraquinho por ti.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Mariana
das sete saias
(Letra e música: Fausto)
Sete saias tem Mariana
e um emprego em Miraflores
viveu ontem de recados
mas hoje vive de amores
sete carros vão chegando
pelas tardes de Belém
com sete homens que a beijam
entre Sintra e o Cacém
não tenho amores
nem tenho amantes pois
quantos amados não sei
tenho alguns amadores
olha para mim
lá na terra onde morei
escutava
pela rádio o folhetim
sete saias tem Mariana
à noite no Parque Mayer
dança bolero em dó menor
ali num cantinho qualquer
«ai de mim» - diz Mariana
se um dia amor me faltar
ao almoço eu já não como
e como menos ao jantar
não tenho amores
nem tenho amantes pois
quantos amados não sei
tenho alguns amadores
e sustento dois
lá na terra onde morei
sem trabalho
que é da vida p´ra depois
sete saias tem Mariana
nesta roda de contraste
a tua vida serve bem
aqueles que nunca amaste
Mariana das sete saias
se sopra o vento suão
deixas de ser uma almofada
entre o mandado e o mandão
cai-te essa flor do cabelo
e amores do coração
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Namoro
(Música: Fausto)
(Letra: Viriato Cruz)
Mandei-lhe uma carta
em papel perfumado
e com letra bonita
dizia ela tinha
um sorriso luminoso
tão triste e gaiato
como o sol de Novembro
brincando de artista
nas acácias floridas
na fímbria do mar
Sua pele macia
era suma-uma
sua pele macias
cheirando a rosas
seus seios laranja
laranja do Loge
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não
Mandei-lhe um cartão
que o amigo maninho tipografou
"por ti sofre o meu coração"
num canto "sim"
noutro canto "não"
e ela o canto do "não"
dobrou
Mandei-lhe um recado
pela Zefa do sete
pedindo e rogando
de joelhos no chão
pela Sra do Cabo,
pela Sta Efigénia
me desse a ventura
do seu namoro
e ela disse que não
Mandei à Vó Xica,
quimbanda de fama
a areia da marca
que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço
bem forte e seguro
e dele nascesse
um amor como o meu
e o feitiço falhou
Andei barbado,
sujo e descalço
como um monangamba
procuraram por mim
não viu ai não viu ai
não viu Benjamim
e perdido me deram
no morro da Samba
Para me distrair
levaram-me ao baile
do Sr. Januário,
mas ela lá estava
num canto a rir,
contando o meu caso
às moças mais lindas
do bairro operário
Tocaram a rumba
e dancei com ela
e num passo maluco
voamos na sala
qual uma estrela
riscando o céu
e a malta gritou
"Aí Benjamim"
Olhei-a nos olhos
sorriu para mim
pedi-lhe um beijo
lá lá lá lá lá
lá lá lá lá lá
E ela disse que sim
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Não
canto porque sonho
(Música: Fausto; A. P. Braga)
(Letra: Eugénio de Andrade)
In: "atrás dos tempos vêm tempos", 1996
Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
teu sorriso puro,
a tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinho.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
ao vê-los nus e suados.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Não
sou o vosso rei
(Letra e música: Fausto)
In: "Por este rio acima"
Não sou o vosso rei
Nem o Tom Michel
Eu sou um português
Que limpa o cu ao papel
É uma loucura, é uma loucura
07. Nov 00 by J-A © Portosom
O
BARCO VAI DE SAÍDA
(Fausto)
O BARCO VAI DE SAÍDA
ADEUS Ó CAIS DE ALFAMA
SE AGORA VOU DE PARTIDA
LEVO-TE COMIGO Ó CANA VERDE
LEMBRA-TE DE MIM Ó MEU AMOR
LEMBRA-TE DE MIM NESTA AVENTURA
PRA LÁ DA LOUCURA
PRA LÁ DO EQUADOR
AH! MAS QUE INGRATA VENTURA BEM ME POSSO QUEIXAR
DA PÁTRIA A POUCA FARTURA
CHEIA DE MÁGOAS AI QUEBRA MAR
COM TANTOS PERIGOS AI MINHA VIDA
COM TANTOS MEDOS E SOBRESSALTOS
QUE EU JÁ VOU AOS SALTOS
QUE EU VOU DE FUGIDA
SEM CONTAR ESSA HISTÓRIA ESCONDIDA
POR SERVIR DE CRIADO A ESSA SENHORA
SERVIU-SE ELA TAMBÉM TÃO SEDUTORA
FOI PECADO
FOI PECADO
E FOI PECADO SIM SENHOR
QUE VIDA BOA ERA A DE LISBOA
GINGÃO DE RODA BATIDA
CORSÁRIO SEM CRUZADO
AO SOM DO BAILE MANDADO
EM TERRAS DE PIMENTA E MARAVILHA
COM SONHOS DE PRATA E FANTASIA
COM SONHOS DA COR DO ARCO-ÍRIS
DESVAIRAS SE OS VIRES
DESVAIRAS MAGIA
JÁ TENHO A VELA ENFUNADA
MARRANO SEM VERGONHA
JUDEU SEM COISA SEM FRONHA
VOU DE VIAGEM AI QUE LARGADA
SÓ VEJO CORES AI QUE ALEGRIA
SÓ VEJO PIRATAS E TESOUROS
SÃO PRATAS SÃO OUROS
SÃO NOITES SÃO DIAS
VOU NO ESPANTOSO TRONO DAS ÁGUAS
VOU NO TREMENDO ASSOPRO DOS VENTOS
VOU POR CIMA DOS MEUS PENSAMENTOS
ARREPIA
ARREPIA
E ARREPIA SIM SENHOR
QUE VIDA BOA ERA A DE LISBOA
O MAR DAS ÁGUAS ARDENDO
O DELÍRIO DOS CÉUS
A FÚRIA DO BARLAVENTO
ARREIA A VELA E VAI MARUJO AO LEME
VIRA O BARCO E CAI MARUJO AO MAR
VIRA O BARCO NA CURVA DA MORTE
OLHA A MINHA SORTE
OLHA O MEU AZAR
E DEPOIS DO BARCO VIRADO
GRANDES URROS E GRITOS
NA SALVAÇÃO DOS AFLITOS
ESFOLA
MATA
AGARRA
AI QUEM ME AJUDA
REZA
IMPLORA
ESCAPA
AI QUE PAGODE
REZA
TREMEM HERÓIS E EUNUCOS
SÃO MOUROS SÃO TURCOS
SÃO MOUROS ACODE
AQUILO É UMA TEMPESTADE MEDONHA
AQUILO VAI PRA LÁ DO QUE É ETERNO
AQUILO ERA O RETRATO DO INFERNO
VAI AO FUNDO
VAI AO FUNDO
E VAI AO FUNDO SIM SENHOR
QUE VIDA BOA ERA A DE LISBOA.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
O
homem e a burla
(Letra e música: Fausto)
In: "Fausto - o melhor dos melhores", 1994
Tira o laço de melaço,
que amordaça uma farsa,
e passo a passo
estica o braço no compasso de um abraço,
Oh pá !
Disseram-lhe que fosse
mas nunca que ficava
tosse, tosse ou coce, coce
O fosse é uma foice mas ficava é uma fava.
Éh !
É um forno, que transtorno,
a nuvem vermelha da outra banda
mas p'ra quem manda.
Só não para quem vai no passo de quem anda.
Bum !
Tanto acena que faz pena
e tem certo toque de escroque.
Troque, troque
Toda burla é uma gula
e a toca é muito foca.
Talvez um dia a engula !
07. Nov 00 by J-A © Portosom
O
mar
(Letra e música: Fausto)
In: "Crónicas da terra ardente"
E todo o mar se cobriu de infinitas riquezas
de anil e sedas e jóias e de odoríferas drogas
de si deitava nas praias moscatéis e licores
adoçando de sua bravura
o mar
nas margens adamascadas andam náufragos dispersos
mariscando lagostas ostras choupas taínhas
e bebem vinhos distintos de singulares aromas
se anda ao longo da costa em ofertas
o mar
E entregou Leonor
seus cabelos aos ventos
na quietude tão só
tão ausente de tudo
e mais quieta era a luz
no sossego das águas
e uma música escorre dos céus
devagar
E fazem tendas de aduelas de alcatifas majestosas
de outras peças de ouro e prata de cambraias e cetins
cobertas de colchas vermelhas de rosários de cristal
mas mais garrido do que toda aquela praia
o mar
e fazem velas das camisas e outras de damasco verde
as amarras de outros panos de veludo carmesim
de um remo fizeram o mastro
e a enxárcia de uma linha
e tão docemente embala este batel
o mar
Se todo o mar se cobriu de infinitas riquezas
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Oh
pastor que choras
(Música: Fausto)
(Letra: José Gomes Ferreira)
In: "Todo este céu", 1997
Oh pastor que choras
o teu rebanho onde está?
Deita as mágoas fora,
carneiros é o que mais há
uns de finos modos
outros vis por desprazer...
Mas carneiros todos
com carne de obedecer.
Quem te pôs na orelha
essas cerejas, pastor?
São de cor vermelha,
vai pintá-las de outra cor.
Vai pintar os frutos,
as amoras, os rosais...
Vai pintar de luto,
as papoilas dos trigais.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
P'ró que der e vier
(Letra e música: Fausto)
Tenho a cabeça espetada
entre a noite e a madrugada.
Tenho um braço deitado
entre o perfeito e o enjeitado.
E um canhão apontado
para qualquer lado enfeudado.
Venha lá quem quiser
estou p´ró que der e vier.
De manhã mal acordado,
de noite pouco ensonado.
Para a aventura que teço
encontro os dias do avesso.
Na terra do perder Deus é dinheiro
Diabo é não o ter.
Seja homem ou mulher
estou p´ró que der e vier.
Dia a dia num aperto
que mais parece um deserto.
No descalabro do medo
mal se levanta um dedo.
Aconteça o que acontecer
não temos nada a perder,
dê no que vier a dar
assim não podemos ficar.
Hei-de ser a barricada,
arma, fogo, despedida.
Hei-de ser ferro forjado,
dia e noite amor calado.
Hei-de ser punho cerrado
e ternura docemente
e haja lá o que houver
estou p´ró que der e vier.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Por
este rio acima
(Letra e música: Fausto
In: "Por este rio acima", 1982
Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho
Flutuando nas águas
Dos rios dos céus
Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas
leve como o ar
A terra a navegar
Meu bem como eu vou
Por este rio acima
Por este rio acima
Os barcos vão pintados
De muitas pinturas
Descrevem varandas
E os cabelos de Inês
Desenham memórias
Ao longo da água
Bosques enfeitiçados
Soutos laranjeiras
Campinas de trigo
Amores repartidos
Afagam as dores
Quando são sentidos
Monstros adormecidos
Na esfera do fogo
Como nasce a paz
Por este rio acima
Meu sonho
Quanto eu te quero
Eu nem sei
Eu nem sei
Fica um bocadinho mais
Que eu também
Que eu também
meu bem
Por este rio acima
isto que é de uns
Também é de outros
Não é mais nem menos
Nascidos foram todos
Do suor da fêmea
Do calor do macho
Aquilo que uns tratam
Não hão-de tratar
Outros de outra coisa
Pois o que vende o fresco
Não vende o salgado
Nem também o seco
Na terra em harmonia
Perfeita e suave
das margens do rio
Por este rio acima
Meu sonho
Quanto eu te quero
Eu nem sei
Eu nem sei
Fica um bocadinho mais
Que eu também
Que eu também
meu bem
Por este rio acima
Deixando para trás
A côncava funda
Da casa do fumo
Cheguei perto do sonho
Flutuando nas águas
Dos rios dos céus
Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas
leve como o ar
A terra a navegar
Meu bem como eu vou
Por este rio acima
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Porque
não me vês
(Letra e música: Fausto)
In: "Por este rio acima"
Meu amor adeus
Tem cuidado
Se a dor é um espinho
Que espeta sozinho
Do outro lado
Meu bem desvairado
Tão aflito
Se a dor é um dó
Que desfaz o nó
E desata um grito
Um mau olhado
Um mal pecado
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno
É um abandono
Porque não me vês
Maresia
Se a dor é um ciúme
Que espalha um perfume
Que me agonia
Vem me ver amor
De mansinho
Se a dor é um mar
Louco a transbordar
Noutro caminho
Quase a espraiar
Quase a afundar
E a saudade é uma espera
É uma aflição
Se é Primavera
É um fim de Outono
Um tempo morno
É quase Verão
Em pleno Inverno
É um abandono
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Rosie
(Música: Fausto)
(Letra: Reinaldo Ferreira)
In: "Atrás dos tempos vêm tempos", 1996
Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Se tu fores ver o mar
(Rosalinda)
(Letra e música: Fausto)
Rosalinda
se tu fores à praia
se tu fores ver o mar
cuidado não te descaia
o teu pé de catraia
em óleo sujo à beira-mar
a branca areia de ontem
está cheiinha de alcatrão
as dunas de vento batidas
são de plástico e carvão
e cheiram mal como avenidas
vieram para aqui fugidas
a lama a putrefacção
as aves já voam feridas
e outras caem ao chão
Mas na verdade Rosalinda
nas fábricas que ali vês
o operário respira ainda
envenenado a desmaiar
o que mais há desta aridez
pois os que mandam no mundo
só vivem querendo ganhar
mesmo matando aquele
que morrendo vive a trabalhar
tem cuidado...
Rosalinda
se tu fores à praia
se tu fores ver o mar
cuidado não te descaia
o teu pé de catraia
em óleo sujo à beira-mar
Em Ferrel lá p´ra Peniche
vão fazer uma central
que para alguns é nuclear
mas para muitos é mortal
os peixes hão-de vir à mão
um doente outro sem vida
não tem vida o pescador
morre o sável e o salmão
isto é civilização
assim falou um senhor
tem cuidado
07. Nov 00 by J-A © Portosom
Uma
cantiga de desemprego
(Letra e música: Fausto)
Fumo um cigarro deitado
no mês de Janeiro
fecho a cortina da vida
espreguiço em Fevereiro
e procuro trabalho
nesta esperança de Março
já me farta de tanto Abril
e aquilo que não faço
espreito por um funil
a promessa de Maio
porque esperar prometido
nessa eu já não caio
queimo os dias de Junho
no sol quente de Julho
esfrego as mãos de contente
num sorriso de entulho
para teu grande desgosto
janto contigo em silêncio
e lentamente esquecido
digo-te adeus em Agosto
meu Setembro perdido
numa esquina que eu roço
e penso em Outubro
o menos que posso
mas quando sinto a verdade
daquilo que cansa
nunca houve vontade
do tempo de andança
sinto força em Novembro
juro luta em Dezembro
07. Nov 00 by J-A © Portosom
07. Nov 00 by