Alexandre Gomes
"O divórcio entre ciência e sabedoria, rntre o domínio dos meios e a reflexão
sobre os fins, nos ameaça de morte" (Roger Garaudy, Apelo aos Vivos)
Nenhuma ditadura é tão preocupante quanto aquela que consegue estabelecer seus grilhões
sem que se sinta o peso deles. O domínio sutil é mais preocupante que a opressão
evidente porque, ao não nos darmos conta da sua existência, não somos capazes de lutar
contra ele.
Mesmo a mais forte e cruel das ditaduras, mesmo a que tenha um melhor aparato repressivo e
a mais eficiente doutrinação ideológica, pode cair. Podem se passar anos e décadas,
mas ela chegará afinal a um ponto no qual seu poder se tornará insuportável e então
ela ruirá. Ao menos a longa história de atrocidades que a humanidade viveu jamais foi
capaz de nos apresentar um exemplo contrário.
Neste aspecto o futuro parece promissor porque o desenvolvimento científico e
tecnológico já se demonstrou uma variável fundamental para o poder e já se demonstrou
que é impossível maximizar este desenvolvimento em um ambiente repressivo. A livre
circulação de idéias é um elemento fundamental para o progresso científico e portanto
toda ditadura, mais cedo ou mais tarde, torna-se obsoleta.
Tentou-se durante muito tempo quebrar esta interdependência de progresso do conhecimento
e liberdade, mas felizmente não se obteve senão resultados temporários. Por décadas
tentou-se criar uma mentalidade de "ciência pela ciência" e de "arte pela
arte", segundo a qual não havia ligação entre o cientista que cria a bomba
atômica e os milhares de mortos que ela provoca, mas jamais se conseguiu um resultado
efetivo nesta separação artificial entre causa e efeito.
Mais recentemente tem se tentando substituir uma ética do trabalho científico pelo
único valor moral admitido pela sociedade atual: o lucro. Pelas novas regras tudo seria
válido se houvesse um retribuição material à altura. O cientista, transformado em
operário do saber, estaria alienado da reflexão sobre o uso que se faria de seu
conhecimento aplicado.
Ainda que se tenha produzido muitos destes cientistas-operários, a alienação
dificilmente será a regra geral em qualquer meio relacionado ao intelecto. Nem mesmo rios
de dinheiro e o incensamento da mídia - que sempre tem bom faro para descobrir aonde há
dinheiro - serão capazes de lobotomizar os cientistas a ponto de matar neles qualquer
reflexão sobre o que se faz com o conhecimento que ele produz.
Há, porém, um risco que não pode ser subestimado, ainda mais em uma época que faz do
humanismo um relíquia do passado a ser guardada em museus e da ética uma vaga
superstição. Este risco é o da dominação sutil que controle as individualidades
através de mecanismo incapazes de serem percebidos, que crie escravos capazes de jurar
que são homens livres.