Alexandre Gomes
É uma premissa básica em todo discurso moderno que hoje se vive no mundo da
informação. Um universo no qual jamais houve tanta informação disponível ao homem e
do qual a Internet e suas facilidades são o mais visível e citado ícone. Na outra ponta
alguns argumentam que todo este acervo de informações só serve para aumentar ainda mais
a distância ("o fosso" no chavão que se criou para expor esta visão) entre
ricos e pobres, entre os que detém este conhecimento e os que não tem acesso a eles.
As duas visões tem seus partidários e detratores e é fácil armazenar argumentos tanto
em função de um como do outro destes argumentos. Porém, de uma forma mais profunda
parece que ambos estão errados. Em primeiro lugar, a posse da informação deveria ser
medida não em função do acesso a ele, mas do seu uso. Uso este definido não apenas de
uma forma instrumental, mas em um sentido mais nobre de capacidade de absorver aquele
conhecimento, interligá-lo com outros na mente e aplicá-lo na própria vida para, por
fim, produzir algum conhecimento de tipo novo.
Confunde-se este sentido pleno da informação - quase ouso dizer o seu valor de uso - com
a simples aquisição do acesso ou posse das informações - por analogia seu valor de
troca. O que se faz, então, é apenas consumir informação como se consome qualquer
outra mercadoria, ela não é absorvida, aplicada, não modifica nem nossas vidas nem
nosso conhecimento, apenas é adquirida.
Quando muito é usada, como os títulos acadêmicos, como um sinal de status, simulacro de
uma autoridade que se pretende ter. Mas é evidente que a cultura de uma pessoa não se
mede pela quantidade de livros que ela leu - e muito menos pelos belos livros que ela tem
enfeitando a estante, porque na Era da Informação os livros voltaram a ser um elemento
da decoração de interiores.
Esta cultura só pode ser medida pelo efeito que estes livros tiveram sobre o pensamento
de quem os leu. Não faltam por aí ávidos consumidores de livros que lêem as mais
importantes obras do pensamento humano sem que isto lhes gere um único pensamento novo.
É esta interação que dá o verdadeiro sentido ao acesso à informação, não a sua
posse enquanto mercadoria.
A inexistência de uma elite cultural parece ser a suprema marca destes novos tempos,
regidos pela exportação dos modelos sociais norte-americanos. Sem uma elite capaz de
absorver e digerir toda a informação disponível com um certo grau de erudição
estanca-se o processo de produção de informação em seu sentido pleno.
Os demais - operários e white-collars do processo de produção da
informação-mercadoria - incapazes de compreender a distinção entre os dois tipos de
informação - alienados que estão pela escala industrial da mercantilização do mundo -
apenas passam a frente, como se fosse informação, aquilo que é apenas mercadoria a ser
consumida.
O efeito disto é claro até mesmo em pretensos meios de elite como os segmentos
acadêmicos. Criam-se teorias descartáveis como lenços de papel, destinadas a durar
apenas umas poucas estações e serem em seguida substituídas por outras em um processo
que não raro destrói ou atraso a produção de conhecimento verdadeiro. Cria-se o
fetiche de que basta ser novo para ser bom, assim a teoria nova é automaticamente melhor
que a anterior não porque seus modelos explicativos são mais eficientes, mas apenas
porque estão na moda.
A cultura do estado-da-arte que domina a Academia é o culto da superficialidade e das
modas passageiras. Evidente que com esta sucessão de teorias - algumas válidos avanços
do conhecimento, outro meras abstrações oportunistas - alimenta as engrenagens da
informação-mercadoria, torna obsoletos rapidamente os livros adquiridos e com isto
fomenta a produção e circulação desta mercadoria.
Nunca se consumiu tantos livros no mundo como hoje, mas a essência deste dado mostra o
quanto esta estatística é ilusória já que muitos destes livros que são consumidos
não o são - como eram antes - pela busca insaciável do conhecimento, mas apenas pelo
consumismo exacerbado das modas teóricas.
Mas há outro aspecto deste processo todo que também combate as visões excessivamente
pessimistas. Feitos em maior escala, como mercadorias, os livros acabam por tornar-se mais
acessíveis, a imensa estrutura criada para disseminar a informação-mercadoria acaba por
transmitir também a informação-de-verdade. Isto proque a distinçõa entre uma e outra
não está em seu conteúdo propriamente dito, mas na visão que o receptor tem dela e o
uso que ele irá fazer.
Com isto acaba-se por dar condições de formaçõa - ou reconstrução - de uma elite
cultural que - talvez pela primeira vez na história - não precisará obrigatoriamente
ser uma elite também econômica e política. Certamente é uma visão que muitos
considerarão demasiado otimista e outros elitista, mas os mesmos meios que banalizam a
informação no esforço de desprovê-la de qualquer outro valor senòa o de mercadoria,
acabam também por disseminar meios de acesso a ests informações por uma aristocracia do
espírito que de outra forma precisaria de imensos recursos para obter este acesso.
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