"A ciência é o conjunto dos métodos matemáticos e experimentais que permitem ao
homem prodigioso domínio sobre a natureza. O Cientificismo é o conjunto das
superstições que pretendem explorar o legítimo prestígio desses métodos para por meio
deles explicar, ou negar, todas as outras dimensões da vida" (Garaudy, Apelo aos
Vivos)
A mentalidade ocidental é densamente povoada de preceitos derivados de uma Síndrome de
Prometeu, em especial quando se trata de analisar as relações entre ciência e religião
- talvez o mais popular falso debate da história da humanidade. Tal como Prometeu, o
cientista é visto como o personagem que rouba o conhecimento dos deuses para dar aos
homens e com isto melhorar a vida deles.
A mais popular faceta deste Evangelho segundo Prometeu é a noção que o avanço das
ciências aos poucos vai conseguindo explicar o universo e roubando terreno às
explicações religiosas. O eixo central desta crença é a de que as religiões servem
apenas como uma explicação "precária" do mundo, para tentar explicar aquilo
que o homem ainda não é capaz de entender.
No limite esta "teoria prometeica" largamente difundida no senso comum leva a
religião a desaparecer no dia que o homem "compreender" tudo ou no máximo a um
distante e permanente exílio nalgum limite extremo do universo tão inalcançavel como a
Santa Helena de Napoleão.
Há ainda outro sentimento a confundir este Evangelho Prometeico que tentam nos vender
como ciência - portanto verdade absoluta e incontestável (quase arrisco a escrever
dogma) - que é o da "revanche" contra a religião. De um lado associando os
ideais religiosos aos desvios de sua prática - em especial a Inquisição - vêem em
Galileu a personificação material do titã acorrentado diariamente atormentado por um
abutre que lhe rói o fígado.
Como todas as crenças religiosas fundamentalistas, o cientificismo precisa então clamar
pela vindicação de seu mártir e vingar-se nas fés que pouco ou nada tem a ver com o
episódio de Galileu e manos ainda com a de Prometeu, figura mítica com a qual o
cientista-sacerdote tenta se identificar. Ao mesmo tempo, numa analogia eficiente porque
óbvia, tentam recriar a velha imagem de um reino de luz - comandado por eles - frente a
um reino de trevas comandados pelos adversários.
Falta uma definição precisa do que seja religião, mas praticamente todas elas circulam
em torno de um conceito que determina o que é sagrado e o que é profano. Por estas
conceituações este cientificismo seria perfeitamente uma religião, tanto por uma
distinção óbvia que restringe o sagrado ao nada, ao muito pouco ou ao irrelevante, como
por uma distinção sacro-profano mais sutil no qual o sagrado é o conhecimento
pretensamente científico e o profano são as crenças religiosas.
Nas palavras de Garaudy: "o cientificismo é a crença de que tudo quanto não é
redutível, sem resíduo, ao conceito, à medida e à lógica carece de realidade".
De forma sutil, mas difícil de questionar, está aí uma definição de sagrado e profano
tão diferente quanto similar à das outras religiões.
Embora haja muita coisa de questionável nas afirmações de Garaudy, ele parece estar
certo ao afirmar que este cientificismo tem ele sim a função de "ópio do
povo" já que aliena as dimensões subjetivas do homem de seu "mundo real".
Ainda mais séria é a consequência extrema desta alienação que é a eliminação da
reflexão sobre os fins, que é impossível de ser concebida dentro dos marcos do assim
chamado "pensamento científico".
Talvez só isto falte para que a caracterização do cientificismo como religião seja
completo, mas isto Não significa que esta reflexão sobre as finalidades não exista, ou
mesmo que a negação da busca de finalidades não seja ela própria uma "teoria das
finalidades".
Para quem faz a bomba atômica a despreocupação com as finalidades deixa o cientista de
consciência livre para cometer barbaridades, tal como a crença na falta de um caráter
verdadeiramente humano nos infiéis permitia que cruzados e muçulmanos se matassem sem
sentir que faziam algo de errado e contra os princípios das duas fés.