O sentido por trás das narrativas
Para entender as narrações bíblicas da história da criação, vamos analisar certos detalhes:
1. Em Gen. 2,19 (história
da costela).
Esta narrativa tem o objetivo de dizer que o homem e a mulher são
seres da mesma natureza. Era uma afirmação ousada para a
cultura da época. O cristianismo trouxe esta verdade com sua doutrina.
A mulher era tida, nas culturas daquele tempo, como um ser intermediário
entre o homem e o animal. O cristianismo atribui-lhe o mesmo status do
homem.
2. Em Gen. l,14 (criação
dos astros).
Os astros eram divinizados por muitos povos antigos. O hagiógrafo
quer dizer, com a narativa da criação dos astros, que eles
são apenas criaturas de Deus, não são deuses. Tanto
que os chama de faróis, embora já soubesse os seus nomes.
Deus os colocou lá no alto para separar a noite do dia e para fazer
o calendário.
3. Em 1,26 (criação
do homem).
Neste ponto, a narrativa bíblica muda a flexão do verto e
fala na primeira pessoa do plural: Façamos o homem... ‘Imagem
e semelhança’: A relação que os antigos faziam
entre a 'imagem' e a própria pessoa era tão viva que era
tida como se fosse a pessoa mesma. Dizer que o homem é imagem de
Deus é o mesmo que dizer que o homem é a representação
de Deus no mundo. A semelhança, para dizer que não
é a mesma coisa, não é outro Deus. De que modo o homem
representa Deus no mundo? Em seu 'espirito'.
É o que distingue o homem do restante do universo: as faculdades
intelectuais, o estar acima da criação para conduzi-la, como
se fosse Deus.
4. 'Cultivai a terra'...
Aqui está inserido o conceito de trabalho. O trabalho já
existia antes do pecado do homem. Foi o primeiro preceito que Deus mandou
ao homem. Antes mesmo de mandar oferecer sacrifícios, mandou trabalhar.
O que o pecado trouxe foi a penosidade do trabalho, o 'suor' do rosto,
o esforço corporal para a sua realização.
5. 'Adão' é
nome comum coletivo.
O nome 'Adão' é mais do que o designativo de um ser singular.
Significa um homem ou a humanidade. Assim também Eva tem um sentido
coletivo. A distinção de sexo não é uma diferença
apenas biológica, necessária para a reprodução
da espécie humana, mas também uma distinção
ética: corresponde ao relacionamento que deve haver entre ambos.
6. Inimizade entre homens e animais também não houve desde o inicio, mas com o pecado.
7. A árvore da vida
é o aproveitamento de um elemento mitológico e é símbolo
da imortalidade.
A história da árvore do bem e do mal é para fazer
notar que todo o mal deriva do pecado, mas que apesar do pecado, o destino
final do homem é a imortalidade. Por que a serpente neste contexto?
Ela era conhecida como o animal mais astuto da natureza. Por isso, ela
foi usada pelo autor para personificar o mal. A segunda finalidade desta
referência é apologética, porque era a serpente adorada
como deus por algumas nações contemporâneas deles.
O autor insiste em que ela é apenas criatura.
8. "Estavam nus e não se
envergonhavam"
Esta referência significa a harmonia do paraíso. Concretamente,
nunca aconteceu um paraíso do modo como está na Bíblia.
Observa-se que, sempre na natureza, as coisas acontecem numa evolução
de perfeição, ou seja, do menos perfeito para o mais perfeito.
Não houve este estado inicial de total equilíbrio para depois
haver a desarmonia. O paraíso é mais que uma 'saudade',
é uma 'esperança'.
9. O fruto do bem e do mal nada
tem a ver com a maçã.
Esta associação com a maçã tem origens culturais
bem antigas, mas não é bíblica. Também não
é apenas o conhecimento do bem e do mal que importa. "Conhecer"
para os hebreus tinha um sentido bem mais profundo e íntimo. Não
é o mero saber intelectual, mas o fato de ser árbitro entre
o bem e o mal, de poder decidir entre o bem e o mal. Isto não aconteceu
apenas naquela ocasião, mas acontece cada vez que o homem comete
um pecado. Quer dizer, o pecado acontece porque o homem inverte os valores
e quer julgar por si próprio ou segundo o seu parecer o que é
bem e o que é mal. Só Deus tem este poder. Querendo se sobrepor
a Deus, o homem erra, e então acontece aquela desordem.
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