O Forum “Social” Mundial
A fins
de Janeiro deste ano celebrou-se em Nairobi (Kénia) o VII Forum Social Mundial.
O FSM hoje já resulta conhecido como o maior referente “altermundialista” -“por
umha globalizaçom alternativa”-, graças à atençom mediática que o capital
lhe tem prestado. É logo um bom momento para recuperar a memória dos seus
inícios (fins de 2000, começos de 2001) em Porto Alegre, onde tiveram lugar as
três primeiras ediçons e mais a quinta. Faremo-lo através dumha série de textos
de companheir@s brasileiros, quem por essas datas se agrupavam em vários
colectivos autónomos* e na Rede Anticapitalista de Belo
Horizonte. Compartimos em linhas gerais a sua análise e denúncia de entom,
a que lhes motivava a rejeitar participar neste foro, explicando mui bem quais
interesses representa este organismo desde as suas origes.
INDICE DOS TEXTOS
Não
iremos ao Forum "Social" Mundial! E não estamos sós! (2001)
Comunicado
de Comunidade Piracema (2001)
Mais
do mesmo... Novamente afirmamos:
Não
vamos ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre!!! (2002)
Considerações
extemporâneas sobre a nossa não-ida ao FSM (2002)
Seremos
diretos: SOMOS CONTRA O F$B!!!
(2003)
FSM 2001
Não
iremos ao Forum "Social" Mundial! E não estamos sós!
Companheir@s,
Nós
não iremos ao autoproclamado Forum Social Mundial. Em nosso coletivo, há um
"consenso" de que tal Forum é a tentiva dos setores da esquerda
tradicional, a velha esquerda estatista e burocrática, de apropriar-se da luta
contra a "globalização" capitalista numa perspectiva nacional -
desenvolvmentista. É a esquerda que quer o capitalismo "humanizado";
que quer "socializar" a mercadoria; que quer governar o Estado. Não é
à toa que se realizará em Porto Alegre, escolhida, aliás, como capital
permanente do evento: é o laboratório dos governos da esquerda oficial em nosso
país, com o PT à frente.
O
Forum é uma articulação que vai desde a Conferência dos Bispos Católicos
(CNBB), passando pela degradada CUT, os partidos da esquerda institucional, o
MST, até organizações empresariais.
A
estrutura do Forum é hierárquico, verticalizado, como sói de ser esses eventos
da esquerda burocrática. Palestrantes/conferencistas, de um lado, e, de outro,
público espectador. Não tem nada a ver com as nossas experiências horizontais,
democráticas, autônomas, organizadas desde baixo, como no N30, M1, S26 e assim
por diante. Aliás, é preciso que se diga: nenhum dos grupos que estão
organizando o FSM participou de nenhum dos dias de ação global contra o
capitalismo!!!! Eles não se sentiriam bem: o que eles sabem fazer são os velhos
congressos de "representantes" que não representam ninguém,
manifestações que mais parecem "showmícios", campanhas eleitorais
mais estetizadas do que as dos partidos tradicionais da burguesia...
O
que eles querem com esse Forum?
1. Apropriar-se de uma luta da qual não participam: os dias de ação global
conta o capitalismo;
2. Absorver a crítica anticapitalista numa elaboração de um projeto de
administração capitalista, cujo centro a ilusão de uma política de
"desenvolvimento nacional";
3. Catapultar-se eleitoralmente como alternativa de governo.
Nós
não vamos ao Forum Social Mundial. Nem nós, nem a grande maioria (se não a
totalidade) dos grupos que vêm participando das lutas em nosso país contra a
farsa dos 500 anos, das ações globais, que rejeitaram a burocratização e a
partidarização do II Encontro Americano pela Humanidade e contra o
Neoliberalismo...
Coletivo
Contra-a-corrente
6 de
Dezembro de 2000
Compas, camaradas,
Disseminou-se a partir de Fortaleza a mensagem lançada pelo Coletivo
Contra-a-corrente: um inequívoco posicionamento sobre o Fórum Social Mundial,
ao qual também não iremos.
A direita e a esquerda do capital, no mesmo período, nas mesmas datas —
de 25 a 30 de janeiro de 2001 —, reunirão suas cúpulas, em Davos (Suíça) e em
Porto Alegre (Brasil). Respectivamente, em Davos, a cúpula de direita do
Império; em Porto Alegre, a cúpula de esquerda do capital (os socialistas
legalistas de todos os matizes). Em Davos, o Fórum Econômico Mundial (FEM); em
Porto Alegre, o autoproclamado Fórum Social Mundial (FSM).
A reunião de Davos, por tudo que expressa de cinismo e hipocrisia, por
tudo que tentará decidir e manter inconfessável, será alvo da fúria da
sabotagem, será contestada local e mundialmente. Não se medirão esforços para a
sabotagem da reunião de Davos.
Um robusto aprendizado nas lutas vem sendo bem exercitado e será sentido
também em Davos: de Chiapas a Bolonha, de Genebra a Karnataka, de Birminghan a
Genebra, de Londres a Colônia, de Seattle aos levantes do Equador, de
Washington a Praga, de Buenos Aires a Cochabamba, de Rosário à Colômbia, do
Brasil à Nice. Enquanto as cúpulas, cada uma em seu circo, promovem em seus
encontros, nós, ingovernáveis dessa terra, faremos avançar mais e mais a
composição de classe na mobilização irrefreável das autonomias, do poder da
insubordinação: horizontalmente, sem delegações ou representações, cada uma e
cada um, todas e todos, sem centralismos, em todos os lugares....insones,
incansáveis, na inteligência da cooperação, como poder constituinte
incancelável, como antagonismo difuso: sem estado, sem partidos, sem patrões.
Diferente da reunião da direita do capital e sua publicidade seletiva de
inconfessáveis razões totalitárias, a reunião da esquerda do capital está
cercada de muita publicidade e com certeza atrairá honestos mas desavisados
lutadores, ativistas, militantes da luta concreta, ativ@s e inquiet@s
camaradas, assim como em 1999, em dezembro, fomos atraídos para o II Encontro
pela Humanidade contra o Neoliberalismo, em Belém do Pará. Naquela ocasião,
tudo fazia-nos crer que participaríamos de um encontro de lutadores para a
troca de experiências de luta; tudo fazia-nos crer que seria um encontro em tom
zapatista. Não passou de uma tentativa de manipulação realizada por uma
tendência interna do maior partido da esquerda do capital no Brasil, o Partido
dos Trabalhadores. A “Força Socialista” tentou amesquinhar um encontro
continental reduzindo-o a um encontro para a autopromoção de sua administração
municipal e seu “modo petista de governar”.
Aqueles e aquelas que foram para se conhecer e que agora lutam junt@s,
rebelaram-se, forjaram um espaço liberado e subverteram um encontro que desde
então traz o gosto amargo de um triste aprendizado comum e planetário: o único
partido admissível é a própria classe em movimento. O único partido que pode
existir é a dinâmica de composição e recomposição de classe do proletariado em
toda a sua diversidade, pluralidade, multidimensionalidade e singularidades, em
toda a sua autonomia de classe e experiências autonomistas no antagonismo
difuso da luta de classes. O único partido é a auto-organização de classe nas
lutas, como subjetivação revolucionária e como sujeito composto de infinitos
sujeitos singulares, necessariamente cooperativo e inteligente (a inteligência
da cooperação), como poder ativo de insubordinação.
Muito do que aprendemos em Belém pode ser lido no balanço do II
Encontro, que realizamos ainda como Comitê Santa Maria pela Humanidade contra o
Neoliberalismo, texto que pode ser encontrado na página
www.ucm.es/info/eurotheo/papeles.htm. Torna-se importante que esse balanço seja
lido e que uma densa reflexão seja feita. Estamos abertos à polêmica e à
discussão sobre tal material.
Agora, com o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, muita coisa se
recoloca para nós: os primeiros documentos divulgando o fórum já denunciavam em
seus interstícios o que também para a cúpula da esquerda do capital precisa ser
mantido inconfessável, insuspeito, oculto: a esquerda do capital precisa
legitimar-se, precisa capitalizar —e essa é a palavra mais adequada— o saldo
das lutas que não travaram. Capitalizar e apropriar-se, acumular capital
“político” para seu projeto de alternativa institucional. Acumular o capital da
hegemonia, para usar suas próprias palavras. Sendo toda e qualquer hegemonia
sempre dominação, posição e reposição da clássica separação entre quem manda e
quem obedece, quem pensa e quem faz, da sociedade política e da sociedade
civil, do público e do privado, em uma palavra, o modo burguês de organizar a
vida das pessoas enquanto tuteladas. Ao dizer que a partir de sua realização,
só então entraremos numa nova fase da luta internacional, os documentos
confessam toda a arrogância que toda a proposta hegemonista traz em si: uma
referência retórica à Batalha de Seattle, a lista dos convidados para serem as
estrelas do espetáculo, etc. Tudo denuncia: minimizar a luta concreta e por-se
como o demiurgo do que só então passa a ter sentido e relevância porque
receberá o toque de Midas que fará do profano algo sagrado; do vil-metal, ouro
puro.
Nos documentos relativos ao FSM, nada há sobre a Ação Global dos Povos,
e quando os últimos embates aparecem como evidência inequívoca são sempre
caracterizados como expressões do espontaneísmo e da imaturidade dos
movimentos, “carentes” que estão de supostas lideranças (adivinhem quem?!?)
ou então de pretenso programa (adivinhem qual?!?).
Eis a pretensão do fórum, dar conteúdo e programa àquilo que é vazio de
proposições. Assim, serão feitos esforços no sentido de responder às
debilidades do sistema capitalista, na tentativa de achar saídas “responsáveis”
e “conseqüentes” aos desequilíbrios causados pela irracionalidade do sistema.
Contestações antagonistas surgem a cada momento, mobilizamo-nos para
desestabilizar o sistema e seus regimes e, enquanto isso, a esquerda do capital
sugere que ser responsável é comprometer-se com a governabilidade do Império e
com a sustentabilidade de seu desenvolvimento inconfessavelmente terrorista,
totalitário e exterminador.
Aos ventos contestatórios de Fortaleza esboçamos o carinho de nosso
acolhimento.
Nós também não iremos ao Fórum “Social” Mundial!!!
Comunidade
Piracema
20 de
dezembro de 2000
FSM 2002
Mais
do mesmo... Novamente afirmamos:
Não
vamos ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre!!!
Aqui estamos, mais uma vez, ajudando a semear
em palavras/atos o desejo e o esforço prático de que nossa resistência
cotidiana não seja despotencializada e capturada pelas armadilhas do sistema
único do mercado e do Estado, hoje personificado e materializado pelo poder
quase absoluto das corporações transnacionais e por seus instrumentos
decisórios e executivos em escala mundial.
Este esforço que ora empreendemos pretende
dar prosseguimento ao que foi expresso em uma nota anterior, elaborada
conjuntamente, em janeiro/fevereiro de 2001, pelo Coletivo Acrático Proposta,
Coletivo contra a corrente e Comunidade Piracema. No interior
daquela nota eram indicados os motivos pelos quais esses coletivos não foram ao
Fórum Social Mundial de Porto Alegre, realizado - sob os aplausos dos
capitalistas e sob as luzes de sua mídia -em janeiro de 2001. Muito mais do que
uma continuidade do anterior, este manifesto é resultante da crítica prática
elaborada desde há algum tempo e que, a partir do antagonismo cotidiano ao
sistema capitalista, luta contra as suas leis de mercado, contra a
representação e a passividade.
Se nesse momento novamente nos manifestamos
pela não ida ao espetáculo de Porto Alegre, versão 2002, é também porque a
trajetória histórica de nossas lutas - as lutas d@s de baixo - demonstra que a
participação em e a legitimação dos espaços construídos pelo inimigo em nosso
meio, só podem servir para desviar nossas melhores energias e preparar derrotas
traumáticas e sistemáticas.
Pois bem... Não fomos e não vamos ao FSM. E
não tememos os rótulos que possam advir dessa atitude. Afinal, sabemos que a
esquerda do capital, obediente e discípula dos valores do mercado e do Estado,
aprendeu a separar, dedurar e classificar ao gosto de suas ideologias quem, nos
movimentos sociais, não reza em suas cartilhas. Mas já levamos porrada demais
e, felizmente, aprendemos que se misturar com o inimigo é como semear trigo em
meio ao joio, ou seja, é condenar o trigo à asfixia.
FSM
2002 - A re-edição do espaço concedido das cúpulas, da recaptura e do falso
diálogo
Mais uma vez, milhares de todos os
continentes acorrerão ao FSM: governos de esquerda, entidades clericais, ONGs,
intelectuais, catedráticos, estudantes, grupelhos ideológicos detentores de toda
verdade ou de humildes meias-verdades, políticos profissionais, sindicalistas,
ou seja, representantes e especialistas de toda espécie; igualmente, gente
desavisada e curiosa, muitos turistas e até mesmo indivíduos e coletivos
revolucionários, organizados ou desorganizados, alguns honestos e de boas
intenções. De fato, o arco-íris perde feio para a infinidade de cores que vai
se estabelecer em Porto Alegre, em fins de janeiro e início de fevereiro de
2002. Perde feio exatamente ali onde a diversidade de cores do arco-íris é uma
diversidade real, ao passo que o falso arco-íris do FSM é o inútil arremedo da
diversidade que o mercado e os estados conseguem produzir quando para isso se
esforçam.
Mas até já podemos antever os resultados
desse espetáculo: a promessa de lutar contra e em prol de muitas coisas. Lutar
contra o domínio do capital especulativo sobre o produtivo, contra o modelo
econômico excludente (mas nunca contra o próprio capital e seus estados);
reivindicar por mais verbas sociais, pela taxação do capital especulativo, pela
participação popular, cooperação e autogestão local, enfim, por medidas
concretas de incremento da cidadania plena, num esforço em desenvolver o
protagonismo da sociedade civil, ampliar e democratizar ainda mais os programas
e as finalidades das instituições globais de crédito financeiro para projetos
sociais, esforços há muito sugeridos pelos setores hoje hegemônicos do capital
transnacional, através do Banco Mundial, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento e outros instrumentos. Os protagonistas do FSM lutarão por
muitas coisas, desde que pelo bem do estado democrático de direito e por um bom
desenvolvimento capitalista com distribuição de renda e justiça social - como
se isso fosse possível sob o domínio mundializado do mercado e do sistema de
estados - sempre sem pôr em xeque o próprio desenvolvimento capitalista.
Num jogo de cartas marcadas, o único
protagonista real é quem as dá; @s demais jogador@s são apenas coadjuvantes
que, conscientes ou ludibriad@s, colorem e ajudam a corroborar a farsa. É desse
modo que o FSM se constitui como um espaço das cúpulas, dos dirigentes e chefes
da sociedade civil burguesa, para os quais a condição de assalariad@ é o
objetivo essencial a ser atingido, desde que com bom salário e capacidade de
consumo. Eis a garantia básica de que haverá sempre eleitores e bases
políticas, sindicais, etc para garantir a fortaleza e a legitimidade das
instituições democráticas e da representação e o poder que necessariamente elas
comportam. O FSM é um paraíso dos especialistas de esquerda, um exemplar
exercício das separações entre os que pensam e os que fazem, os que falam e os
que assistem e/ou ouvem, os que decidem e os que executam. A passividade que
concede fôlego ao sistema é fortalecida no FSM através de suas palestras e
pequenos arranjos cosméticos, como as oficinas e os acampamentos que tentam
seduzir a juventude e muit@s anticapitalistas. Estes acabam, no final das
contas, envolvid@s como massa manobrada ou, no máximo, como vanguarda crítica, pois
têm seus discursos e iniciativas autônomas engolidas por uma supremacia oficial
que só poderia ser neutralizada e destruída através de espaços que lhes fossem
antagônicos desde a raiz e em tudo.
Um espetáculo como o FSM é um momento central
do sistema, pois tem o objetivo de forjar um pacto social democrático que ponha
rédeas no movimento contestatório mundial sob as mãos dos fiéis ideólogos e
representantes da esquerda do capital. Como alternativa de administração do
sistema mercantil-estatal, com relativa influência nos meios sociais de
resistência cotidiana, a esquerda do capital procura, desesperada, recuperar
para a ordem as lutas e organizações autônomas d@s de baixo para enquadrá-las
nesse pacto. Desde Seattle e, principalmente, após as insurreições do Equador,
da Bolívia; desde Gênova, e mais recentemente na insurgência d@s proletarizad@s
que vivem sob e contra o Estado argentino, a esquerda do capital busca
desesperadamente implementar esse projeto de despotencialização e captura da
autonomia. Eis a verdadeira intenção do FSM: colocar a rebeldia sob o domínio
institucional, intenção esta que ultimamente tem tomado mais fôlego devido ao
clima de "guerra e anti-terrorismo", fato que exigiria mais
moderação, cautela e sapiência dos "movimentos antiglobalização",
segundo os hipócritas ideólogos de plantão.
Não pode haver no FSM lugar para a
horizontalidade das relações diretas. Antes, o FSM credencia-se como espaço de
cúpula dos agentes do capital corruptores das resistências parciais cotidianas.
Enquanto os agentes hegemônicos do FSM estimulam na vida cotidiana as
hierarquias próprias do mundo da mercadoria, as resistências autênticas e as
lutas sociais perdem cada vez mais a capacidade de se desenvolver como
iniciativas autônomas, diretas e solidárias, como uma negação prática do
capital capaz de se contrapor aos ataques diretos ou sinuosos que este realiza
com a finalidade de impedir uma ação coletiva anti-mercado e anti-Estado.
Da mesma forma que o esforço das demais
forças da ordem democrática do capital, o FSM estabelece, através do falso
diálogo, sutilmente, a conservação das hierarquias. O falso diálogo se dá antes
e além do próprio estabelecimento do FSM, já que a existência de um espetáculo
como o Fórum só é possível a partir do espetáculo cotidianamente vivido por
muitas organizações e lutas de resistência; basta observarmos como os valores e
métodos da ordem estato-mercantil, como a tutela pelas lideranças, o ativismo,
o autoritarismo, o verticalismo organizativo, o machismo, a homofobia etc.
estão arraigadas em várias destas experiências de "resistência". Não
podemos falar de relações diretas, de horizontalidade e de diálogo prático em
espaços que não estejam fundados na socialização direta de experiências
efetivas de luta contra o capital.
Além dos seus promotores, também irão ao
Fórum os autoproclamados revolucionários de várias gradações vanguardistas, dos
leninistas e guevaristas aos troskos e maoístas; ali, irão para espernear,
denunciar e demarcar, buscando obter ganhos à sua posição, depois de terem
devidamente esclarecido, com a ajuda da ideologia revolucionária de suas
bíblias, os "iludidos", mas "honestos" e
"combativos" transeuntes do FSM. Entretanto, o Fórum precisa ser
criticado não essencialmente devido ao reformismo da esquerda brasileira, de
ATTAC & Cia., suas hegemonias, suas políticas e seus programas burgueses,
mas sobretudo porque, independentemente de quem o coordene ou o conduza, o FSM
é um espaço baseado na sociabilidade burguesa, com suas representações, separações
e passividade, fundado no falso diálogo e na falsa diversidade e na tolerância
próprias do mundo burguês democrático. Como parte do espetáculo, os grupelhos
autoritários candidatos à vanguarda radicalizada são desde sempre também parte
do espírito democrático do Fórum e não por acaso tão estatistas quanto os seus
promotores, embora em defesa de um suposto "estado revolucionário".
Todos fazem parte do espetáculo porque afinal é necessário ao espírito burguês
que haja no Fórum, como no parlamento ou nas entidades sindicais, as oposições,
as vozes "radicais" dissonantes participando dos momentos
"horizontais" - e, de preferência, juvenis - do evento. Afinal,
"outro mundo é possível" e tanto mais será "outro" quanto mais
colorido for o espetáculo do espaço consentido de Porto Alegre. Que o mesmo - o
capital e o estado - seja aquilo que se afirma por baixo desse falsamente
outro, é coisa já dita e sabida...
Por
espaços antagônicos aos espaços do sistema único do mercado e do estado
Há, contudo, diversos compas de luta
anticapitalista, que conosco têm atuado cotidianamente no embate autônomo
contra o capital, que desejam aproveitar a estrutura do Fórum para constituir
espaços paralelos ao FSM a partir dos quais seja possível avançar na
interlocução entre os movimentos e coletivos autônomos e libertários.
A aspiração presente nas convocatórias a
esses espaços paralelos, aspiração de construir espaços autônomos de diálogo e
socialização de experiências, é também a nossa. Tod@s @s anticapitalistas
autônom@s e libertári@s, tod@s aquel@s que construímos cotidianamente a
auto-organização e a luta contra as hierarquias, a começar pelo combate à
hierarquia do trabalho assalariado, pensamos ser fundamental constituirmos
espaços autônomos que materializem, de maneira autônoma, o diálogo entre as
resistências que buscamos efetivar cotidianamente pela rebeldia dos nossos
corpos, mentes, afetos e palavras. Tod@s nós desse campo anticapitalista e
anti-hierárquico reconhecemos desde o princípio ser o FSM um espaço do capital.
Entretanto, vári@s compas, ainda assim, consideram não haver problemas em ir
até o espaço do Fórum e aproveitá-lo para a constituição de atividades
paralelas, desde que tais atividades mantenham efetivamente o seu caráter autônomo.
Mas perguntamos: poderá ser autônomo um
espaço construído à sombra do manto dos reis e dos padres? Poderá ser
efetivamente autônomo um espaço construído à sombra do mercado e do Estado?
Acreditamos decididamente que não. A ida ao FSM "aproveitando" a
estrutura montada pela esquerda do capital compromete a capacidade autônoma de
gerir as lutas por nós instituídas na medida em que nos põe concretamente a
reboque das iniciativas da esquerda do capital. A necessidade de ir ao Fórum,
aproveitando sua estrutura para subvertê-la não é mais do que a confissão de
nossa própria incapacidade de autonomamente construir espaços de socialização
no antagonismo real ao capital.
Só será autônomo, efetivamente, um espaço
estabelecido por meios autônomos, pela decisão e pelo esforço comum de
construir e coordenar espaços de diálogo entre @s que nos movemos, na luta
cotidiana, a partir da insurgência concreta contra o capital e o Estado.
Não é só um problema de método ou de opção. O
que está em xeque nessa conjuntura é a própria possibilidade de avançarmos na
nossa resistência autônoma. Existem hoje condições para que ergamos momentos e
espaços permanentes de diálogo direto e efetivo que sejam concretamente
antagônicos àqueles criados pelo sistema com o objetivo de nos confundir e de
dissimular com cantos de sereia a real intenção de neutralizar e minar passo a
passo nossos esforços de negação ao capital. Insistir em permanecer a reboque
dos esforços da esquerda do capital e do estado é abrir mão da nossa própria
ação autônoma de criar espaços autônomos de diálogo.
Não acreditamos que esse caminho que propomos
seja nem o mais cômodo nem o mais rápido, muito pelo contrário. Para
efetivá-lo, teremos que nos multiplicar em milhares e milhões, teremos,
sobretudo, que aplicar os nossos melhores esforços em tecer esse diálogo real e
permanente, quebrando a lógica das separações, das disputas, das igrejas. Mas
alguém já aprendeu a nadar sem entrar na água?
Tais espaços de diálogo, devemos construí-los
como algo inseparável de nossas resistências cotidianas contra o mercado e o
estado, de modo que os diálogos das experiências signifiquem a socialização de
nossos esforços práticos, idéias e sentimentos, que partamos aí da nossa
experiência real de luta e não das ideologias. Trata-se, pensamos, de
constituir uma cultura de luta autônoma antagônica à "cultura
política", própria da esfera do estado. Dizer-se contra o mercado e o
estado e espalhar aos quatro ventos tal "boa nova" é fácil, pois
podemos dizer tudo o que queiramos (inclusive no próprio FSM). Difícil e
necessário é construir pela e na experiência prática as tentativas permanentes
de tod@s @s que resistimos de dialogar horizontalmente; difícil e necessário é
desenvolvermos nossas lutas com diversidade, criatividade e autonomia, adotando
cotidianamente atitudes que constituam embrionariamente a sociedade sem estado
nem mercado que queremos para inventar um mundo radicalmente outro.
Até aqui não fomos capazes de constituir
entre nós espaços permanentes de diálogo que fossem além dos contatos em ações
pontuais, como nos dias de ação global. Os espaços mais demorados de encontro e
discussão que fossem modos de diálogo prático permanentes e trocas de
experiências a partir do diverso que somos, até aqui, não foram priorizados por
nós. Talvez, sequer tenhamos nos dado conta da importância da construção desses
espaços através de meios autônomos. Mas quando surge uma iniciativa decretada
pelo estado como esta do FSM, muitos correm até ela. Ora, compas, pensamos que
já passa da hora de tornarmos ato aquilo que temos dito: ação direta contra o
capital e o estado é, necessariamente, ação direta CONTRA eles. Ir ao FSM em
ônibus financiados pelo estado é uma negação em ato do que dizemos. Aproveitar
espaços construídos pela esquerda do capital significa utilizar a sua própria
lógica, conforme a qual recomenda-se usar as instituições para transformá-las.
Não estamos, é evidente, dizendo com isso que @s compas que estão indo ao FSM
são, tod@s, à imagem e semelhança da esquerda do capital, reformistas como ela.
O que dizemos é que, a despeito de nossas boas intenções, ao usar o raciocínio
de aproveitar espaços, entramos num perigoso terreno que é o de abrir mão da
autonomia de nossas lutas. Tesão verdadeiro procura o que deseja e não simplesmente
deseja o que encontra.
Basta que pensemos numa atividade prevista
para março deste ano e o modo como até aqui temos nos relacionado com ela para
que nos demos conta do descaso com que temos tratado a autonomia das nossas
lutas: trata-se do ANTI-BID, primeira manifestação do calendário da Ação Global
dos Povos que acontecerá sob o estado brasileiro, mais exatamente em Fortaleza
entre os dias 7 e 13 de março de 2002, por ocasião da reunião executiva do
Banco Interamericano de Desenvolvimento. Aproveitar o momento de combate ao BID
para estreitarmos o diálogo e a troca de experiências entre @s vári@s
indivíduos e setores anticapitalistas que vivemos sob o estado brasileiro e em
outros países, construindo junto com a manifestação contra o BID um espaço de
troca de experiências e de diálogo efetivamente autônomo, parece-nos ser algo
fundamental, que deveria estar ocupando as nossas discussões. Ao contrário,
estabelecemos uma separação entre a "ação" e o "encontro",
como se a autonomia que temos para construir a ação direta de combate ao
capital não fosse possível quando se trata de discutir os caminhos de nossa
luta.
Que estranha atração exerce o FSM sobre nós?
Será impossível nos colocarmos a tarefa concreta de construirmos espaços
autônomos? Muit@s nos dirão que não são atividades excludentes e que podemos
participar de ambas ou priorizar o ANTI-BID e ainda assim ir ao FSM. O que
concretamente queremos perguntar às/aos divers@s compas de luta anticapitalista
que pretendem ir ao FSM é: quais são os esforços que efetivamente foram
desenvolvidos até aqui para construir espaços autônomos de troca de
experiências e idéias? Por exemplo, o Congresso da AGP, em Cochabamba, não
mereceu da maior parte de nós um esforço nem parecido com aquele de construir
espaços paralelos no FSM. Tampouco houve ressonância à proposta de constituir
um encontro de anticapitalistas autônomos que vivem sob o estado brasileiro.
Até quando permaneceremos incapazes de nos pôr a dialogar concretamente,
desenvolvendo para isso os nossos melhores esforços e energias?
Esperamos que em março, em Fortaleza,
possamos estar o maior número de anticapitalistas anti-hierárquicos e que
possamos construir ali, no calor da ação direta, espaços assembleários de
discussão da ação e da luta cotidiana. Esperamos que aquel@s que não possam
estar em Fortaleza, construam suas mobilizações em suas cidades, como nos
demais dias de ação global. Mas, concretamente, pensamos que a ida ao FSM, além
de consistir num profundo equívoco, na medida em que fortalece um espaço do
capital e do estado, significa a confissão de impotência ou de cegueira quanto
à possibilidade de constituirmos, por nossos próprios meios, o espaço de
diálogo na insurgência contra o capital. Não execramos aquel@s anticapitalistas
que, de fato, irão ao FSM, pois a nossa crítica fundamental é ao espaço ali
constituído e ao que ele significa como despotencializador de valiosos
esforços. Apenas lamentamos que muit@s d@s que lá estarão presentes não poderão
ir para Fortaleza durante o ANTI-BID. Mas a tais revolucionários dizemos:
"rosa também se muda do campo para o deserto, de longe também se ama
quem não pode amar de perto" (versos tradicionais do sertão do Piauí).
Uma
última observação...
Esta nota é um esforço inicial de contraposição
ao FSM, esforço ao qual chamamos que tant@s outr@s compas possam somar-se,
assinando e multiplicando a sua divulgação massiva, antes, durante e após o
FSM.
Um abraço forte!
Janeiro
de 2002, sob os sons e as cores da insurreição
d@s
proletarizad@s contra o estado argentino.
Coletivo
Acrático Proposta (Belo Horizonte)
Proletarizad@s contra a corrente (Fortaleza),
Alguns anticapitalistas do Rio Grande Sul e do Ceará,
Moésio
Rebouças (São Paulo), Anselmo Malaquias, Tomás Bueno (Pirenópolis)
vivendo sob e contra o estado brasileiro
Considerações
extemporâneas sobre a nossa não-ida ao FSM
Com o apoio dos meios espetaculares de
informação e mistificação, do grande capital privado e do aparato estatal
iniciou-se, com muitas luzes e aplausos, para após alguns dias concluir-se de
modo pálido e sem charme, ainda que róseo, o Fórum Social Mundial (FSM),em
Porto Alegre, Brasil, em Janeiro deste ano.
Ali, durante alguns dias, os candidatos a
gerentes do sistema, ainda que candidatos a postos muito inferiores na atual
hierarquia mundial do capital, reuniram-se para dar legitimidade
contestatória às recomendações de "democratização",
"participação", "diminuição da pobreza",
"cooperativismo" e "desenvolvimento ecologicamente
sustentável"; recomendações que, desde há alguns anos, o Banco Mundial vem
fazendo aos governos nacionais e locais. Anunciado como contraponto
propositivo ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente na cidade de
Davos, na Suíça, o qual reúne diretamente em assembléia os senhores do mundo e
seus mandatários mais próximos, o FSM foi pensado e realizado (e por isso
obteve o apoio do sistema, desde a cobertura ampla e diária da rede Globo nos
noticiários, no seu canal a cabo, e nas telenovelas ao aparato estatal colocado
a seu serviço) para se constituir na via de integração do "movimento
antiglobalização" aos mecanismos de negociação que o capital
mundializado tem buscado criar. Em outras palavras, um instrumento de pacto
social mundial; em conseqüência deste conteúdo, a sua forma e sua
dinâmica fundaram-se, desde logo, na estrutura vertical e hierarquizada que
compõe a sociedade atual.
Composto e determinado em sua dinâmica
essencialmente por todas aquelas fatias da contestação consentida,
reunidas em Porto Alegre para se apropriar programaticamente do que o
capital mundial quer e precisa para a manutenção de um sistema
que já não pode ser reformado, senão nas idéias e suas ilusões, o que só é
possível na medida em que ele próprio se aproprie das contestações verdadeiras
dos de baixo: eis o que foi, efetivamente, o FSM e também o que ele demonstrou-se
ser em sua declaração final.
Mais de mil jornalistas, em sua maioria
estrangeiros, funcionários das principais empresas e agências internacionais de
informações; centenas e milhares de funcionários de ONGs, sociólogos,
assistentes sociais e arrivistas de toda espécie; a classe média democrática e
ressentida, com seus políticos, mandatários e carreiristas sem desânimo;
sindicalistas, estudantes com aspirações intelectuais e progressistas,
professores, artistas e escritores que, antes de sustentarem a contestação
social, sustentam-se dela – eis, enfim, de que se compôs essencialmente
o público do FSM. Ao lado desses, e em muitos aspectos, em oposição a eles,
toda uma multidão minoritária e subordinada de movimentos e
ativistas, cujas diferenças entre si e deles com o próprio Fórum, serão reconhecidas
e analisadas posteriormente.
O FSM
reproduziu a lógica do mercado e do Estado
O Fórum Social Mundial, reconhecido nessas
características, não expressou só uma "conspiração" do Estado, do
capital e seus reformistas tentando se apropriar do movimento antiglobalização.
Essa é, desde sempre, a astúcia própria do sistema que busca integrar a si toda
forma de contestação, tal qual a mercadoria faz com tudo o que pode ter uso,
real ou ilusório:integra o outro, destruindo-o enquanto outro, submetendo-o à
sua loucura identitária, onde toda potencialidade do conflito deve ser
dissolvida. Assim, antes de tudo, o FSM foi uma armadilha integradora, uma
tentativa de conduzir todo o antagonismo para o interior mesmo da lógica
mercantil e institucional. Os funcionários do capital – nos governos, nos
partidos e ONGs – apenas realizam essa lógica que, afinal, não lhes é
"imposta", posto que ela é, desde sempre, aquela sob a qual se movem
pois toda outra língua lhes é estrangeira.
Daí que toda a sua perspectiva
"propositiva" nada mais seja do que a ideologia própria dos
portadores de mercadorias, pequenos e grandes, que no mercado, têm a ilusão de
negociar livremente, tanto quanto nas eleições parlamentares e para os
governos, onde têm a ilusão de decidir livremente; que têm a ilusão de
determinar, com suas falas e propostas de acordos – adequadas desde o início às
"tendências do mercado" – os resultados da negociação. Não é
necessário dizer, mas sejamos redundantes, esse é o falso diálogo, a fala de personagens
cujo texto não foi escrito por ninguém, mas determinado pelo movimento realista
e autonomizado das coisas. É o mesmo movimento realista
que move o capital, onde o lucro quer produzir mais lucro e os homens
servem às coisas e não as coisas aos homens.
No
movimento “antiglobalização” nem tod@s são anticapitalistas
Que o
FSM se realize como tentativa de apresentar-se como síntese das lutas
"antiglobalização", é só a realização daquilo mesmo que caracteriza
toda a esquerda institucional e sua tentativa permanente de tornar-se porta-voz
das reivindicações, para incluí-las - uma vez mais e sempre - na lógica da
"diversidade consentida" do mercado e do jogo eleitoral. Um outro
mundo é possível diz o FSM. A tentativa de traduzir o realmente
diverso no mundo falsamente plural do mercado e do Estado apresenta-se,
ainda uma vez, como tentativa de colorir de tons diversos o cinza do mundo
único do capital e do Estado. A tentativa integradora não é puramente
exterior ao "movimento antiglobalização", uma vez que inúmeros
setores da esquerda oficial efetivamente têm sido parte de tal movimento, que
caracteriza-se, antes de mais nada, por uma grande heterogeneidade. Com efeito,
Bové, Le Monde Diplomatique, ATTAC e Cia. Ltda. são parte de tal movimento e
ainda que - no caso particular do Brasil - a esquerda do capital jamais tenha
mexido uma palha nas mobilizações e dias de ação Global, ela é, no entanto, em
nível mundial, uma das suas componentes, efetivamente presente em seu interior.
Em determinados lugares (na França, por exemplo, mas não apenas lá) ela é a
própria tônica de uma contestação que - nesses casos – já nasce morta, pois
integrada e comprometida até a alma com o sistema.
Na heterogeneidade dos "movimentos
antiglobalização", encontramos, como uma das expressões do anúncio
de Seattle - anúncio de uma resistência mundial, tão mundial quanto a economia
deles - a AGP, que em dias de protestos horizontais e internacionalistas,
apresenta-se como coordenação de lutas convergentes contra o capital
transnacional e suas instituições. Tais dias de Ação Global encheram-nos a
imaginação e impulsionaram-nos as mentes e as mãos; protestos que, sem dúvida,
anunciam a necessária e central luta em nível mundial contra o capital
transnacionalizado e suas instituições.
Os
perigos de um ativismo especializado e separado
Entretanto, mesmo entre esses setores
anticapitalistas do "movimento antiglobalização" - ligados ou não às
iniciativas da AGP - e a partir dos próprios impulsos de Seattle, uma série de
ilusões começou a tomar corpo. Trata-se, neste caso, da tendência à construção
de um movimento especializado e separado. A perseverança unilateral dos
"dias de luta contra o capitalismo", como se jornadas pudessem
derrotá-lo, termina por constituir a tendência de um movimento separado –
e, com ele, uma consciência separada e, portanto, ilusória – do
antagonismo cotidiano contra todas as faces da barbárie capitalista; e isso,
precisamente, após a boa promessa, anunciada em Seattle, da convergência das
críticas práticas que, sob os diversos aspectos da vida cotidiana, se insurgem
contra a sociedade mercantil. Tal convergência pode se instituir, por seu
desenvolvimento, como crítica de totalidade da vida cotidiana submetida ao
sistema único das alienações do capitalismo contemporâneo.
No entanto, transformando o calendário deles
em calendário de nossos protestos, terminou-se por constituir, em
determinados setores, uma cultura de apartação entre as mobilizações mundiais e
o antagonismo cotidiano e, em conseqüência, uma militância também apartada,
separada e iludida; uma militância especializada que, na
autocontemplação estetizada da imagem de seus feitos, contenta-se em
substituir a crítica prática de milhões desde as fábricas e bairros pelo
enfrentamento desenraizado. Age-se aqui como o pequeno mercador que reconhece
que o diálogo não define os rumos da negociação, e o substitui pelos gritos;
com isso, ele quer alterar os rumos da negociação, mas não a sua existência
mesma. Ou como o pequeno quadro da esquerda oficial, que, ao “descobrir” que no
parlamento nem tudo é negociável, radicaliza no discurso mas não altera em nada
a crença no próprio parlamento. Em outras palavras, o ativismo separado, ainda
que o mais radicalizado, tem tantas ilusões quanto são ilusórias as crenças dos
pequenos comerciantes e as do parlamentar “radical”. Tal indignação, puramente
aparente, é na verdade a confissão da própria impotência. Enquanto
resistir entre nós a tendência do ativismo separado e substitucionista,
seremos sempre presas fáceis da recaptura, da re-subordinação, da recuperação.
O
diálogo prático é o caminho para a convergência das autonomias
Pensamos que
da convergência das múltiplas práticas à crítica de totalidade (que deve ser
diversa na forma e nas motivações, mas "unitária" no combate ao
identitarismo totalitário do mercado e à opressão tirânica do Estado), é
forçoso que construamos um tempo e um espaço próprios; um tempo que não é
aquele dos projetos, aprovações e financiamentos estatais ou privados, tão
rapidamente encaminhados, como aquele que se deu no Fórum Social Mundial, nem o
espaço analítico das instituições organizadoras da falsa sociabilidade, do
falso diálogo. A crítica de totalidade há de ter um tempo próprio, o vagaroso e
enriquecedor tempo da conversação, cujo critério é o da argumentação
legítima, posto que fundado no diálogo real, o diálogo entre os diversos
setores sociais que realizam a crítica prática cotidiana do capitalismo.
Há de ter um espaço autônomo, não cedido ou
mitigado, mas conquistado como o espaço mesmo da insurgência, da rebeldia e
parte da resistência à organização estato-mercantil das vidas e dos lugares
vividos.Enfim, um tempo-espaço que resista a ser re-subordinado na medida em
que absoluta e intransigentemente fundado na autonomia mesma da experiência
antagonista. Que seja, assim, a expressão da constituição do diálogo real, não
só o diálogo da experiência, mas o dizer comum dessa
experiência, a co-produção do comum; em outras palavras, ser conscientemente
coerentes com o que temos feito. E nisso, precisamente, mais do que
simplesmente convergir eventualmente, tecer a totalidade da negação ao
mundo alienado da mercadoria, do dinheiro, do capital, da hierarquia
sócio-estatal e de suas ilusões. Tecer, com a força das palavras ditas em atos
e tornadas conscientes de si, uma trama outra, a da insurgência tornada, assim,
incapturável, pois dita e feita.
O FSM
foi uma armadilha de captura e despotencialização do antagonismo
Mas
precisamente porque apenas começamos a dialogar e a percorrer esse tempo-espaço
co-produzido, e face às ilusões que no nosso próprio interior passou-se a
alimentar num movimento separado (e, portanto, novamente especializado), o
chamado decretado pelo Estado e o capital, para o Fórum Social Mundial,
teve tanta repercussão junto a movimentos de base e ativistas – e não apenas
junto àqueles cujo antagonismo ilusório (pois separado e especializado) é, por
natureza, vocacionado à recuperação, mas, infelizmente, também alguns
daqueles que, de fato, buscam, desde o seu cotidiano, superar as determinações
do sistema. É neste último caso onde encontra-se, seguramente, a principal
contradição presente no Fórum: a contradição entre o conteúdo da ação de
diversos movimentos e ativistas, potencializadora da crítica de totalidade e a consciência
ainda parcial, acerca de sua própria prática antagonista. Tal parcialidade
lhes permitiu mover-se a um espaço o qual, precisamente, implicava – ainda que
momentaneamente - a "neutralização" do antagonismo, a sua
despontecialização.
Muit@s companheir@s honestos e combativos, com
os quais compartilhamos, inclusive corporalmente, o combate nas ruas,
foram ao FSM, com o intuito de "demarcar", "denunciar”. Ao lado
deles, com a mesma intenção, outros de outro feitio – os eternos candidatos a
"dirigentes" da humanidade, os neoleninistas e neobolcheviques de
várias marcas. Num caso e noutro, somos forçados a dizer, não apenas a intenção
formal, mas o ato real da ida ao FSM resultou estéril e espetacular.
Quanto aos primeiros, no entanto, mais que
isso: a ida ao Fórum Social Mundial, no momento em que se davam, na Suíça,
ainda uma vez mais, como em Seattle, Washington, Praga, os combates ao topo da
hierarquia capitalista diretamente reunida em assembléia mundial, implicou uma despontecialização,
de fato, da nossa capacidade antagonista. Em janeiro, o que o mundo inteiro leu
e viu nos mass media foi a contraposição falsa e o diálogo falso
entre Davos e Porto Alegre, ao passo que a afirmação real de antagonismo em ato
pel@s companheir@s na Suíça era "tornada" apenas a "face mais
radical" dos que em Porto Alegre buscavam soluções mais
"humanas" e "justas" para a globalização. Ora, se há algo
que pode ser dito sobre a presença de inúmeros setores antagonistas no FSM, é
exatamente que tal presença, constituindo a fundamental contradição deste
Fórum, implicou ali a neutralização da sua ação, estabeleceu uma
esquizofrenia que é própria do mundo da mercadoria e suas separações; opôs,
pela presença no Fórum, o conteúdo da sua ação à ausência de uma radical
recusa à subordinação a qualquer espaço-tempo neutralizador de sua ação
antagonista.
Diálogo
entre nós! Guerra aos dirigentes!
Não se trata para nós, como o é para o
neotrotskismo "radical" e todas as frações neobolcheviques, de propor
às lutas concretas do proletariado – que eles consideram, metafisicamente, já em
si revolucionárias – um programa "revolucionário" estatista e
nacional-desenvolvimentista (não-pagamento da dívida externa, fora FMI, defesa
das estatais etc.), apenas na forma internacionalista. Trata-se, isto
sim, de ressaltar que fora do reconhecimento pelo próprio proletariado
do conteúdo antagonístico de suas lutas, elas não são em si mesmas
revolucionárias. E esse reconhecimento não é, insistimos, uma
revelação exterior, "científica", trazida desde fora por vanguardas,
especialistas ou dirigentes, mas, necessariamente, construído pelo e no
diálogo prático entre os sujeitos reais das lutas proletárias;
esse diálogo de quem faz e – ao fazer – diz a si mesmo o que faz. Este diálogo
consciente que pode, enfim, e só ele, potencializar o diálogo prático, já agora
em ato e que começa a ser comum. En la Tierra, como en la Tierra...
Quando @s noss@s companheir@s resolvem, de
modo estéril e espetacular (repitamos), assinar uma nota com os candidatos a "dirigentes
revolucionários", nota estatista e nacional-desenvolvimentista (Declaração
dos jovens anticapitalistas contra o Fórum Social Mundial), fazem
concessões aos irmãos siameses dos promotores do FSM; e isso porque, já
antes, ao irem ao Fórum, o haviam feito aos próprios promotores dele. Que tal
nota expresse, pelo seu título, o mesmo método da esquerda oficial, que não se
questione um segundo sequer sobre a pretensão de reunir num falso mundo
a diversidade que realmente somos, apenas acrescentando um
"destruindo o capitalismo" puramente estético, é só a demonstração do
que dissemos. Que o mundo que queremos ver substituindo a este é um mundo
anticapitalista, não há dúvida; mas precisamos ser conseqüentes com isso,
reconhecendo que a ruptura com o mundo único do mercado e do Estado é,
forçosamente, a construção de um mundo onde caibam muitos
mundos, e por isso, co-produzido - no diálogo prático - a partir da
diversidade que somos e que, contra esse mundo unificado, insistimos em
ser. Tal reconhecimento passa a anos-luz da nota em questão, vanguardista e
cheia de pretensas verdades e verdadeiras mentiras como é toda a "esquerda
oficial" em suas ideologias... O lugar da experiência e da troca é algo
que não existe – e nem poderia existir – ali.
Tornar o Fórum um lugar no qual pode-se
ilusoriamente fazer a crítica dele mesmo é torná-lo falsamente o lugar do
diverso, do diálogo, de encontro e socialização das experiências de crítica
prática; para isso serviram, como, aliás, os promotores do FSM já haviam previsto
e querido, as oficinas alternativas, o acampamento da juventude,
as declarações críticas. Ora, o FSM foi – e isso estava desde o princípio
claramente previsto– o espaço da falsa diferença, da falsa
multiplicidade que em verdade só reproduz o simulacro da diferença que,
no mercado, encontramos entre as várias (logo)marcas ou entre os diversos
partidos nos parlamentos e em todas as instituições do sistema; quando a
diferença real não se nega de modo extremo e inequívoco a ser
capturada e falseada, torna-se uma falsa diferença. Permitir que a luta
autônoma fosse recapturada e tornada dócil e tragável pela presença no FSM é
parte do equívoco brutal de enxergar em tal espaço um espaço autêntico de
diálogo, um espaço no qual a multiplicidade que somos pudesse ter lugar.
Que, em nossa opinião – a qual manifestamos,
claro, como parte do diálogo efetivo com o qual estamos comprometidos –, o
caminho é outro, disso não pode haver dúvida. Um caminho que, a rigor, não há
que ser inventado mas que estamos já construindo. Basta olharmos para nós
mesmos, para nossas ações e as ações que se desenvolvem à nossa volta,
comprendermo-nos e compreendê-las, intensificando e generalizando o negativo
que, ainda germinalmente, está em ação. Falemos o que fazemos! Façamos o que
falamos!
Uma
última palavra...
Para finalizar, uma observação se faz
importante aqui. Nós, coletivos autônomos, que elaboramos e assinamos essa
nota, não o fizemos senão como parte de um diálogo prático; não no
sacrifício das diferenças, mas num esforço em que essas diferenças apareceram a
partir de uma mesma preocupação prática, já em diversos aspectos comum, e de
uma reflexão comum, que, no entanto, não busca a unanimidade. Assim, os pontos
de vista que aqui expressamos conjuntamente têm, sem dúvida, tensionamentos com
os pontos de vista mais particulares de cada qual dos coletivos, mas tais
tensões se inscrevem no experimento do que, esencialmente, afirmamos aqui: o
experimento do "consenso heterogêneo" como experiência que constitui
a convergência das autonomias.
Belo
Horizonte, Fortaleza, Santa Maria, entre janeiro e fevereiro de 2001,
Coletivo
Acrático Proposta
Coletivo
contra-a-corrente
Comunidade Piracema
FSM 2003
Não-Cooptados,
Contra o Mercado e o Estado
Seremos
diretos: SOMOS CONTRA O F$B!!!
FÓRUM $OCIAL
BRA$ILEIRO:
RESPEITÁVEL
PÚBLICO,
O ESPETÁCULO
DEVE CONTINUAR!
Mais de seis meses se passaram e novamente
nos encontramos na necessidade de manter recente a afirmação de nosso repúdio e
negação radicais às táticas dos capitalistas de sucção das rebeldias gritantes
da atualidade através de mecanismos como Fóruns $ociais, difusores da falsidade
democrática e do pacto cidadão colocados em mesa aos povos do mundo. Antes a
cunho mundial, sob o desígnio de um Fórum $ocial Mundial, para a discussão de
questões sociais, econômicas, culturais no mundo, esse posicionamento tático de
Estados e das esquerdas do capital frente aos movimentos sociais ofensivos
-desde os já existentes das necessidades ccotidianas mais imediatas, como os
movimentos de trabalhadores pela ocupação de espaços, até os movimentos de rua
surgidos do calor das mobilizações antiglobalização, contra as reuniões de
cúpula, iniciados em Seattle em novembro de 1999- aparece como resposta obscena
às exibições de autonomia, autogestão e afronta à forma de dominação vigente em
eras de modernização.
Hoje a cunho local, o mesmo evento se repete,
auto-intitulando-se Fórum $ocial Bra$ileiro, como atratividade seca e insípida,
com os discursos prontos e cheios de impacto, preparados para nos convencer de
que estamos errados por nos auto-organizar e buscar diretamente atracar nossos
corpos e desejos contra os espaços do simulacro estatal-mercantil. Sabemos que
os Fóruns $ociais são espaços que aparecem como prolongamento dos
empreendimentos burgueses que visam a farsa de serem espaços da pluralidade
para que, através desses empregos, se conclua a cooptação e desarticulação das
resistências em autonomia frente ao Estado e suas instituições. Como face
suavizada de encontros de cúpula como OMC, BM, BID, FMI, FEM, os Fóruns $ociais
complementam o comboio dos gângsteres corporativos para a interminável
ressurreição do capital, ocorrendo de forma maquiada e eufemística para a
atração e o enfraquecimento das iniciativas despegadas dos meios
institucionais. As táticas de arrebanhamento por parte desses burocratas
falsários tanto a ala empresarial como a estatal - mantêm seu rumo, com o
endosso essencial da esquerda reformista; essa mesma esquerda que, na cínica
cartilha democrática burguesa quer negociar o pacto de classes, querendo
silenciar a tortura que sofremos a cada dia, ao cedermos nossa criatividade em
troca de ceder mais criatividade aos que se apropriam do que produzimos -
tentando nos convencer de que "outro mundo é pó$$ível" sob as
linhas tortas traçadas no capital.
Nos resta questionar se realmente devemos
saltar de cabeça nessas ridículas alternativas de coerção, construídas pela
mesma laia que aplica esforços maiores para atacar constantemente as
iniciativas de ocupação e gestão direta e autônoma de espaços que contraponham,
longe do território burocrático-corporativista, às concessões da ordem
dominante. Já é satisfatório se conseguirmos enxergar que participar de um
evento como esse - nos espaços especializados ou nos acampamentos paralelos ao
Fórum - significa legitimar a absorção, por parte do Estado e dos patrocínios
capitalistas, dos potenciais autônomos urgentes para espaços edificados
justamente para despotencializá-los. É satisfatório, pois, a partir daí,
enxergaremos que o equívoco não é inocente. O Fórum simplesmente não se
encontra, em momento algum, na postura de representar coisa qualquer: jamais
representará os levantes nas ruas de Seattle, Quebec, Gênova, São Paulo, nem a
rebelião argentina, como ousam discursar seus concessionários, mas representa,
sim, mais um motivo para que ocupemos as ruas contra ele próprio, nós que já o
fazemos contra a OMC, o FMI, o BM e companhia.
Os movimentos sociais no Fórum: cooptação
proclamada pelos capitalistas, a democracia burguesa dando seus passos rumo ao
aniquilamento da resistência:
"O
I Fórum Social Brasileiro é um espaço político, democrático e plural de debates
da sociedade civil e é parte do processo do Fórum Social Mundial - FSM."
(Relato de indivíduo pró-F$B sobre primeiro seminário de organização
cultural do Fórum $ocial Bra$ileiro em agosto de 2003.)
A clareza vista no discurso da organização do
Fórum é a mesma que torna mais visível a forma como este aparece enquanto método
estratégico de sufocação do grito da radicalidade e conter o potencial
autogestionário que se transfigurou mais visivelmente desde Seattle, nas ruas.
Quando em fevereiro de 1998 foi lançada a
coordenação geral de ações globais contra a globalização do capital -a AGP
(Ação Global dos Povos)- em Genebra, um novo caminho era seguido no cenário
contestatório mundial frente ao capital e sua manutenção pelos Estados. Um
compromisso ainda mais radicalizado era assumido, com os povos tomando as ruas
e, violenta ou pacificamente, colocando suas caras a tapa frente às reuniões de
cúpula das grandes corporações mundiais. Após tal investida, o mais adequado
era criar formas mais eficazes do que a repressão para conter a urgência
desses movimentos sociais frente ao momento histórico
em que nos situamos.
Essas "formas eficazes" seriam nada
mais, nada menos que um espaço materializado sob todos os tipos de discursos
pró-democrático, pró-autogestão, pró-alternativo e ocupacionista que poderiam
ser utilizados para seduzir as lutas latentes, e ainda patrocinado
por algumas das muitas corporações contra as
quais se colocam alguns dos movimentos sociais do mundo
inteiro que vão ao Fórum.
Um espaço paralelo é gerado para as
"Juventudes", que atuam nestes convictos de que não estão
inseridos na totalidade do programa do Fórum; uma ilusão, já
que a programação estimada pelos organizadores do Fórum consiste exatamente em
atrair para seus discursos, de todas as formas possíveis, esses focos de
resistência que consentem com a legitimidade do Fórum em acampamentos que
ocorrem no interior deste, num espaço cedido pelo Estado e pelos financiadores
do cassino global capitalista. Esses acampamentos paralelos são apenas a
reprodução de qualquer falsidade democrática que venha a afirmar que todos têm
um lugar quando se diz respeito a reconstruir o capital. Os acampamentos
da juventude são parte dos esforços empregados pelas esquerdas
ortodoxas e pelos capitalistas para puxar para o terreno deles o que
resta da resistência emergente, a fim de enfraquecer as lutas e
tirá-las do ambiente público e vulgar das ruas, onde a revolta se
figuraria explícita demais.
A carta de princípios do F$M, por exemplo,
por ter sido plagiada, em grande parte de suas teses, do manifesto da AGP, cai
em imensas contradições quando busca suavizar a idéia aplicando termos
humanizadores em meio às frases de impacto. Ao mesmo tempo em que cita o fato
de se posicionar "contra a dominação do
mundo pelo capital", fala em "reforçar
iniciativas humanizadoras em curso" e deixa esclarecido que o F$M quer
alternativas à globalização capitalista, almejando uma lógica
econômico-política que possa ser justa para todos; desejo fantasioso e
nocivamente enganador. Ainda toca descaradamente
na intenção de apaziguar as resistências, o que as tornaria amáveis
às lentes midiáticas e aos olhos patronais, já que a AGP assume, de forma
declarada, "uma atitude de confronto, por não acreditar que o diálogo
possa ter algum efeito em organizações tão profundamente
antidemocráticas e tendenciosas, nas quais o capital transnacional
é o único sujeito político real" (Item 3 da carta de princípios da AGP).
Reacionarismo
representativo e anti-revolução
"O Fórum $ocial Mundial (...)
não expressou só a 'conspiração' do Estado, do capital e seus reformistas
tentando se apropriar do movimento antiglobalização. Essa é, desde sempre, a
astúcia própria do sistema que busca integrar a si toda forma de contestação,
tal qual a mercadoria faz com tudo o que pode ter uso real ou ilusório: integra
o outro, destruindo-o enquanto outro, submetendo-o à sua loucura identitária,
onde toda a potencialidade de conflito deve ser dissolvida." (Considerações
extemporâneas sobre nossa não ida ao F$M
- Nota coletiva assinada por ggrupos anticapitalistas de Belo
Horizonte, Fortaleza e Santa Maria em 2001.)
Sabendo que, em tempos atuais, é colocada à
mesa a relação de explícita apropriação da crítica prática que ainda restou em
tensões de rua, os coordenadores do F$ não perdem tempo em amaciar o teor
discursivo que, por sinal, é a parte mais atrativa do Fórum, juntamente com a
milionária campanha midiática que segue na linha de frente -colocando-se, de
forma pretensiosa, enquanto representante de um tal movimento de movimentos que
em momento algum obteve a participação efetiva de seus assinantes. O passo
essencial da esquerda do capital e demais pactuantes em direção a mais real
demolição das lutas que foram construídas até então vem de sua
necessidade incômoda de se colocar na frente dos movimentos que se formam
e se sustentam PELA luta - e não conquistam cargos para viverem ATRAVÉS dela,
como o faz grande parte das traíras burocratas esquerdistas. Conseguindo um
grande magnetismo diante das forças ainda fixas em ideais e práticas, a
esquerda, o Estado, as corporações, enfim, todos por trás desta farsa
política e social que envolve o F$B, agora querem colocar em discussão, no
mesmo evento, uma aliança cooperativa e cooptativa dos movimentos sociais que se
entregaram ao canto harmônico do espaço cedido pelos capitalistas para o Fórum,
enquanto esses mesmos movimentos vão sofrendo, gradualmente, degeneração
crônica.
Sem se criticar, de modo qualquer, o modo
como as relações de produção e reprodução vitais no capital se dão
baseadas na mais grosseira exploração de nossos cascos objetivando lucros
intermináveis para meia dúzia de iluminados, enquanto não
temos controle sobre absolutamente nada daquilo que ocorre
dentro deste mesmo processo, os espaços que eles nos cedem se desenvolvem
exatamente para que essas realidades sejam ocultadas e favorecidas ao desprezo.
Eles querem alternativas a um sistema que se baseia unicamente na acumulação
econômica e nega de todas as formas o que se afirme para o ser humano! Uma
piada ou um simples jogo de paciência com nossas caras! Enquanto eles
negociam o resgate de um capitalismo eficiente como em tempos passados, quando
as forças produtivas ainda começavam a se desdobrar de forma eficiente, as
gerações passadas e futuras continuam a ser sacrificadas sob seus discursos
humanitários e participativos, que simplesmente nos colocam à frente dos
bombardeios para confirmar-lhes sucesso.
Eles querem dizer que é ali que se forma um
movimento real, no espaço deles, na estrutura luxuosa e especialista de suas
consecuções, onde as redes nacionais de TV podem, sem espiar, pular como
abutres sobre a carcaça da resistência, e até mesmo deixar claro o
quanto aqueles "seres desordeiros e incontroláveis" ou -como diria o
pelego José Genoíno, patrono do PT - "anarquistas", foram,
com êxito, surrupiados, enganados, domados pelo discurso integrador e
falso-coercitivo. Podem chamar-nos do que quiserem, até mesmo selar em nossos
traseiros qualquer estereótipo ideológico que os caibam à mente, os fatos não
mentem: seus tempos de glória estão ameaçados, pois não nos
cansaremos de, em nosso cotidiano, cutucar suas espinhas e ocupar e autogerir
nossos próprios espaços!
Ao
extremo da hipocrisia: uma conferência sobre e pela cooptação
"Diz-se que a 'democracia está
realizada'. Tal afirmação soa de um modo tão constipador quanto a oferta
neoliberal de emprego: 'Qualquer emprego é melhor que nenhum!'. Enquanto
isso, os traços de luta ainda combativos, mas seduzidos pela eloqüência
de qualquer discurso pró-democrático, se afogam em seu próprio grito: 'Qualquer
participação é melhor que nenhuma!'. Não é de se surpreender que o ambiente do
Fórum, dentro e fora, apresenta de forma ainda mais nítida a mercadoria que se
tornou o ato de se 'fazer política', e o modo como se pode adestrar os elos
ofensores da ordem de um modo tão viável." (O
Fórum $ocial Mundial: A Atração Inacabada - Panfleto lançado em
fevereiro de 2003 pela Rede Anticapitalista de Belo Horizonte.)
A ousadia dos reformistas pelegos do F$B
chega a tal ponto que, no limite da mentira, se inclui num programa de
explícita absorção dos movimentos radicalizados, uma conferência sobre
cooptação, vinculando o Estado e os movimentos sociais. O título é: Estado e
Movimentos Sociais: cooperação, repressão e cooptação. Tudo está muito claro; é
apenas mais uma tentativa de, em tempos de completa anemia no seio das
tendências de luta não apegadas ao Estado – ao menos em solo brasileiro, ao
menos quando se diz respeito ao fato de muito mais da metade dos focos que se
propõem anticapitalistas irem ao Fórum, talvez até com uma expectativa de
transformação em alguma coisa – rebuscar a mera escassez de força ainda contida
nesses movimentos para o interior do ambiente do Estado e da crítica
modernizadora de capitais. As emendas sob as quais se limita o Fórum são as
mesmas rezadas durante toda a história para a humanidade, durante todo o
desenvolvimento da forma-mercadoria, que, por sinal, somente foi efetivado a
partir das ações objetivas desta mesma humanidade.
Com toda a certeza, virão, a partir daí,
todos os discursos que dignifiquem a existência de um comboio conspirativo o
qual é o F$B; desde o resgate da soberania cidadã, até uma construção
democrática de alternativas para a globalização do capital. Todos esses
discursos pomposos para elevar aos sonhos social-democratas o mesmo lucro do
qual vivem os magnatas de hoje. A questão nacional, sempre colocada em
destaque, é a melhor forma de contundir as massas e levá-las ao desespero pela
participação em qualquer circo que aparecer. Sim, a democracia está, de fato,
realizada, e o que leva à constipação é exatamente o fato de ela constar, por
si só, substancialmente, na nossa própria condenação à incapacidade, e na nossa
auto-afirmação enquanto escravos em legítima aceitação.
Com essa amostra mais descarada da hipocrisia
que o Fórum representa, ainda pode-se notar, além do conteúdo, a forma
completamente verticalizada como se colocam os espaços do Fórum. Claro, óbvio.
Se as relações sociais que se determinam sob um aparelho do Estado e sob as
designações mercantis se dão de tal forma, o espaço do F$B, que é exatamente o
reflexo mais nítido de tudo o que já existe no mundo de mercado, não seria
diferente. Estudantes (secundaristas, calouros, mestrandos, etc.), a trupe das
ideologias (“istas” em geral), democratas, empresários (pequenos, grandes,
médios), cristãos, sem-teto/terra, amantes de Lula, etc. estarão todos a
interagir numa só cabine de falsidades, onde essa diferença, completamente
abstraída pelos conceitos mercadológicos, é colocada a ver, quando somos
diferentes apenas porque temos a coloração de pele ou a ideologia ou a opção
sexual diversificados e quando somos iguais, pois somos cidadãos. Os de baixo
escutam, enquanto os exploradores e especialistas vomitam seus dogmas
reformistas. Um acampamento paralelo é criado para abrigar e bajular os
“desajustados”, as possíveis ameaças, os que complementam a festa com suas
presenças ainda mais lamentáveis. E assim está concebido o mais efetivo
mecanismo de pacto social já proposto – para além das fábricas, campos e
escolas – em todos os tempos. A festa dramaturga, onde as marionetes estão
propostas a ser nós mesmos.
Paraíso de reformista é a miséria
“Seguindo o mesmo fio condutor desses
‘democratas’, que não é outro senão o que vai da rendição à traição, se afirma
que já não há que exigir justiça para os crimes do Estado, e sim cobrar o
dinheiro que ele paga como reparação. Ou que já não se trata de acabar com a
riqueza, e sim combater a pobreza, omitindo que na primeira está a origem da
segunda.” (Mais Contra o F$M – Texto publicado
pelas Madres de Plaza de Mayo argentinas, em janeiro de 2003.)
Enquanto isso o discurso da pobreza, suavemente,
integra as corporações de terceira via e não-governamentais para o patrocínio
do êxito desses projetos das esquerdas mercantis, do Estado e seus braços. Essa
mesma pobreza é colocada nas telas de redes de TV mundiais, quando se intenta
que o Fórum $ocial Mundial circule pelo mundo, pelos países intitulados
subdesenvolvidos, mesmo que se tente ao máximo ocultar suas cenas mais
deploráveis através de projetos de maquiagem das favelas e das senzalas
exploratórias desses locais, assim como planejam em Belo Horizonte, durante o
Fórum $ocial Bra$ileiro. No entanto, é esse mesmo dialeto da pobreza o mais
cabível aos gerentes da exploração humana. Pois, se um estado-nacional
apresenta sinais de pobreza, não necessariamente quer dizer que as pessoas que sob
ele vivem são incapazes de produzir riquezas. Enquanto é apregoada a miséria e
a despossessão de 90% da humanidade dos frutos da atividade produtiva humana, a
sociedade de mercados, essa separada em classes, continua a se encaminhar
através desse paraíso que são as ações financeiras e o escoamento de
mercadorias em cima das camadas sociais que vendem sua criatividade em nome do
lucro de outras minorias. Se há possibilidades de se condicionar a existência
de uma categoria social que, por si mesma, propicia a apropriação do que
produzimos, os estados-nações não passam de conglomerados de força produtiva
submetidos a uma forma de domínio de classe que reduz as pessoas, assim, à
neutralidade cidadã pela representação estatal.
A manutenção da estrutura produtora de
mercadorias se dá exclusivamente em torno de nossa auto-submissão aos preceitos
que se mantêm para mover um estabelecimento de mercados. O Estado se encarrega
de seu papel salvador, exercido em atos de assistência aos nulos cidadãos
conformados e “excluídos” e em atos de administração da existência desses
mesmos. A pobreza é o único paraíso para a permanência do que já existe. O que
fundamenta e concretiza a fome, a miséria e a nossa não posse sobre
absolutamente tudo do que nos cerca é exatamente a mão invisível que ora
aumenta 2% no salário, ora gera alternativas de atendimentos sociais de saúde,
moradia, etc. e, em tempos de euforia, reprime, à base de extrema truculência,
os desejos da humanidade, cortando funções ou mesmo conduzindo às suas masmorras
do esquecimento –prisões ou asilos de isolamento. É para que se mantenha tal
paraíso, que os reformistas administradores buscam ao máximo perpetuar um pacto
social que impele esses ditos “cidadanizados” a participarem de sua própria
imbecilização, pagando impostos ou participando das farsas de programas
democráticos.
Se continuar sendo a função de todos nós
buscar formas de administração mais adequadas para esse modo de produção que
predomina, estaremos simplesmente gritando para nós mesmos a nossa condição de
extremo masoquismo. A história do capital foi, até hoje, construída às custas
da cegueira de gerações que se colocaram presas ao nó do desenvolvimento da
mercadoria. Já é tempo de se reverter por completo esse processo histórico de
espoliação e buscarmos gerir, nós mesmos, oprimidos em geral, uma luta que
apenas nós queremos travar, a todo instante.
Uma única pergunta: por que não estamos nas ruas?
“(...) Poderá ser autônomo um espaço
construído à sombra do manto dos reis e dos padres? Poderá ser efetivamente
autônomo um espaço construído à sombra do mercado e do Estado? Acreditamos
decididamente que não. A ida ao F$M ‘aproveitando’ a estrutura montada pela
esquerda do capital compromete a capacidade autônoma de gerir as lutas por nós instituídas
na medida em que nos põe concretamente a reboque das iniciativas da esquerda do
capital. A necessidade de ir ao Fórum, aproveitando sua estrutura para
subvertê-la não é mais do que a confissão de nossa própria incapacidade de
autonomamente construir espaços de socialização no antagonismo real ao capital.
(...)” (Mais do Mesmo – Folheto publicado
pelo Coletivo Acrático Proposta, em janeiro de 2002, sobre a não ida do
coletivo ao F$M.)
Torna-se notória a condição mantida a nós
quando nos colocamos frente a frente a tamanha contradição –uma negável e
superável contradição. O fato de termos que nos adaptar às exigências advindas
dos métodos dos Estados e das administrações mercantis para conterem
efetivamente o que os contrapõe –porque, por sinal, os espaços não são mais
conquistados por nós, mas sim cedidos por eles (nossos chefes, cobradores,
superiores) a nós– é a fresca expressão da nossa vulnerabilidade diante da
baixeza das pregações pelego-burocráticas desses empreendedores. Enquanto
convocaram toda a “sociedade civil” para a verdadeira sabotagem –que é o Fórum
$ocial Mundial– aos movimentos sociais autônomos, os economistas e chefes de
Estado do mundo se encontravam na cúpula do Fórum Econômico Mundial para tomarem
decisões sobre o que investirem contra os mesmos que marcaram presença no seu
subproduto: o F$M. Os que foram às ruas em Nova Iorque e Davos, contra o FEM,
sofreram desfalque, quando grande parte de seus solidarizados haviam sido
eficientemente sedados pelas falas retóricas do F$M. Ambos os lados -$ocial e
econômico– estão colocados em uma mesma moeda, em que a falsidade se
complementa. Essa contradição é completada pela extrema confusão de identidade
dos próprios movimentos que são a legitimidade do F$M: nas ruas, contra as
cúpulas mundiais, vão contra certas corporações; no F$M, se cegam frente a elas
mesmas que o patrocinam. Dois míseros exemplos: Fundação Ford e Banco do
Bra$il.
Enquanto são investidos esforços para serem
construídos acampamentos para as verdadeiras massas de manobra das esquerdas
institucionais, o fogo fervilha a rebeldia que se trava nas ruas mundiais
contra o FEM. Outras metades se alojam nos entremeios do F$M para discutir um
“capitalismo humano”. Semelhante a um jogo de escolhas, onde se deve escolher,
entre duas opções, a menos pior ou a mais simpática, os partidários do Fórum
dão o xeque-mate na potencialidade combativa dos movimentos sociais, para
discutir alternativas ao capital e para produzir um espetáculo de diferenças “unanimemente”
ocorrido sob essa diversidade pasteurizada do mundo de mercados. Então, a
pergunta ressoa pelos ares: por que não estamos nas ruas?
A intensidade como chega o desapontamento
causado pelos companheiros de luta que se entregaram de peito para tal
perspectiva, é a que nos leva a (re)afirmar que não estamos nos colocando
contra os movimentos sociais que aderem a essa posição de acatamento às
demandas do Fórum, mas justamente contra O Fórum e o que ele representa frente
a nós. É esse desapontamento o que nos leva a estar convocando esses
companheiros para a elaboração de meios de intercâmbio que superem por completo
esse apego às instituições do Estado e do mercado e que busquem radicalmente a
construção de novos meios de relação. É essa radicalidade a mesma que assusta e
retrai os patrões e corporações mercantis e estatais, levando-os a criarem
estratégias como o F$ para tornar um pouco mais agradável a interação para com
esses movimentos e tomarem para si os espaços que deveriam estar em nossas mãos.
O Fórum $ocial Bra$ileiro tende a ser um
prolongamento da festa da cooptação, que termina quando todas as fases da
resistência estiverem aniquiladas por completo. A resposta já está dada: o
Fórum nos ocupa demais para estarmos nas ruas. A prioridade que vemos os
movimentos globais dando a essa farsa descarada nos faz ir de encontro à nossa
crítica prática e chamá-los de encontro à NOSSA convergência PELA luta
anticapitalista. Esse encontro à convergência tem se dado desde o nosso
dia-a-dia, quando estamos nas filas, nos cruzamos nas ruas urbanas, estamos
juntos a trabalhar na terra que sofre especulação, até os dias de ações
globais, que estão a fortalecer ainda mais a solidariedade mundial contra o
capital. Nosso palco está onde “as ruas, as escolas, os meios de trabalho em
geral expressam nossa incapacidade de gestão de nossa produção, de nossos
espaços, de nosso tempo histórico que se torna pó nas mãos dos carrascos”,
incapacidade que é destruída quando buscamos, através de ações reais inverter por
completo essa lógica de mundo que aí está. Ao irmos ao Fórum estaríamos, num
simples ato, a aceitar a legitimidade de nossa penúria e de nosso estado de
nulidade na história que nos leva, assim como ela vem sendo contada há séculos,
a estar coletivamente sendo parte do processo de sua construção e, também
coletivamente, estarmos sucumbindo sob ela.
Os tapas já foram fortes o suficiente para
que, frente aos imediatismos que surgem na Argentina, na Bolívia, em Chiapas,
anulemos o que foi correspondido em Seattle, São Paulo, Quebec, Praga, Gênova,
etc. para que o F$B passe a responder por essas circunstâncias. O Fórum $ocial
Bra$ileiro é a resposta que eles têm conseguido – com sucesso – dar à autonomia
anti-representativa das ações mundiais dos povos em suas localidades. Agora nos
resta voltar nossas discussões na direção de tais investidas, colocando-as em
xeque para criarmos, nós mesmos, nossos espaços, os espaços da autonomia e da
construção direta da luta. Espaços que estejam todos os dias contra o capital e
contra os esforços dos capitalistas de destruírem a combatividade dos
movimentos sociais globais; espaços que vão contra o Fórum, do mesmo modo que
foram, durante tempos, contra as cúpulas mundiais.
NOS VEMOS NAS RUAS!
Não-Cooptados, contra o Estado e o mercado
23 de Outubro de 2003
[P.D.:]
“O direcionamento está sendo em lucrar em
cima disso. O Fórum Social Mundial na verdade nunca existiu, na realidade é um
fórum comercial. Visando lucrar com a rotatividade de pessoas num período de
férias. Tive oportunidade de estar no Fórum anterior, trocar e-mails, debater,
obter informações. Acredito num mundo melhor (...), sem o oportunismo.” (Relato de Carlos 26, estudante, Poá /SP.)
* Tratava-se do Colectivo
Contra-a-Corrente (logo Proletarizad@s Contra-a-Corrente), do Colectivo
Acrático Proposta e de Comunidade Piracema, alias mais gente -- de
onde logo xurdiu a Rede Anticapitalista de Belo Horizonte. Na actualidade
tenhem desaparecido práticamente como grupos organizados, e as suas aportaçons
teóricas estám semi perdidas na rede, com a exceiçom dumha recuperaçom da web
de Proletarizad@s, que se pode encontrar em: http://www2.autistici.org/contraacorrente/