domingo 20.8.2000
2:25 21-08-2000
Domingo. A primeira grande provação.
Domingo é dia de sentir-se mal. Domingo é véspera de segunda, domingo é o dia em que acontecem a maioria dos suicídios. Domingo é dia de Faustão, dá para ficar mais deprimido?
Acordei tarde e saí para um café na Calçada Bagatela (travessa de pedestres da Rua de Artilharia 1) só para descobrir que a pastelaria não abre aos domingos. Tomo o pequeno almoço numa pastelaria qualquer e vou andar no Parque Eduardo VII, onde as pombas já perderam o medo e o respeito e ficam zanzando por entre a gente. Curto um pouco esse fim de manhã, compro um jornal e decido ir até o Shopping Amoreiras assistir a Shangai Noon, último filme do Jackie Chan, que não vi em New York porque a avant-premiére havia esgotado quando cheguei ao cinema. História engraçada, acabei vendo em Lisboa.
Vou ziguezagueando pelas ruas, e descubro coisas interessantes: que açougue aqui é «talho», que carioca chama pebolim de «totó» porque aqui é «totobola», que há faixas nas ruas prinicpais escrito «bus», preferenciais para ônibus (autocarros) e táxis. E que os taxistas, sempre mal-humorados, vão buzinar até você sair da faixa deles
Aliás os táxis aqui são quase todos beges (há alguns verde-e-pretos, mas ainda não sei a diferença). E quase todos são mercedes . Vai entender. Banalizaram as Mercedes, haha.
Ontem, ao voltar de Ericeira, Sting cantava ao rádio «I'm an alien / I'm a legal alien / I'm an englishman in New York.» Sei como ele se sentiu.
Domingo quase tudo fecha em Lisboa. Principalmente em agosto. Só abrem os centros comerciais (shopping centers) e algumas pastelarias. Os pães são bem gostosos por aqui. Tanto assim que os comemos em todas as refeições. O mais comum é uma pequena broa um pouco mais dura e massuda que nosso pãozinho. O café da manhã costuma ser essa broa com café pequeno ou pão de leite com manteiga, ou merendinha (folhado de queijo e presunto). Uma dica: não peça decaf (it tastes like hell), não é como o descafeinado da Mellita ou do Café do Ponto, por exemplo.
Vou ao cinema para descobrir que, no shopping, o ingresso custa 850$00 aos domingos (600$00 às segundas), os lugares são marcados e eles conversam ao celular se este toca durante o filme. O filme do Jackie Chan é uma porcaria. Dou algumas risadas nos tradicionais erros de filmagem que aparecem no final dos filmes dele e é só.
Saio do shopping e vou descendo a Rua das Amoreiras até a Praça das Amoreiras , ladeada pelo Aqueduto e ao lado da Mãe D'Água (arca d'água, ou cisterna ) das Amoreiras. Aprazível ao extremo, fico ali a tomar outro espresso e observar os rasantes das pombas nas cabeças dos turistas e lisboetas que aproveitam o solzinho. Levanto-me e vou até o Rato: decido testar o metro .
A coisa engraçada aqui é que você compra o bilhete (custa 100$00 nas máquinas ) e tem de inseri-lo nuns postezinhos para marcar que ele já foi usado . Mas não há catracas, o que faz o brazuca pensar em como é fácil dar um chapéu e andar sem pagar. A mancadinha é a seguinte: há uma fiscalização aleatória, feita por fiscais à paisana, que se identificam e pedem a passagem. Caso você não tenha passagem, ou ela tenha passado pela cancela há mais de uma hora, você tem de pagar uma multa de cinco contos (5.000$00 = R$ 50,00). Muitas das coisas aqui funcionam assim: na base da honra e do bom-senso.
Pego a linha amarela até a estação Marquês de Pombal e troco para a linha azul para descer até a Baixa-Chiado e sair no Largo do Chiado , parte velha da cidade. É por ali que decido me perder nas vielas. O passeio mostra belas construções, vielas tão estreitas que alguns carros não passam e alfarrábios interessantes (todos fechados, novidade!), mas a tentativa se mostra um exercício de futilidade, viro e volto, volto e torno e sempre tenho uma referência (o Tejo, por exemplo). Acabo caindo na Praça dos Restauradores , ao lado da Virgin Megastore . Um CD do Parliament (Trombipulation) a 1500$00, uma pechincha, não me deixa sair de mãos vazias. Shame on me.
Subo a pé pela Avenida da Liberdade , observando os detalhes das ruas: as placas de cimento com os nomes da vias, nunca dos dois lados da rua, os cestos para cocô de cachorro chamdos «sacão», os sistemas de irrigação na maioria dos jardins e gramadinhos públicos, e a marca da Kibom aqui se chama «Olá» .
O Pikachu e seus pokémons são uma praga por aqui também, só perdendo para os onipresentes fumantes. Não importa se numa pastelaria, restaurante, praça, escritório: eles acendem mesmo e dane-se. Há uma campanha, tímida, contra o cigarro (Europa contra o câncer), mas ninguém está nem aí. Há outras campanhas, mais inusitadas, uma delas pedindo o fim da violência contra as mulheres (ao que parece os maridos ainda surram suas esposas por aqui) e outra pedindo o referendo na questão das drogas : eles estão pensando em liberá-las, como em Amsterdã.
Ah, mais uma coisa: atendendo às perguntas sobre as portuguesas, aí vai: não tenho ainda opinião formada. Fechei o coração para balanço. Vocês vão ter de aguardar mais um tempo para saber. Haha.
«On my own / would I wander through this wonderland alone / never knowing my right foot from my left / my hat from my glove / I'm too misty / and too much in love.»
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