Capítulo 13

Sub-ártica Oriental

Julio Cezar Melatti

Línguas e População
da Sub-ártica Oriental
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Compreende a península do Labrador, a margem meridional das baías de Hudson e de James, prolongando-se para oeste até as vizinhanças do rio Churchill e do lago Winnipeg, nas províncias canadenses de Quebec, Ontário e Manitoba. Quando os europeus chegaram, os índios desta área estavam além dos limites setentrionais das plantas então cultivadas na América do Norte. Eram caçadores e coletores sem agricultura e sem cerâmica.

O comércio de peles

Ao tratar do comércio de peles, Eric Wolf (1982, cap. 6) não faz referência à península do Labrador, o que não implica em negar que seus habitantes indígenas estariam articulados com seus intermediários junto aos franceses, os hurons, sucedidos pelos ojibwas.

Mas Wolf dirige sua atenção para a faixa de terra entre a baía de Hudson e os Grandes Lagos ao tratar da atuação de uma nova companhia de comércio, a Hudson Bay Company, que estabelece em 1668 um forte na foz do rio Rupert, que desemboca no fundo da baía James. Estabelece depois outros postos, atraindo os índios crees e assiniboins. Um dos atrativos para esses índios eram as armas de fogo. No período de 1689 a 1694 a companhia ofereceu a cada ano, no seu comércio com eles, mais de 400 armas de fogo. Com elas os crees e assiniboins enfrentaram seus competidores, os sioux ao sul, os gros ventres e blackfoot a sudoeste, os atapascos ao norte. Note-se como a atuação dessa companhia constituiu um fator de deslocamento geográfico desses povos, uma vez que a maioria de seus etnônimos vão posteriormente aparecer associados às Planícies: sioux, gros ventre, blackfoot, assiniboin e, parcialmente, cree.

Os franceses apoiaram-se nos sioux ou dakotas na disputa com a Hudson Bay e os aliados desta, os assiniboins e crees. Isso levantou entre os ojibwas a suspeita de que iriam perder seu papel de intermediários junto aos franceses para os sioux. Por isso, aliaram-se aos crees e assiniboins contra estes. Os crees e assiniboins também avançaram sobre as terras dos atapascos até o rio Churchill. Mas a criação de um forte neste rio deu aos atapascos a oportunidade de terem suas próprias armas de fogo (Wolf, 1982, pp. 172-173).

Resistência dos métis (mestiços)

Quando a França perdeu para os britânicos suas possessões na América do Norte em 1763, deixou entregues a estes uma população que incluía brancos, indígenas e também mestiços envolvidos no comércio de peles. A língua com que se comunicavam entre si era o francês. E a religião dos brancos, a católica, também era a dos mestiços e dos índios com mais contato. Tal população viu-se submetida aos novos dirigentes, que dela diferiam por língua e religião. Um século depois organizava-se o Domínio do Canadá, que adquiriu em 1869 a Terra do Príncipe Rupert. Esse era o nome de uma enorme área cujas águas, de rios e lagos, correm para a baía de Hudson, concedida pelo Rei Carlos II, da Inglaterra, à Companhia da Baía de Hudson, criada em 1670. Rupert era o nome de um primo do rei e que foi o primeiro diretor da Companhia.

Empenhado em colonizar as terras recém-adquiridas, sobretudo aquelas próximas à fronteira com os Estados Unidos, que, na sua vigorosa expansão, poderia vir a incorporá-las, o governo canadense não deu a devida atenção à população métis (mestiça) que habitava ao longo do rio Red, que corre dos Estados Unidos para o Canadá, desembocando no lago Winnipeg. Havia também uma população de origem inglesa (mestiça?) ao longo do rio Assiniboine, afluente do rio Red. Na confluência dos dois rios ficava o Forte Garry, atual cidade de Winnipeg. Como não dispunham de títulos de propriedade, os métis começaram a se preocupar com as medidas tomadas pelo governo para fazer o levantamento das terras de modo a prepará-las para a imigração. Além disso, sem qualquer consulta a seus habitantes, o governo canadense nomeou, para governar temporariamente a Terra do Príncipe Rupert, William McDougall, pessoa que, por sua ligação com o movimento político Clear Grit, seria inimigo dos católicos e francófonos.

Um dos métis, Louis Riel, assumiu a liderança da resistência a essas ameaças. Após a morte de seu pai, ele tinha abandonado os estudos para ser padre, em Quebec, onde também lhe fora recusado o casamento com uma jovem franco-canadense, possivelmente por preconceito racial. Os métis fizeram parar os trabalhos de levantamento das terras e também ganharam o controle do Forte Garry. Alegando a falta de autoridade legítima na região, estabeleceram seu próprio governo. Apesar de o governo canadense mostrar-se propenso a negociar, o governador McDougall insistiu em penetrar nas terras do rio Red, mas teve os suprimentos apreendidos bem como vários integrantes de suas tropas. Um deles, tendo se insubordinado contra os que o guardavam, foi executado.

Apesar das dificuldades criadas por essa execução, os métis tiveram suas reivindicações atendidas pelo Manitoba Act, de 1870, que integrava Manitoba ao Canadá como província, como queria Riel, e não como território. Entretanto, o tamanho da província então era pequeno, e as terras da Coroa e os recursos naturais ficavam sob a jurisdição do Domínio do Canadá e não da província, como acontecia com as mais antigas. A legislatura, ao invés de ser unicameral, como Ontário, teria duas casas, como Quebec. Tanto o inglês quanto o francês seriam línguas oficiais das casas legislativas e dos tribunais. As escolas confessionais tanto católicas como protestantes eram permitidas. Assegurava-se o título de propriedade aos que estavam estabelecidos ao longo dos rios na data da integração da província, e ainda destinavam-se 1,4 milhões de acres (556.558 hectares), divididos em lotes de 240 acres (97 hectares) para os filhos dos mestiços que aí viviam na mesma data.

Entretanto, o governo insistiu em mandar tropas para a região quando elas não eram mais necessárias. Indisciplinadas, elas cometeram muitos abusos contra a população local. Morosidade e dificuldades burocráticas afetaram a concessão dos títulos de terras. A anistia prometida para Louis Riel não foi concedida. Devido a todos esses problemas, muitos métis deslocaram-se mais para oeste, para o Saskatchewan (Miller, 1989, pp. 152-160).

Louis Riel foi viver nos Estados Unidos. Mas sua história não termina aí. Em 1884 uma comissão de métis do Saskatchewan foi convidá-lo a voltar para assessorar mais um movimento político contra a atuação do governo canadense. Reunia métis, brancos e índios, nos dois formadores principais do rio Saskatchewan. Por conseguinte, na parte norte das Planícies. Porém Riel já não era mais o mesmo. Com forte suspeita de problemas mentais, tinha idéias visionárias, que envolviam até a transferência da sede papal para o oeste canadense. Diante do estado mental e das idéias de Riel, o clero católico, que lhe dera suporte quando dos acontecimentos do rio Red, foi o primeiro a retirar-lhe o apoio. Os brancos, cuja reivindicação era mais rapidez no processo de regularização das terras, afastaram-se logo do movimento. Os índios crees, lesados pelo empenho do governo em não lhes reconhecer uma área maior de terras, como Cypress Hills (na atual fronteira meridional entre Saskatchewan e Alberta), por medidas para impedir reuniões entre moradores de diferentes reservas, por disposições que permitiam funcionários depor chefes, por manipular a distribuição de alimentos até a beira da fome para obter obediência a suas decisões (não havia mais bisões), tiveram alguns choques de pouca importância com as tropas, quando líderes mais jovens por um momento afastaram os velhos, que voltaram a se empenhar no estabelecimento da paz. Os métis, de novo preocupados em terem seus direitos à terra esquecidos em favor dos novos imigrantes, com a possível perda das concessões que lhes tinham sido feitas quando ainda em Manitoba, e ainda alegando que sua ascendência indígena lhes dava direito às indenizações pagas aos índios pelas cessões de terra, é que assumiram mais firmemente o confronto. O governo, que difundia notícias alarmantes, aumentando a dimensão das escaramuças ocorridas, podia fazer suas tropas alcançarem com mais rapidez e vigor os rebelados, pois a estrada de ferro já chegara à região. Riel, aprisionado, foi julgado e executado. Dois velhos chefes crees, apesar da sua moderação e de seus esforços em conter seus liderados, foram condenados a três anos de prisão, mas tiveram a pena relaxada antes de seu término. Outros 42 índios também foram condenados sob diversas acusações, em processos menos cuidados do que os referentes a brancos e mestiços, dados os preconceitos dos júris euro-canadenses e a vontade do governo em impor-lhes a mais completa submissão (pp. 170-188).

Os crees e as hidrelétricas de Quebec

A partir de 1970, os índios crees que estão a leste da baía de James começaram a ter seu modo de vida radicalmente modificado pelo projeto e realização de grandes barragens nos rios que correm para essa baía, a começar pelo rio La Grande, que teve desviados para seu curso os rios vizinhos que lhe estão ao norte e ao sul. O livro do jornalista Boyce Richardson (1991) relata com detalhes a tomada de consciência dos crees para a ameaça que pairava sobre suas terras e seu modo de viver, sua movimentação para organizarem-se, a defesa de seus direitos nos tribunais canadenses, seu acordo com os governantes diante da impossibilidade de deter a realização da primeira etapa do projeto, pois acompanhou assiduamente todas essas etapas.

Até então os crees dessa região eram principalmente caçadores e instaladores de armadilhas. Ainda que o autor do livro e os próprios índios tomem a atividade de caça e de pesca e os conhecimentos a elas relacionados como a marca cultural dos crees, vale lembrar que ela certamente não se fazia tal como nos tempos pré-europeus, pois fora afetada pela atuação, desde o século XVII, da Companhia da Baía de Hudson, que adquiria dos índios as peles dos animais que abatiam, principalmente do castor. Os postos de troca, o adiantamento de alimentos e artigos industrializados a serem pagos com as peles (tal como o sistema de aviamento amazônico) ainda perdurava. Cada caçador tinha seu caminho de armadilhas e de caça (tal como as “estradas” de seringueiros amazônicos), faziam longos percursos em canoas pelos rios, passando de uns para outros, levando as canoas nos ombros, quando pequenas, ou deslizando-as sobre troncos, quando maiores (o que lembra os varadouros amazônicos). Antes do inverno se instalar, cobrindo-as com neve e gelo, o caçador percorria seu caminho para localizar as barragens dos castores, pois havia uma quota de abate desses animais, de um por barragem. Dependendo dos recursos de cada um, os trajetos eram feitos a pé e de canoa, ou por avião ou snowmobile (skidoo). A língua cree se mantinha e os mais jovens dominavam também o inglês.

A região em que se construiriam as hidrelétricas faz parte da província de Quebec. O autor chama a atenção mais de uma vez para a ironia da situação. Seus moradores não-índios, de origem e língua francesa, reivindicantes de maior autonomia e mesmo separação da federação canadense, mostravam total desinteresse pela ameaça que pairava sobre os direitos de uma minoria ainda mais antiga, os crees. Além do mais, o objetivo do projeto hidrelétrico era a venda de energia a estados do país vizinho, como o Maine, Vermont e New York.

O autor relata suas visitas às comunidades crees, detém-se na descrição de pessoas que se destacavam como líderes, habilidades de caça ou no desempenho de atividades relacionadas às relações com os brancos; reproduz debates nos tribunais, aponta como a subida das águas nas barragens afetaria ou destruiria os caminhos dos caçadores, deslocaria comunidades, aumentaria a quantidade de uma forma orgânica de mercúrio produzida pela ação de certa bactéria nas árvores recobertas pelas águas, tornaria impossível a reprodução de certas espécies de peixes, diminuiria a superfície usada pelos animais de caça. Ameaças ao ambiente, hábitos de animais, peculiaridades culturais dos crees, suas reivindicações, são apresentadas na reprodução de conversas, depoimentos e debates no tribunal, por índios, missionários, antropólogos e outros profissionais: respeito aos animais (p. 88), a cabana mágica sacolejante (pp. 89-90), regime fluvial (p. 102), aves migratórias (p. 102 ), quota de caça de castor (p. 109), descrição do líquen (p. 129), peixes (p. 143), alimentos do castor (p. 169), ambiente do caribu (p. 181), uma versão cree do dilúvio bíblico (pp. 182-184), hábitos do castor (pp. 187-188), os internatos como desestimuladores do uso da língua cree entre os jovens (p. 188) e vários outros temas.

A petição dos crees ao Tribunal Superior de Quebec no final de 1972 (pp. 18-19) foi longamente debatida em muitas seções, defendida pelo advogado dos crees e objetada pelos advogados das grandes corporações envolvidas no projeto, a Hydro-Quebec, a James Bay Development Corporation e a James Bay Energy Corporation. Uma e outra parte apresentaram inúmeras testemunhas. Pelos crees, os próprios índios, os mais velhos valendo-se dos mais jovens como intérpretes. Antropólogos, biólogos, psicólogos, técnicos, missionários, por um e por outro lado. Os oponentes dos crees faziam seus depoimentos no sentido de mostrar que eles já não dependiam da caça, usavam utensílios, roupas, alimentos adquiridos em casas comerciais. Os crees e seus defensores fundamentavam seus argumentos no direito à terra, na conservação dos animais e plantas, na poluição das águas dos lagos artificiais em que submergiriam as árvores da floresta. Quase no final de 1973 foi emitido o veredicto, em favor dos crees, que proibia a continuação dos trabalhos de construção de barragens, diques, estradas, viadutos e ainda qualquer dano ao meio e aos recursos naturais da região em questão (p. 296).

Os oponentes dos crees recorreram então ao Tribunal de Apelação de Quebec, que numa breve seção, sem mesmo fazer menção à presença indígena na região afetada pelo projeto hidrelétrico, suspendeu o veredicto do tribunal precedente (pp. 300-301). Os crees então recorreram ao Supremo Tribunal do Canadá, em Ottawa, que alegou só poder definir-se após o completo julgamento da matéria pelo Tribunal de Apelação de Quebec (p. 301).

Preocupado com o atraso das obras que poderia ser motivado pela demora no caso nos tribunais, o governo de Quebec fez uma proposta aos crees e inuits (estes pouco focalizados no livro). Oferecia-lhes 100 milhões de dólares, dos quais 40% em dinheiro e 60% em royalties. Oferecia-lhes uma corporação para usar esta quantia na promoção de desenvolvimento econômico e social, e treinamento em programas que envolvessem os nativos na exploração da atividade turística na área; garantia-lhes o direito de caça, pesca e armadilhas nas terras desocupadas da Coroa; direito de armadilhas exclusivo em terras designadas por acordo entre os dois lados; e oferecia-lhes duas mil milhas quadradas (518.000 hectares) de reserva no norte do província de Quebec, alocadas na base tradicional de uma milha quadrada (259 hectares) por família de cinco pessoas (p. 304).

Em novembro de 1975 foi assinado o acordo entre o governo e os crees e inuits. Richardson (pp. 322-326) faz uma especificação detalhada das compensações estabelecidas pelo acordo, que não são exatamente as inicialmente propostas, em forma de dinheiro, bônus, debêntures, royalties, a serem pagos em vários anos, administrados sob a supervisão de uma Autoridade Regional Cree. Distinguia a terras em três categorias, desde aquelas atribuídas aos nativos situadas em torno das comunidades até aquelas de que abririam mão definitivamente. Estabelecia regimes de administrar a terra, espécies animais destinadas ao uso exclusivo dos nativos, administração de providências relativas ao meio ambiente.

O autor faz ainda referência à eliminação da represa mais próxima à foz do rio La Grande, mas que depois por subterfúgios acabou sendo construída. E ainda relata que posteriormente o governo quebequense começou a planejar a construção de novas represas tanto ao norte como ao sul da já construída. Porém dessa vez não encontrava oposição não apenas dos crees, mas também da opinião pública dos Estados Unidos, que desenvolvera toda uma orientação no sentido da poupança e conservação de energia.

Do ritual ao teatro

Um interessante artigo de Gary Granzberg (1989) focaliza a atuação de um homem de uma comunidade cree de cerca de 3.000 indivíduos, localizada a uns 800 quilômetros ao norte da cidade canadense de Winnipeg. Historicamente um centro de comércio (de peles?), era-o também de atividades escolares, missionárias e de saúde, passando posteriormente a contar com aeroporto, hospital, ensino de segundo grau, estação de rádio e de televisão, além de sediar auto-governo e discussão de assuntos nativos. A par dessa modernização, continuou ativa a tradição xamânica e a caça ou captura de animais por armadilhas (pp. 104-105).

O homem que foi objeto da atenção do autor na sua pesquisa de meados dos anos 1970 desempenhava um papel crítico no confronto dessas forças modernas e tradicionais, e sua atividade era multifacetada: homem de idade, xamã, contador de histórias, tradutor, figura influente nas operações de rádio e televisão locais, e, antes de sua aposentadoria, caçador por armadilhas, soldado do fogo, ministro leigo da Igreja Unida, e ainda professor, bedel e administrador escolar. Envaidecia-se muito dessas três últimas atividades e em cada qual era apelidado por um gracejo (p. 105).

Acentuava sua identidade com Weesakayjuc, o trickster da mitologia cree. Tinha até encontrado na sua trilha de armadilhas de caça uma pedra em que esse herói tinha se sentado, deixando nela o molde de suas nádegas, no qual as dele se ajustavam perfeitamente. Contava também como num inverno, num abrigo de sua trilha de armadilhas, se encontrara com um homenzinho minúsculo, mas que aumentava de tamanho bem acima da estatura comum dos homens, e de força também sobre-humana, que lhe prometeu ajuda toda vez que a solicitasse. Depois foi diminuindo até desaparecer, sem deixar rastros. Tal encontro se repetiu noutro abrigo mais adiante. Era uma experiência semelhante à clássica busca da visão de um espírito protetor e à qual reputava ter-lhe favorecido com grande poder (pp. 105-106).

Se como xamã ele achava corpos (pessoas, objetos?) perdidos, predizia o futuro, lidava com a feitiçaria, tratava de doenças e participava de reuniões onde se discutia a interface das práticas médicas tradicionais com as modernas, por outro lado traduzia a Bíblia, ensinava as crianças a verter do inglês para o silabário cree, mostrava aos universitários como interpretar os símbolos das histórias crees em lições práticas, fazia conferências religiosas como ministro leigo e participava da diretoria que controlava o uso do rádio e da televisão pelo bando. Enfim, comportava-se como um mediador entre dois mundos (p. 107).

O autor do artigo reproduz como exemplo três histórias contadas por ele: uma para crianças da escola da reserva; outra escrita de próprio punho para o autor e contada a estudantes universitários; e a terceira apresentada à turma de alunos universitários do autor. As histórias são inspiradas na mitologia cree. Em cada caso o narrador dá explicações mais ou menos longas, responde perguntas ou deixa detalhes para serem pensados pelos ouvintes. De um modo geral o narrador sugere o abandono da passividade e a procura ativa de soluções, sobretudo no sentido de superar modos de ser e relações conflituosas em favor de uma integração ou convivência mais criativa entre o tradicional e o moderno (pp. 108-115).

O exemplo desse homem, de sua maneira de expor suas narrativas e outras experiências, leva o autor a fazer alguma reflexão relativa à passagem do ritual ao teatro, sob orientação de textos de Victor Turner, para quem esse movimento se inicia com a mudança econômica e social, a partir de formas de liminaridade do contexto ritual. No caso dos crees, essa mudança econômica e social está atrelada às relações com os brancos. Atos rituais e episódios míticos, relacionados de modo rígido a idéias cosmológicas e padrões sociais, se flexibilizam ao serem expostos a novas situações e problemas suscitados pela inserção numa sociedade mais ampla e contarem com novos meios de exposição. E podem chegar a tomar a forma de teatro propriamente dito, como acontece com a peças escritas pelo autor cree Tomson Highway (pp. 115-118).

Quadros de população

Os índios Cree são originários desta área, mas tiveram uma expansão para oeste no período colonial. Seu número no Canadá indicado no quadro "Sub-Ártica Oriental" não se limita a ela. Como se pode ver no quadro "População Cree no Canadá", o total referente a este país reúne as populações Cree de Quebec, Ontário, Manitoba, Saskatchewan e Alberta. Também não se fez a distinção entre os Cree das florestas dos Cree da área das Planícies. Supostamente, todos os Cree dos Estados Unidos são das Planícies. No que tange ao Canadá, parte dos arrolados em Manitoba, Saskatchewan e Alberta devem sê-lo também. A fonte consultada para o Canadá (ILO) nem sempre distingue a população de cada etnia nas unidades legais em que hoje se agrupam os índios (first nations, bands etc.). No quadro "População Cree no Canadá" estão indicados os números que não pude dissociar por etnias.

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Web-grafia

The Atlas of Canada:
http://atlas.gc.ca/site/index.html

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