Textos extraídos do jornal "O Estado de S. Paulo" |
![]() 04 de julho de 1997 Data marca luta de SP pela democracia O governador Mário Covas (PSDB) promulgou em 5 de março a Lei nº 9.497, que instituiu o dia 9 de julho como feriado civil, com base na Lei Federal nº 9.093/95, que autoriza cada Estado a escolher sua data magna. No dia 9 de julho de 1932 teve início a Revolução Constitucionalista, movimento deflagrado pelos paulistas contra a ditadura de Getúlio Vargas, que não queria promulgar nova Constituição para o País. O movimento, que contou com mulheres na retaguarda e homens nos campos de batalha, objetivava restabelecer a democracia. Durante os quase três meses da revolução, cerca de 300 mil homens participaram das lutas. O principal resultado do movimento iniciado pelos paulistas ocorreu dois anos mais tarde, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. (R.B.) |
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09 de julho de 1997
Feriado lembra luta por Constituição Data marca o maior conflito militar ocorrido no Brasil neste século Hoje, pela primeira vez na história de São Paulo, o dia 9 de julho - considerado até então ponto facultativo - entra para o calendário oficial de feriados do Estado, passando a ser a principal data a ser comemorada pelos paulistas. Dia da Revolução Constitucionalista de 1932, o 9 de julho representa, na história do País, o marco do maior conflito militar ocorrido no Brasil neste século. A decretação do feriado, um projeto de autoria do deputado estadual José Guilherme Gianetti (PMDB), assinado em março pelo governador Mário Covas, tornou-se possível porque uma lei federal de 1995 passou a permitir que cada Estado tenha um feriado oficial por ano. No Estado de São Paulo daquela época, o movimento por uma Constituição para o País conseguiu unir a elite e a classe média contra o governo de Getúlio Vargas. Movidos pela frase "Getúlio nos traiu", que ecoava em todo o território paulista, 135 mil homens aderiram à luta, que teve três meses de intenso combate e terminou com 830 soldados mortos. Revoltada com a nomeação de interventores por Getúlio Vargas para governar os Estados, a sociedade paulista começou a articular-se a partir de uma aliança encabeçada por Julio de Mesquita Filho. Formou-se então a Frente Única Paulista, unindo democratas e republicanos pela convocação de uma assembléia constituinte. O dia 23 de maio, também lembrado em São Paulo, é a data em que os primeiros protestos contra a política intervencionista tomaram corpo. Nesse dia, durante uma passeata, quatros estudantes - Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo - foram mortos em choque com a polícia getulista e tornaram-se mártires da revolução, dando origem ao Movimento MMDC. O dia 9 de julho é lembrado como a data em que a revolução estourou. Dois anos após o combate, 1934, o objetivo dos paulistas foi alcançado, com a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. "A comemoração dessa data é de grande importância para o povo de São Paulo, pois contribui para o restabelecimento da dignidade paulista e do País", diz o administrador de empresas Adolfo Cilento Neto, integrante do MMDC e oficial de cavalaria da reserva do Exército. Segundo ele, "mais do que uma data, o 9 de julho é uma lição de civismo e patriotismo, mostrando a união da sociedade em torno de um ideal comum". |
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12 de julho de 1997
Nove de Julho - Revolução de 32 aponta o valor da autonomia diante de um Estado centralizador A resolução do governador Mário Covas de declarar feriado o dia 9 de julho merece gerais aplausos, pois nenhuma data deve ser tão cara à gente paulista do que essa, que representa não somente seu amor à democracia como o brioso sentimento de seus valores próprios. Se me perguntassem qual é o sentido mais alto da Revolução de 32, não vacilaria em declarar que foi o da autonomia de nosso Estado. Digo isso como um dos soldados remanescentes desse dignificante ato revolucionário. Foi talvez essa a razão que levou a Sociedade Veteranos de 32 - MMDC a outorgar-me a medalha Pedro de Toledo, quarta-feira, junto ao Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Parque do Ibirapuera. Foi o laurel que até agora mais me comoveu, pois me fez voar 65 anos até o momento em que, estudante na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, me encontrava em um momento de indecisão, convencido de que não podia mais continuar apegado à doutrina marxista, muito embora sem abandono dos valores sociais, buscando compor democracia com justiça social. A Revolução de 30, fonte direta da reação armada paulista, tinha dois sentidos que deviam ter sido complementares para bem do povo e, para infelicidade nossa, até agora não foram conjuntamente alcançados. Um era de natureza política, em prol do Estado de Direito, tal como o pregava a Aliança Liberal; o outro referia-se às reivindicações sociais, que o pretenso "socialismo científico" acabou absorvendo rumo ao Estado Totalitário. Pode-se dizer que, com Getúlio Vargas no poder, ambos os ideais foram abandonados, adiando-se indefinidamente a constitucionalização do País, e, como engodo, surgiu a triste idéia do "peleguismo", ou seja, da organização sindical à sombra protetora do Estado. Mas a história, como bem ensina Fernand Braudel, deve ser analisada segundo suas "conjunturas", à luz de suas peculiares circunstâncias. Ora, como saliento em minhas Memórias, o que, na época, mais afligia a gente paulista - sem olvido dos princípios democráticos violados, mas, no fundo, em razão deles - era o opróbrio que sofríamos, dado o desprezo do todo-poderoso Governo Provisório federal por nossa autonomia. O que, em suma, mais nos revoltava era a sujeição de nosso Estado ao ultrajante domínio alheio, sobretudo quando comparávamos a nossa situação com a de Minas Gerais, que conservara até o seu governador. Sentíamo-nos todos espezinhados, como se não tivéssemos participado do movimento revolucionário de 30, com títulos pelo menos iguais aos de vários Estados contemplados com o galardão do autogoverno, não obstante com as limitações decorrentes de uma fase de transição. É por tais motivos que qualifiquei a Revolução de 32 por seu valor dominante, o da autonomia, base essencial do ordenamento federativo, o que é bom lembrar, pois, ao longo dos anos, mesmo sem precisar pensar no Estado Novo, a nossa se tornou uma federação altamente centralizada, sobretudo no que se refere à ordem econômica. Foi dito que ao movimento paulista ficou alheio o proletariado da capital, contando apenas com a classe média e a população do interior, tanto da área urbana como da rural. Muito embora desconheça dados estatísticos confiáveis a respeito, é possível que em parte assim tenha sido, pois me lembro que uma de nossas manifestações estudantis pró-Constituição foi dispersada por numerosa coluna de operários pertencentes à Legião Revolucionária chefiada pelo "general" Miguel Costa, em defesa dos interventores militares que então governavam do palácio dos Campos Elíseos. No segundo pelotão do Batalhão Ibrahim Nobre, que, por não ter completado o necessário efetivo, fora integrado nos quadros da Força Pública, eu tive o prazer de conviver com estudantes (em maior número), operários e componentes da FP, esses encarregados da pequena metralhadora que nos fora atribuída. É aqui que começam as nossas decepções, pois, se havia dedicação e até mesmo heroísmo por parte dos que foram espontaneamente às frentes de combate - e eu fui guindado ao posto de sargento, por ser o único reservista em meu grupo da Faculdade de Direito -, a decisão de desencadear o movimento fora tomada por seus líderes, cientes da deficiência de forças militares devidamente preparadas, bem como do imprescindível material bélico, talvez contando com promessas de adesões valiosas, que não foram sabidamente honradas. São Paulo ficou só, mas, nem por isso, faltou a seus deveres cívicos, numa improvisação surpreendente. Não é o caso de indagar, no presente artigo, das causas de nosso insucesso, nem de apurar responsabilidades, pois o que conta na Revolução de 32 é a sua razão histórica, mesmo porque há uma equivalência ética entre ganhar ou perder as batalhas do ideal. Nos combates travados, que Hernani Donato soube retratar com admirável acuidade, procuramos suprir a carência de armas com engenho e alma. Nem se poderá dizer que não houve vitória alguma atribuível ao nosso grandioso gesto, pois, sem ele, não teria havido restituição de nosso poder civil, nem a Constituição de 1934, destinada a ter poucos anos de vigência por outros motivos, objeto de conhecidos estudos de historiadores e politicólogos. O certo é que, nos anais da história pátria, MMDC marca com letras de fogo a unidade e a autonomia da gente paulista, que agora um grupelho de insanos tenta desmembrar. Mas esse é assunto que exige artigo especial.
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7 de agosto de 1997
Associação reúne ex-combatentes de 32 Sociedade Veteranos de 32-MMDC mantém vivos os ideais da Revolução Constitucionalista MARCUS LOPES Era julho de 1932. No quartel do 2º Batalhão de Engenharia, o soldado 143 aguardava instruções. "O soldado era o que menos sabia o que estava acontecendo", lembra Paulino Delfino Nogueira, o 143. Eles saberiam seu destino apenas na noite do dia 9, quando receberiam ordens para deixar o quartel, na Vila Mariana, e seguir para a Estação da Luz. O batalhão atravessou a cidade em bondes especiais, saudado pela população por onde passava. Na Luz, embarcaram no trem e seguiram para o Vale do Paraíba. Iriam lutar na Revolução Constitucionalista de 1932 e por em prática o treinamento recebido no quartel, hoje Instituto Biológico. As aulas de tiro eram realizadas onde está o Parque do Ibirapuera. Nogueira é um dos integrantes da Sociedade Veteranos de 32-MMDC. A associação foi criada no fim da revolução, mas foi oficializada apenas em 1954. Idealismo - "Nosso propósito é manter vivo os ideais de 1932", explica o atual presidente, o coronel Ary Canavó. Eles estão resumidos na frase inscrita na bandeira do Estado de São Paulo: "pro Brasilia fiant eximia" (tudo pelo Brasil). Uma das funções do grupo é zelar pelo Monumento Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932, no Ibirapuera. O museu abriga fotos, documentos, livros, objetos e recortes de jornais referente à revolução. A associação também organiza e está presentes em datas importantes, como 23 de maio, 9 de julho (início da revolução) e 2 de outubro (fim dos combates). "Além disso, visitamos todos os campos de batalha", explica Canavó, filho do soldado José Canavó, ex-combatente. No ano passado, ele representou a sociedade no aniversário da Revolução Farroupilha, em Porto Alegre (RS). Ontem, foram a Queluz, no Vale do Paraíba, palco de combate entre revolucionários e legalistas. A associação também é responsável pela nomeação do comandante do Exército Constitucionalista, revezado anualmente por um veterano. MMDC - Conversar com os ex-combatentes é a oportunidade de aprender história com quem a viveu. Um deles é o jornalista Silveira Peixoto, que percorria o Estado de carro, levando informações da Capital para os campos de batalha. Peixoto conta que, na noite de 23 de maio de 1932, houve agito no centro. Na Praça do Patriarca, alguém chamou a população para seguir até a sede do Partido Popular Paulista (PPP), favorável a Getúlio Vargas, na Praça da República. Dentro do prédio, os legalistas resistiram. Como os revolucionários não conseguiam entrar, chegaram duas escadas para que populares invadissem. "A população de São Paulo estava conosco", lembra o jornalista. Um jovem subiu e tomou um tiro. Mais quatro tentativas frustradas, resultando em cinco mortos: Martins, Miragaia, Drausio, Camargo e Alvarenga. O último faleceu meses depois. No dia seguinte ao tumulto, num jantar no restaurante Posilipo, foi fundado o MMDC, grupo que exerceu importante papel no episódio de 32.
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9 de julho de 1998
Veteranos relatam luta contra ditadura Vargas Eles participam hoje do desfile em homenagem aos 66 anos do Movimento Constitucionalista ROSA BASTOS Fardado e com o peito cheio de medalhas, o soldado veterano Paulino Delsino Nogueira, de 88 anos, participa, hoje, da parada cívico-militar em homenagem aos 66 anos da Revolução Constitucionalista de 32, diante do Obelisco do Ibirapuera. Fuzis, capacete, boina, cantil e outros pertences que ainda guardava em casa, como lembrança dos combates, ele emprestou para uma exposição sobre o movimento, no 2º andar do Palácio da Justiça, na Praça da Sé. Doente e abatido por duas cirurgias recentes, o jornalista José Benedito Silveira Peixoto, de 89 anos, outro veterano - duas vezes ferido em batalhas, uma delas, gravemente, na cabeça - não tinha certeza se iria ao desfile, como faz todos os anos. Vontade não lhe falta. "Quando era jovem, levei um baionetaço e agüentei firme." Sentimento - Lúcido e falante, Peixoto afirma que a revolução contra a ditadura de Getúlio Vargas representou um dos episódios mais marcantes das lutas civis brasileiras. "Foi o maior movimento armado que tivemos no Brasil e não somente pelos recursos humanos e materiais usados, mas pelo que inspirou: o sentimento de que o Brasil voltasse ao estado de direito." Ele era oficial comissionado e usava um parabélum, uma pistola automática de origem alemã, que foi entregue à Polícia Militar depois da guerra. O antigo repórter, que cobria a área de política "e tudo o que aparecesse", lembra-se de ter combatido no "mesmo bloco do Julinho Mesquita". O jornalista Julio de Mesquista Filho liderou a Frente Única Paulista, que unia democratas e republicanos pela convocação de uma Assembléia Constituinte. No Estado de São Paulo daquela época, o movimento por uma Constituição conseguiu juntar a elite e a classe média contra o governo de Vargas. Movidos pela frase "Getúlio nos traiu", que ecoava em todo o território paulista, 135 mil homens aderiram à luta que durou três meses e terminou com 830 soldados mortos. Solenidade - Há alguns dias, o coronel do Exército Ary Canavó, presidente da Sociedade Veteranos de 32, acompanhou o alfaiate Paulino Delsino Nogueira a Queluz, município no Vale do Paraíba, para uma solenidade aos heróis da revolução. "Onde está a estrada de ferro?", perguntou Nogueira, ainda na Via Dutra. "Está do outro lado do rio", informou o coronel. Nogueira pôs-se a chorar, lembrando que, há 66 anos, embarcara ali num trem para a luta. Armado de fuzil, participou de vários combates contra um inimigo bem armado. "Tinham metralhadora e até um avião, um tal de Vermelhinho", conta. "Quando ele vinha, nós corríamos para o esconderijo." Com dois filhos, cinco netos e um bisneto, Nogueira mora com a mulher e recebe uma aposentadoria de R$ 300,00 do governo do Estado. Hoje, ele passa o comando do Exército Constitucionalista ao coronel Atiliano Martins Correia, que ficará com o cargo até o próximo ano. "A Revolução foi importante para São Paulo, para o Brasil e para o mundo", acredita Canavó. "Antecedeu em sete anos o conflito contra o nazi-fascismo na Europa." |
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26 de janeiro de 1999
Livro resgata as histórias da Revolução de 32 MARIA PAULA DA COSTA AGUIAR TOSCHI Especial Trabalhei na Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo desde o início. Assisti a centenas de espetáculos comoventes da generosidade do nosso povo. Os que nada tinham para dar traziam suas alianças, o símbolo de sua união conjugal, dando a São Paulo o ouro precioso do seu amor... Não me esqueço de uma pulseira de ouro, da largura de uns 2 dedos, com três brilhantes que deviam ter pelo menos 1 quilate cada um... Vi também o ouro já fundido em barras, armazenado como garantia dos bônus que já começavam a circular. Aos que faziam donativos era conferido o diploma "Dei Ouro para o Bem de São Paulo". Quando começaram a circular as primeiras notícias do acordo (que poria fim ao conflito), o pavor apoderou-se da organização da campanha. E se o governo federal tomasse posse daquela imensa riqueza? Às pressas se lavrou uma ata e se decidiu doar os valores à Santa Casa de Misericórdia. Mas e se os legalistas invadissem São Paulo e destruíssem o livro de atas? Eu, humilde desconhecida das patentes militares, durante mais de um mês (até que as coisas serenassem), o tive escondido no porão de minha casa. O produto arrecadado pela campanha na cidade de São Paulo foi entregue à Santa Casa de Misericórdia, que o aplicou na construção do prédio no Largo da Misericórdia (com o formato da bandeira paulista desfraldada), tendo o mastro feito de alianças encimado por um capacete constitucionalista, denominado Edifício Ouro para o Bem de São Paulo. Trecho das memórias de Maria Paula Costa Aguiar Toschi. |
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7 de março de 1999
Fotografia foi usada para enfatizar mito separatista Levantamento do livro "1932- Imagens Construindo a História" mostra que Vargas usava recursos propagandísticos para isolar a revolução e defini-la como um movimento essencialmente paulista JOTABÊ MEDEIROS Uma observação salta aos olhos sobre a Revolução Constitucionalista de 1932: apesar de ter sido um conflito largamente coberto pela imprensa, sua crônica visual nunca foi avaliada atentamente nem pela arte nem pelos acadêmicos. Isso até novembro, quando o professor Jeziel de Paula, da Unicamp, publicou 1932 - Imagens Construindo a História, um precioso inventário da crônica de guerra daqueles tempos. O livro de Paula, publicado pela Unicamp/Unimep, instigou historiadores, revelando estratagemas como "edição" de fotografias, cortes e mesmo manipulação de imagens, com fins ideológicos. Teve a primeira edição esgotada. Em dez dias, deverá sair sua segunda edição. Também recebeu a medalha Governador Pedro de Toledo, conferida pela sociedade Veteranos de 1932 (MMDC). De Campinas, onde vive - cidade que foi uma das praças de guerra do conflito -, o historiador falou ao Estado. Estado - O seu livro, na minha avaliação, de certa forma corrobora uma visão heróica da revolução (mesmo que o sr. invoque Eric Hobsbawn sobre a desvinculação entre realidade histórica e ideal político). Não há o elemento da traição, da covardia, da confusão ideológica. Isso de fato não foi uma característica desse conflito? Jeziel de Paula - Sim, concordo com sua apreciação. Todas as fontes documentais que utilizei (visuais, escritas, sonoras) induzem a essas características. Em dois parágrafos anteriores aos comentários de Hobsbawn, eu enfatizo exatamente aqueles elementos idealistas do conflito: "Procurar entender o comportamento de alguém que sentiu, pensou, decidiu e atuou em um passado irremediavelmente perdido exige, muitas vezes,um enorme esforço de compreensão empática. Para o historiador, uma duvidosa racionalidade de se viver a subjetividade dos outros, vibrar com as suas ambições, ser contaminado com suas invejas, compartilhar as suas vinganças e se emocionar com suas paixões." Talvez nãome tenha expressado corretamente, mas, quando citei Hobsbawn, me referia ao "ideal político" dos historiadores que, ao interpretar os acontecimentos sob seus pontos de vista, e não dos próprios protagonistas dos eventos, interferem na realidade histórica. Estado - Com que objetivo o sr. escreveu esse livro? Paula - Esse livro não foi escrito com o propósito de encaminhar o leitor a uma única e definitiva conclusão ou com a pretensão de convencê-lo sobre uma suposta verdade absoluta vinculada a esta ou aquela ideologia política. Ao contrário, seu objetivo se restringiu na exposição, principalmente por meio das imagens fotográficas, das múltiplas possibilidades de interpretação historiográfica de um mesmo evento histórico. Estado - A esquerda definiu depois a revolução como uma guerra das oligarquias paulistas? O sr. discorda disso. Por quê? Paula - Mais do que definir depois, a esquerda corrobora a versão Varguista. Na ânsia de encontrar em nosso passado eventos identificados como revolucionários, acabariam por reafirmar o discurso ditatorial. A "história oficial" de 1932 seria elaborada tanto pelos vencedores da guerra, como pela historiografia marxista que produziu um modelo teórico-interpretativo a partir do imaginário construído pelos vencedores em pleno exercício do poder. Estado - O sr. identifica quatro grupos, na época, com interesses revolucionários, entre eles a Fiesp e a Associação Comercial, parte das Forças Armadas, os partidos Democrático e o Republicano Paulista e, como quinto grupo, um conjunto de pessoas movidas pelo sentimento, mais do que por idéias. Esse último grupo não foi massa de manobra entre as duas forças? Não se sentiu abandonado após o armistício? Paula - Não. Voltamos à interpretação largamente difundida a respeito da guerra civil de 1932: a manipulação das massas pela elite dominadora. Tal procedimento já se tornou um lugar-comum da historiografia predominante. Certamente é possível discernir certas especulações maquinadoras das elites sobre a massa. Quanto a isso, não resta a menor dúvida e esse é um fato que não pode ser negligenciado. Contudo, seria singularmente arriscado concluir que seja a partir desse enfoque que a mobilização popular em 1932 deva ser analisada e interpretada. Nenhum empreendimento manipulador pode esperar atingir seus objetivos ali onde não existe, nos setores da opinião que ele se esforça por conquistar, uma certa situação de disponibilidade, um certo estado prévio de receptividade. Ou seja, a mensagem a ser transmitida deve, para ter alguma possibilidade de eficácia, corresponder a um certo código já inscrito nas normas do imaginário. Aqueles que quisessem jogar com o imaginário popular se veriam obrigados a submeter-se às próprias exigências. Sim, a maioria da população paulista sentiu-se completamente abandonada após o término da guerra. O Estado de São Paulo foi ocupado militarmente como presa de guerra. Houve saques, assassinatos e depredações, principalmente pelas tropas ditatoriais mercenárias. O armistício, feito na surdina pelos oficiais da Força Pública de São Paulo, soou muito mais como uma traição. O adversário não havia vencido os combatentes. Apenas esgotado seus principais elementos de guerra. Estado - O governo Vargas acusava o movimento de 1932 como "separatista". Como o sr. pode demonstrar que nunca houve intenção separatista no movimento? Paula - Atribuir ao movimento de 1932 uma conotação "separatista" foi, sem dúvida, a maior e mais eficiente arma ideológica contra os que se opunham à ditadura Vargas. Muitos elementos contribuíram para que o restante do país aceitasse tal acusação. Um dos mais eficazes foi a propaganda maciça nos jornais e emissoras de rádio. A censura imposta pelo governo militar de Vargas jamais deixou passar a informação de que o Estado de Mato Grosso também lutava ao lado de São Paulo e nem qualquer notícia sobre as várias rebeliões antiditatoriais que pipocaram em mais oito Estados brasileiros. Não nego a existência de grupos de cunho acentuadamente bairrista e até mesmo separatista agindo anteriormente à deflagração do conflito em São Paulo. Não pertenciam a nenhum partido político e eram contrários aos ideais constitucionalistas. Durante a guerra civil, jamais tiveram em mãos qualquer espécie de comando civil e militar. Muitos pesquisadores se enganam ao enfatizar um caráter acentuadamente bairrista de "paulistanidade" em imagens repletas de símbolos nacionais. Isso ocorre porque, no ano de 1932, havia dois tipos de filmes fotográficos, ou películas, que se colocavam nas máquinas. Esses filmes não "enxergavam" determinadas cores do espectro eletromagnético, como, por exemplo, o verde e o amarelo. Assim, uma bandeira brasileira fotografada naquele ano aparecia estranhamente como um retângulo preto e um círculo branco, pois, quando a legenda "Ordem e Progresso" era escrita na cor azul, também não podia ser vista, confundindo-se com a faixa branca. A bandeira paulista, no entanto, era sempre visível, uma vez que o filme "enxergava" corretamente as cores preta e branca. Qualquer pessoa que desconheça esses detalhes tecnológicos da época dificilmente será capaz de identificar aquela figura como uma bandeira brasileira. E esse é um ponto-chave da pesquisa: estudar um evento por meio da imagem fotográfica, pressupõe um sólido conhecimento da própria história técnica da fotografia. |
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Todos os textos acima foram extraídos do arquivo on-line
do jornal "O Estado de S. Paulo" |
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