13. INSTITUTO FEMININO D. PEDRO V
Ao fazer o inventário, sumário e resumido, das iniciativas ou realizações que tiveram em vista a promoção cultural e a difusão da civilização, ao longo de cinco séculos de presença portuguesa em Angola, não podemos deixar de dedicar algum espaço à obra meritória que foi levada a cabo pelo Instituto Feminino D. Pedro V, organismo de benemerência e educação que estendeu a sua influência por dilatado período, pois contava mais de cento e vinte anos quando o país proclamou a sua independência.
Esta instituição detém um historial valioso, que de certo modo acompanha e por vezes se confunde com a história da cidade de Luanda, reflectindo períodos de prosperidade e épocas de decadência. Dá-nos um resumo bastante exacto do viver colectivo, das crises e momentos de progresso, dificuldades e euforia. Poderíamos dizer que a gestação do processo da fundação do Recolhimento-Pio, depois Asilo e hoje Instituto Feminino D. Pedro V, começou em 17 de Janeiro de 1852, com a nomeação de uma comissão encarregada de estudar as condições em que deveria basear-se a estruturação de um estabelecimento destinado à educação dos órfãos, dos dois sexos. A resolução do governador-geral António Sérgio de Sousa, quando assinou a respectiva portaria, assentava na exposição que lhe fora dirigida por algumas individualidades, encabeçadas pelo advogado luandense Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa. Este tinha promovido já uma subscrição pública e reunira valiosa contribuição monetária entre os habitantes de Luanda, pelo que lhe foi confiada a presidência da comissão referida.
No decorrer do ano seguinte, 1853, um facto lamentável veio alertar e até alarmar a cidade, mostrando quanta falta fazia o estabelecimento projectado, tendo como resultado a aceleração dos trâmites da sua fundação. Duas órfãs ainda muito pequenas, de nove e dez anos de idade, deambulavam pelas ruas de Luanda, entregando-se a chocante imoralidade; tornou-se necessário hospitalizá-las, a fim de serem convenientemente assistidas e tratadas. Reconheceu-se que se tornava imperioso e urgente fundar um estabelecimento que protegesse as crianças e adolescentes dos perigos que os ameaçavam, e o governador-geral de Angola, Miguel Ximenes Gomes Rodrigues Sandoval de Castro e Viegas, visconde do Pinheiro, deu-lhe decidido e eficaz apoio. Tornava-se premente solucionar um caso que surgiu e estar precavido quanto à possibilidade de aparecerem outros semelhantes.
O Recolhimento D. Pedro V foi solenemente inaugurado no dia 29 de Junho de 1854. Assistiu à cerimónia o prelado da diocese de Angola e Congo, e presidente da Junta Governativa de Angola, D. Joaquim Moreira Reis.
O estabelecimento abriu com dezoito educandas, sendo dez brancas e oito pretas. Este pormenor ajuda-nos a compreender que, em Luanda, nos meados do século XIX, havia equilíbrio social, mesmo nos aspectos menos agradáveis, se não nos mais deprimentes, como seja a necessidade de aproveitar os serviços do estabelecimento que se fundava.
As beneficiárias tinham idade que oscilava entre os quatro e os dezoito anos. Além das dezasseis internadas, aproveitavam os serviços oferecidos pela instituição duas netas da mestra-directora, Cândida Madalena Martins.
O edifício em que se instalou ficava localizado numa praça que então, como hoje, se estendia defronte da sé de Luanda, conhecida naquele tempo pela designação de Largo do Torres.
Os estatutos provisórios do Recolhimento D. Pedro V dão-nos indicações valiosas para podermos fazer ideia exacta do que era e do que dele se esperava. Dizia-se que havia a intenção de organizar uma escola de costumes, instrução e trabalho; só se usaria ali a língua portuguesa, e isso tanto pelas educandas como pelas mestras e serventes, além de outras pessoas que nele interferissem, empregando-se esforços para que fosse falada com correcção; quanto à preparação intelectual, ensinar-se-ia a ler, escrever e contar; aprenderiam também costura e lavores femininos, a lavar e engomar, assim como os demais misteres que dizem respeito à vida doméstica, segundo os costumes europeus.
O regime de convivência adoptado poderá parecer-nos hoje demasiado severo, pois consistia em clausura quase perfeita, e tanto para as internadas como para o resto do pessoal, evitando contactos com a população da cidade. Tudo isto se fazia com a intenção de salvaguardar a pureza de costumes e garantir sólida formação moral, de acordo com a mentalidade da época.
Congregaram-se numerosas diligências para que pudesse fundar-se o Instituto Feminino D. Pedro V e produzisse frutos condizentes com os bons desejos de todos — os esforços da comissão nomeada em 17 de Janeiro de 1852, que reuniu donativos volumosos, tanto em dinheiro como em materiais de construção; o entusiasmo filantrópico da Câmara Municipal de Luanda, que impressionada com o caso das duas órfãs reconheceu a necessidade de dotar a cidade com um estabelecimento que desse asilo e abrigo à infância desvalida; o apoio positivo de diversas individualidades que, naquela época, tiveram o encargo de gerir os negócios públicos, como os governadores-gerais ou presidente do Conselho Governativo, oferecendo o seu patrocínio e apoio — além de um donativo de cem mil reis, mobiliário da casa e livros escolares.
Pensou-se na melhor forma de resolver o problema da instalação das internadas e, consequentemente, foi posta a hipótese da construção de um edifício, embora modesto. Apareceu, no entanto, à venda uma ampla casa pertencente a Manuel Soares de Pinho, resolvendo-se adquiri-la pela importância de 3.800$000 reis. O abastado proprietário luandense José Maria Matoso da Câmara teve a generosidade de doar à instituição um edifício contíguo ao primeiro, o que permitiu resolver mais cedo do que seria de esperar um problema grave, cuja solução poderia fazer soçobrar (a arrastar-se) tão filantrópica como louvável iniciativa.
A comissão de 1852, em documento redigido com a data de 22 de Março de 1854, sugeria que, atendendo aos limitados recursos de que se dispunha, o organismo se limitasse, ao princípio, a atender as necessidades das órfãs, isto é, das crianças do sexo feminino, porque a mulher, quando infeliz, é a que mais excita a compaixão e, quando educada, tem grande influência nos destinos do homem e da sociedade, e nos bons costumes. Ao mesmo tempo, sugeria que lhe fosse atribuído o nome do monarca então reinante, D. Pedro V, não devendo considerar-se isso como vulgar e habitual lisonja aos governantes, mas antes forma hábil de obter valioso apoio para ajudar a ocorrer aos encargos da sua manutenção, que se anteviam pesados, superiores à possibilidade e capacidade dos habitantes de Luanda, cujo altruísmo era conhecido mas dependia bastante dos períodos de euforia ou depressão económica. Podemos admitir também que houvesse a intenção deliberada de prestar homenagem às virtudes, qualidades e dotes humanitários de um soberano que sempre teve o respeito do seu povo, quer dos seus contemporâneos quer das gerações futuras.
Naquele mesmo dia 22 de Março de 1854, foi exonerada a primitiva comissão, encarregada de estudar as condições em que poderia estabelecer-se um colégio para a educação dos órfãos, considerando a possibilidade de prestar assistência aos dois sexos. O documento oficial afirma que seriam poucos todos os elogios que pudessem fazer-se aos seus membros, pois votaram ao assunto grande interesse e dedicação.
Na mesma data, 22 de Março de 1854, era nomeada nova comissão à qual foram confiados os negócios concernentes à instalação do Recolhimento D. Pedro V. Era constituída por:
—Dr. António Faustino dos Santos Crespo, juiz;
—Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa, advogado;
—Manuel Joaquim da Gama, negociante.
O último dos três membros ficou encarregado das funções de tesoureiro, devendo gerir as quantias monetárias postas à disposição da nova instituição de beneficência. Para auxiliar o organismo, o Estado forneceria a água e a lenha que consumisse, através do Trem Nacional, sector mais ou menos dependente do departamento marítimo e da capitania do porto. As importâncias em dinheiro concedidas pelo Governo incidiriam sobre o produto do imposto sobre os carregadores requisitados pelos comerciantes.
No relato da inauguração do Recolhimento D. Pedro V, publicado na imprensa local, podemos ler o seguinte: — "Chegou à realidade, através de muitas dificuldades, um colégio de educação para as meninas órfãs que, vivendo sujeitas a mil contingências de honestidade nos anos de maior perigo, não podiam obter uma educação regular, que as colocasse a par das senhoras da Europa".
A cerimónia pública inaugural efectuou-se na sé, sendo celebrada missa pelo bispo da diocese. Seguiram dali, em cortejo, para o edifício preparado, indo cada educanda acompanhada por uma das figuras mais destacadas da cidade, símbolo da protecção que todos se comprometiam prestar à instituição. Estralejaram foguetes e incorporou-se no desfile um esquadrão de cavalaria.
O núcleo de educandas do Recolhimento D. Pedro V era constituído pelas seguintes meninas:
—Doroteia, de 18 anos, filha de Josué Gautier e de Honorata Duarte;
—Josefa, de 14 anos, filha de André da Palma e de Catarina André;
—Josefa, de 8 anos, filha de Agostinho Aurélio de Oliveira e
de Josefa da Fonseca Negrão;
—Maria, de 6 anos, filha de António Ferreira dos Santos e de
Maria Ferreira;
—Maria, de 18 anos, filha de Manuel Nunes Vieira e de Teresa Gonçalves
da Silva Pereira;
—Francisca, de 16 anos, irmã da anterior;
—Úrsula, de 14 anos, irmã das duas últimas;
—Mariana, de 15 anos, filha de Francisco das Chagas Moreira Rangel
e de Guiomar Francisco;
—Carlota, de 16 anos, filha de Manuel José Rodrigues e de Maria
do Carmo;
—Francisca, de 12 anos, irmã da anterior;
—Antónia, de 16 anos, filha de Francisco Martins de Oliveira
e de Maria Gonçalves;
—Ermelinda, de 18 anos, filha de Francisco José Jorge dos Anjos,
não se indicando o nome da mãe;
—Maria, de 8 anos, filha do major José de Oliveira Nunes e de
Rosa José;
—Antónia, de 5 anos, irmã da anterior;
—Maria, de 5 anos, herdeira de Maria Joaquina, não se
indicando os nomes dos pais;
—Antónia, de 4 anos, filha de António Fernandes Ribeiro
e de Maria Antónia.
Apesar de estar determinado nos estatutos provisórios que as recolhidas deveriam ter idade compreendida entre quatro e doze anos, o certo é que dez das dezasseis internadas tinham atingido ou ultrapassado já aquele limite. Deve ter-se em conta que nem todas eram extremamente pobres, pois algumas pagavam propina pelo internamento, através do organismo que tinha a finalidade de recolher, guardar e administrar os bens dos órfãos, defuntos e ausentes.
Não sabemos se as duas crianças que, em princípios do ano de 1853, chocaram os habitantes de Luanda com o seu comportamento estavam ou não compreendidas entre as educandas mencionadas. Se atendermos à idade que lhes era atribuída e à das internas mencionadas, concluiremos que provavelmente não faziam parte do grupo beneficiado pela instituição. Nunca se fixou o seu nome, pelo menos nunca conseguimos identificá-las — pormenor que nos deixa óptima impressão quanto à sensibilidade dos luandenses daquele tempo. Depois de curadas no hospital das "horríveis" moléstias contraídas com aqueles que as seduziam, o governador-geral de Angola, visconde do Pinheiro, por intermédio do secretário-geral, que era então Carlos Possolo de Sousa, procurou interessar no caso e no problema da sua acomodação o presidente e vereadores da Câmara Municipal de Luanda.
A edilidade luandense era presidida pelo conhecido romancista tripeiro António Augusto Teixeira de Vasconcelos. Acedendo aos desejos do primeiro magistrado da província, procurou uma família que as aceitasse, pagando a Câmara uma mensalidade para seu sustento e educação. Dirigiu-se, em primeiro lugar, à professora régia, recebendo recusa formal. Ele próprio explicou ao governador-geral que aquela senhora tinha receio de que as duas crianças, com os seus defeitos e hábitos viciosos, influíssem desfavoravelmente sobre o comportamento de outras crianças que viviam em sua casa. Podemos admitir, como hipótese, que a professora fosse Guilhermina Lessa da Silva e Sousa ou, mais provavelmente, Margarida Luísa dos Santos Madail Generoso, que pouco antes mantinha um colégio de meninas, em Luanda, e que talvez ainda estivesse em funcionamento. Mas, como todos os males têm forçosamente de encontrar remédio, as duas infelizes crianças foram aceites em casa do alferes de cavalaria Teodoro Raimundo de Lima, cuja esposa concordou recebê-las mediante o pagamento da quantia mensal de oito mil reis por cada uma, comprometendo-se a educá-las, não descurando nenhum aspecto da sua alimentação, vestimenta, criação e formação moral. Ignoramos o nome desta senhora, que deveria gozar de boa reputação, pois se assim não fosse não lhe teria sido confiado aquele encargo, tão difícil como desagradável, que poderia acarretar-lhe problemas e dissabores.
Começou desde logo a manifestar-se o apreço com que o Recolhimento-Pio D. Pedro V foi distinguido, tendo-lhe sido atribuídos generosos donativos. Entre os primeiros subscritores, contam-se os negociantes de Luanda — José de Carvalho Bastos, André da Silva Marques Braga, João Maria de Oliveira Gomes, Manuel António da Silva e o major José Lourenço Marques.
No dia 28 de Setembro do mesmo ano de 1854, foi consagrado o altar da capela privativa do instituto. Salientava-se nessa ocasião que o visconde do Pinheiro tinha sido o seu verdadeiro fundador e que, longe de Luanda, continuava a ser seu desvelado protector, devendo-lhe as educandas o seu reconhecimento pelo amparo que lhes proporcionava — não se explicitando qual fosse. Faziam-se votos pela continuação da sua vida e conservação da sua saúde, recordando-se que naquela data se comemorava o aniversário da sua chegada a Luanda — pormenor que não deixa de oferecer algumas dúvidas e dificuldades cronológicas.
No dia 14 de Junho de 1855, o secretário-geral de Angola, Carlos Possolo de Sousa, oficiava à Comissão Administrativa do Recolhimento-Pio D. Pedro V e dizia que fora aprovado o projecto do estabelecimento em Luanda de uma hospedaria onde fossem recebidos os carregadores pretos, que de diversas regiões do sertão afluíam à capital, para aqui venderem as suas mercadorias, ou transportando tão somente as cargas que vinham destinadas aos grandes comerciantes. Seria cobrada taxa de aposentadoria igual à que era praticada noutras hospedarias idênticas, revertendo esse produto para os cofres do organismo. Ao mesmo tempo, era concedida a indispensável autorização para a aquisição de uma casa na zona do Bungo, propriedade de um certo Valentim — nome suficiente para ser identificado pelos contemporâneos mas que nada diz às pessoas do nosso tempo.
Poucos dias depois, era assinada a escritura da transacção e procurava-se quem tomasse de arrendamento a taberna que ali funcionava. O rendimento da hospedaria pesava bastante no magro orçamento da instituição; todavia, as coisas nem sempre correram com a normalidade ambicionada, pelo que poucos anos depois as autoridades concederam a autorização para o edifício ser vendido e a importância recebida ser aplicada em proveito do Recolhimento-Pio.
Não deixou de se ter em conta e aproveitar também o trabalho das educandas, naquilo que sabiam e podiam fazer. Em Novembro de 1855 era publicado um anúncio em que se dava a saber aos interessados e à população em geral que no Recolhimento-Pio D. Pedro V se executavam trabalhos de costura, por preços módicos. O organismo nunca deixou, ao longo da sua crónica, de lançar mão desta actividade e outras semelhantes.
Os pedidos de admissão de novas educandas não cessavam de afluir. Pouco tempo depois da sua inauguração, foi recebida uma menina de nome Ana, filha de António Fernandes Ribeiro; deduzimos isso do facto de lhe terem sido debitadas as mesmas mensalidades das que tomaram parte no acto inaugural.
Em Março do ano seguinte, havia já dezanove recolhidas. Ignoramos como se chamavam e quando entraram. Poderemos admitir a hipótese de que, nesse número, fossem incluídas as duas netas da directora, cujo nome nunca foi mencionado e que não estavam incluídas na lista das estreantes.
No dia 3 de Maio de 1856, afirmava-se que, desde a inauguração, tinham entrado mais cinco meninas. Não se indicava o nome das crianças nem a sua filiação bem explícita. Uma, que era cega, pertencia à família de Paulo Cordeiro; outra era filha de um empregado da Junta de Fazenda; mais duas, filhas de um funileiro de nome Ventura, já falecido; e ainda uma menina de seis anos, filha de um sargento da cavalaria.
Em 7 de Outubro de 1862, foi publicada a relação com o nome das educandas assistidas. Por ela chegamos à conclusão de que as primitivas tinham saído quase todas. Reproduzimos os dados que dela constam. Deve salientar-se que estava ali uma criança do sexo masculino, embora isso constituísse excepção; mas há notícia de outros casos raros, decerto motivados por razões ponderosas. Era esta a população discente do Recolhimento-Pio D. Pedro V:
—Cristina Maria da Encarnação Alves, de 17 anos, filha
do sargento de cavalaria Francisco José Alves, não sendo
pois a atrás referida;
—Rita Maria, de 15 anos, filha de António Ferreira dos Santos;
—Maria José Vicente, de 11 anos, filha do pescador José
Vicente;
—Isabel Militão de Gusmão, de 8 anos, filha do capitão
Joaquim Militão de Gusmão, morto em combate, no Congo;
—Tomé Joaquim Militão de Gusmão, de 11 anos, irmão
da anterior;
—Cecília Maria do Amaral Gurgel, de 12 anos, filha do escrivão
de Direito, João Pio do Amaral Gurgel;
—Teresa Maria do Amaral Gurgel, de 13 anos, irmã da anterior;
—Antónia Marcelina das Necessidades, de 7 anos, filha do escrivão
de Direito, Marcelino das Necessidades Castelo Branco;
—Andresa Joaquina de Andrade Cardoso, de 12 anos, filha do capitão
Joaquim José Cardoso da Silva;
—Maria Eduarda, de 11 anos, filha do capitão Bracklamy;
—Maria Augusta Souto Maior, de 11 anos, filha do capitão Souto
Maior;
—Francisca Pacheco Souto Maior, de 10 anos, irmã da anterior;
—Mariana Anastácia, de 10 anos, filha do mestre de música,
Anastácio;
—Adelaide Zacarias, de 8 anos, filha do capitão Zacarias da
Silva Cruz;
—Rita Zacarias, de 7 anos, irmã da anterior;
—Maria da Piedade, recebida da Misericórdia, de idade e filiação
ignoradas.
Em Agosto de 1863, foram recebidas mais quatro meninas — Ana Amélia Braga, Maria da Conceição, Maria Leomil e Joana Leomil — não sendo indicadas nem a idade nem a filiação.
O pormenor acima focado permite admitir a hipótese de que a pequena Maria da Piedade fosse enjeitada. A longa lista que acabamos de ver demonstra que a miséria se estendia a quase todos os sectores da população, com acentuado destaque para o funcionalismo público. Se algumas recolhidas tinham bens arrecadados no Cofre dos Órfãos, Defuntos e Ausentes, pagando pequenas mensalidades, outras eram inteiramente pobres e nada podiam pagar. Devemos ter em conta que, naqueles anos, se viveram em Angola os estragos de algumas epidemias, primeiramente a febre amarela e depois a varíola.
O Instituto Feminino D. Pedro V teve sempre a preocupação de preparar boas esposas e boas mães de família. Por isso, não se estranhará que, passados dois anos sobre a data da inauguração, no dia 28 de Setembro de 1856 se realizasse ali o casamento de uma das suas educandas, Josefa Rosa de Palma, com António Ferreira de Lima. Não ofenderemos a lógica se pensarmos que poderia ser a filha de André da Palma e Catarina André. Presidiu à cerimónia o vigário-geral da diocese, P. António Firmino da Silva Quelhas. À semelhança do que aconteceu na cerimónia da inauguração do estabelecimento, assistiram ao acto muitas senhoras e cavalheiros da melhor sociedade luandense, que quiseram associar-se ao júbilo da casa, da noiva e suas companheiras. A desposada passou quase todo o dia no Recolhimento-Pio, tendo saído daqui para a sua residência particular; acompanharam-na a directora e as condiscípulas, que lhe fizeram afectuosa despedida.
Nos primeiros anos da vida do organismo, interessaram-se pela resolução dos seus problemas numerosas individualidades de destaque. Podemos mencionar, entre outras, Remígio Luís dos Santos, Francisco José das Neves, Francisco de Assis Rocha Caldeira, Feliciano Carlos Fernandes do Couto, José Maria de Freitas, João Feliciano Pedreneira, P. António Firmino da Silva Quelhas, etc.
Para conseguir fundos, a Sociedade Dramática de Luanda promoveu a realização de uma récita, cuja receita se destinava ao Recolhimento. Efectuou-se a 14 de Junho de 1858. O presidente desta agremiação era o médico Dr. José Maria de Bulhões Maldonado, que no dia 18 de Setembro deixava o lugar.
O abastado proprietário José de Carvalho Bastos, já referido, que desde o princípio apoiou a instituição, continuou a auxiliá-la na medida do possível. Em Outubro de 1859, anunciava-se que tinha tomado sobre si o encargo de mandar reparar o telhado, as janelas e as portas, dando-lhes a respectiva pintura. No decorrer dos tempos, havia prestado outros auxílios, reconhecendo-se que, de todos os habitantes de Luanda, era aquele que mais se interessava e sacrificava pela entidade. Este benfeitor veio a falecer nesta cidade em Junho de 1860.
O ensino era a preocupação constante dos responsáveis. Poderá dizer-se que, acima desta, só havia outra, a da manutenção material e sustentação de encargos inerentes. Em dado momento, quando as dificuldades de administração se acumulavam, encontrou-se um casal de dedicados professores, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques e sua esposa, Maria José Pinheiro Falcão de Miranda, que tomou conta da direcção material e pedagógica da casa, conseguindo evitar-se o seu encerramento, o que seria calamitoso para a cidade, pois ficaria em condições agora mais graves do que as que deram origem à sua fundação.
Em 28 de Janeiro de 1861, era publicada a informação de que um dos magistrados de Luanda, o Dr. António da Mota Veiga, estando prestes a retirar-se para o reino, remeteu ao Recolhimento-Pio D. Pedro V uma importância em dinheiro e letras relativamente elevada, O mesmo indivíduo tinha-se interessado pela realização de nova récita de beneficência, da Sociedade Dramática de Luanda, em meados do ano anterior, que obteve assinalado êxito. Fora também ele quem instigara o falecido José de Carvalho Bastos a melhor proteger o instituto. Ajudara a redigir o regulamento interno definitivo, interessara-se junto dos comerciantes para que aceitassem o pagamento de uma taxa fixa sobre cada carga de mercadoria recebida em Luanda, em substituição do rendimento da hospedaria, que tinha sido vendida. Destinou a este organismo a comissão que lhe competia receber como testamenteiro de Manuel Soares de Pinho e sua mulher — recorde-se que foi quem vendeu a casa onde primitivamente se instalou o internato. O juiz de Direito, Dr. António da Mota Veiga, não chegou a partir para a Europa, pois faleceu em Luanda no dia 13 de Fevereiro de 1861.
No dia 22 de Outubro de 1862, foi deferido um requerimento do professor Miranda Henriques e nomeada uma comissão de inquérito para fazer minucioso exame ao Instituto Feminino, focando os aspectos do ensino, higiene, economia e moral, devendo dar conta às principais autoridades da província das conclusões a que chegasse. Há indícios que nos levam a pensar que um dos membros da comissão administrativa, João Feliciano Pedreneira, se atrevesse a beliscar o bom nome de José Maria da Lembrança de Miranda Henriques; mas descobre-se, atrás de tudo isto, uma segurança que convence e reforça a opinião favorável dos elementos que tinham feito a sua escolha para orientar os destinos do Recolhimento-Pio D. Pedro V, encontrando nele qualidades de honestidade, abnegação e sinceridade modelares. O inquérito foi feito a seu pedido expresso, o que demonstra, a mais de um século de distância, a sua honradez e o seu carácter. Faziam parte da comissão de inquérito as seguintes individualidades;
—António Pedro de Carvalho, secretário-geral;
—P. Francisco Ferreira Pinto, vigário-geral;
—Dr. António José dos Santos, médico-cirurgião;
—Francisco de Assis Rocha Caldeira, negociante;
—Manuel Alves de Castro Francina, funcionário.
Em 15 de Janeiro de 1863, era nomeada outra comissão com o encargo de reformar o sistema de administração do estabelecimento. Os seus membros eram:
—António Pedro de Carvalho, presidente;
—Manuel Alves de Castro Francina, secretário;
—Francisco Silvestre do Rego, tesoureiro;
—P. Francisco Maria Constantino Ferreira Pinto;
—José de Sousa Queirós Júnior, vogal;
—António Inácio da Silva, vogal;
—José Maria de Freitas, vogal.
O Recolhimento continuava a recrutar dedicações. No dia do nono aniversário da sua fundação, 29 de Junho de 1863, assistiram às cerimónias comemorativas muitas pessoas de distinção, entre as quais o governador-geral de Angola; os membros da comissão administrativa ofereceram o almoço às educandas, que eles pessoalmente quiseram servir-lhes.
O deputado por Angola às Cortes de Lisboa, António José de Seixas, tendo contabilizado as ajudas de custo e subsídios recebidos, e deduzidas desse valor as despesas efectuadas no exercício do seu mandato, entregou ao instituto o saldo encontrado.
No dia 8 de Fevereiro de 1864, foi promovido um baile de máscaras que rendeu mais de cento e trinta mil reis, em moeda forte. Interessou-se pela sua realização o conhecido luandense Manuel Alves de Castro Francina, funcionário graduado da Secretaria-Geral de Angola. Chamava-se moeda forte a de Portugal e moeda fraca a dos territórios ultramarinos; no seu tempo, o princípio era válido também para o Brasil; a moeda fraca valia, em regra, 80% da moeda forte.
Por esta altura, encontramos relacionados com a administração do Recolhimento-Pio os nomes de Francisco Barbosa Rodrigues (visconde de Barbosa Rodrigues), José Malheiros dos Santos, António Inácio da Silva, Feliciano da Silva e Oliveira (em substituição de José Maria de Freitas, pouco antes falecido).
O visconde de Barbosa Rodrigues era natural de Portugal; emigrou para o Brasil; fixou-se depois em Angola. A ele se deve a erecção da belíssima estátua de Salvador Correia de Sá e Benevides, em Luanda, em frente ao palácio do Governo-Geral.
Continuavam a manifestar-se generosidades diversas, de que se destacam as de Manuel do Nascimento e Oliveira, Manuel António de Magalhães e Silva, Francisco José das Neves, Manuel Rodrigues Carmelino, José Joaquim de Almeida, André da Silva Marques Braga, José Fortunato Barreto, João Florêncio Ferreira Anapaz, Augusto da Costa Lemos, Luís Cesário Ferreira e João Rafael Pereira de Carvalho.
Angola era sobretudo terra de comerciantes. Este pormenor manifestava-se por vezes em circunstâncias extremamente curiosas. Assim, quando em 7 de Março de 1865 o presidente da comissão administrativa, António Inácio da Silva, entregou o cargo ao seu sucessor, pois estava a preparar-se para regressar à Europa tendo passado dez anos nestas terras e sendo já de idade relativamente avançada, declarou que tinha empregado 161$280 reis num carregamento de sal, proveniente de Cabo Verde, e essa aplicação de capital produziu o lucro líquido de oitocentos mil reis fortes, ou seja, em moeda metropolitana. Com esse dinheiro puderam liquidar-se algumas dívidas e acabar de pagar a hospedaria do Bungo (que já tinha sido vendida). Aquele responsável declarava que sentia orgulho em afirmar que deixava a instituição livre de dívidas e gozando a propriedade plena da casa em que estava instalada. Mantinha vinte educandas, estando o ensino das primeiras letras a cargo de uma das asiladas mais crescidas, sistema que se adoptou durante bastantes anos, decerto por medida de economia. António Inácio da Silva foi substituído, na qualidade de presidente da comissão administrativa, por Joaquim Maria de Azevedo Franco, sendo tesoureiro o visconde de Barbosa Rodrigues; pouco depois juntaram-se-lhes João Florêncio Ferreira Anapaz e José Joaquim de Castro Leite.
Para poder manter-se, o Recolhimento-Pio D. Pedro V teve necessidade de lançar mão de diversas iniciativas. Em Janeiro de 1868, anunciava-se ter sido recebido um donativo dos benfeitores de Lândana. Em Março seguinte, dizia-se que estava à venda o Indice do Boletim Oficial de Angola, elaborado pelo Dr. Luís António de Figueiredo, e cujo produto revertia em benefício da instituição. Ainda no decorrer desse ano, afirmava-se que o produto das multas aplicadas na região do Golungo Alto, pelo corte de palmeiras, redundava em proveito deste estabelecimento de ensino e benemerência. Em 2 de Maio de 1867, era anunciada a edição e a venda de um opúsculo clínico, elaborado pelo médico brasileiro Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, relativo à epidemia de febre amarela de 1864; custava a importância de mil reais e o produto da venda revertia inteiramente para o Instituto Feminino. A Câmara Municipal de Luanda declarava que lhe concedia o subsídio anual de um conto de reis, pago em duas prestações semestrais, o que constituía a maior receita da casa, logo seguida do rendimento das taxas cobradas sobre as cargas de mercadorias entradas em Luanda, mas que pouco passava da terça parte daquela importância; era então presidente do município Joaquim Guedes de Carvalho e Meneses.
No dia 31 de Agosto de 1860, chegou a Luanda em visita oficial o Infante D. Luís, futuro rei de Portugal, que viajava a bordo da corveta a vapor Bartolomeu Dias. Acompanhava-o o antigo governador-geral de Angola, António Sérgio de Sousa, vulgarmente designado visconde de Sérgio de Sousa. Devido a ter sido atacado por febres, o príncipe real só no dia 9 de Setembro pôde desembarcar. Três dias depois, 12 de Setembro, decidiu visitar a cidade sem aparato protocolar, tendo sido recebido pela população com grande entusiasmo e visíveis provas de simpatia e respeito. Esteve no Recolhimento-Pio D. Pedro V, e para sua sustentação ofereceu o donativo de vinte libras; deixou também o óbulo de trinta libras ao hospital e dez libras aos presos pobres.
Em 14 de Novembro de 1871, Jaime Constantino de Freitas Moniz, ao tempo ministro da Marinha e Ultramar, assinou uma portaria que autorizava o governador-geral de Angola a instituir em Luanda uma lotaria, no valor global de oito contos, com o fim de obter fundos destinados à obra de assistência aos pobres, doentes e desvalidos. A décima parte do seu rendimento seria destinada à sustentação do Recolhimento-Pio. A lotaria referida poderia ser efectuada de uma só vez ou em diversas fases, como se julgasse mais conveniente. A concretização desta iniciativa foi confiada a uma comissão de individualidades destacadas, de que faziam parte:
—Joaquim Maria de Azevedo Franco, presidente da Câmara Municipal
de Luanda;
—José Aires da Silveira Mascarenhas, presidente da Comissão
Administrativa do Recolhimento-Pio;
—Eduardo de Sá e Vasconcelos, presidente da Comissão
Administrativa da Misericórdia;
—D. Tomás Gomes de Almeida, prelado da diocese de Angola e Congo.
O projecto não produziu os frutos que se ambicionavam!
A 29 de Agosto de 1878, o governador-geral Vasco Guedes de Carvalho e Meneses concedeu a importância de um conto de reis ao Instituto Feminino. Salientava a sua índole verdadeiramente humanitária e civilizadora, prestando assistência e ministrando o ensino às suas educandas e sustentando o encargo de prover à sua alimentação, alojamento e vestuário. Mantinha nessa altura trinta recolhidas.
Uma das suas principais fontes de receita era a subscrição que habitualmente era feita entre a população de Luanda. No período que estamos a focar, o montante dos donativos tinha baixado muito. Reconhecia-se que, em face das dificuldades que todos sentiam, não seria possível esperar-se da caridade pública a receita indispensável para a sua manutenção. Esperava-se, no entanto, que a crise passasse, quando fosse entregue à gerência a administração de um importante legado que lhe havia sido feito — não se indicando quem fosse o benemérito doador. Esclarecia-se ainda que, logo que as receitas do seu orçamento permitissem fazer as despesas da sua sustentação e funcionamento, cessaria a atribuição daquele subsídio. Isso nos leva a pensar que deveria tratar-se de uma verba orçamentada e não de um donativo esporádico e ocasional!?
No dia 24 de Outubro de 1880, declarava-se também, em sessão pública, que o médico da cidade de Luanda, Dr. José Baptista de Oliveira, era grande benemérito e protector do Asilo D. Pedro V, pois prestava assistência gratuita às educandas havia doze anos — portanto desde 1868. Este facultativo tinha-se reformado pouco tempo antes. Pelos mesmos dias, foi aposentado também o Dr. José Correia Nunes e o Dr. António Duarte Ramada Curto era nomeado chefe dos Serviços de Saúde de Angola. Este médico, Ramada Curto, quer como facultativo quer como governador-geral, que também foi e por duas vezes, prestou grande atenção aos problemas do Recolhimento-Pio e distinguiu-o com o seu interesse e o seu apreço.
Em Fevereiro de 1889, faleceu um conhecido benemérito do Instituto Feminino D. Pedro V, assim como de outros organismos de Luanda, o comendador José Maria do Prado. Doou a esta instituição o seu palacete da cidade alta. Já antes do seu falecimento as educandas se tinham instalado ali. Lá se mantiveram durante mais de oitenta anos, visto que só de aí saíram quando, em 1971, foram ocupar as suas novas instalações em edifício para este fim projectado e construído.
Nestes apontamentos pudemos referir algumas diligências e iniciativas
levadas a cabo para que o Instituto Feminino se mantivesse em funcionamento.
São mais raras as informações de carácter formativo
do quem as de natureza económica, pois a actividade educativa nunca
foi favorável a manifestações brilhantes, primando
mesmo pelo silêncio e pelo esquecimento. O interesse dispensado à
manutenção do organismo prova que a população
de Luanda, quando convenientemente esclarecida, se não desinteressava
dos problemas da educação. O que se fez pelo Asilo D. Pedro
V demonstra que foi quase sempre por falta de entusiasmo que os problemas
escolares nunca chegaram a ser convenientemente solucionados!
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