12. APTIDÃO PEDAGÓGICA

O decreto de 30 de Novembro de 1869 veio dar novo impulso ao desenvolvimento escolar de Angola, abriu nova fase do processo evolutivo da difusão cultural ultramarina. Reconhecia ao Estado o dever de dar provimento à criação e instalação de escolas em todas as localidades onde se reunissem condições para o seu funcionamento, em todas as povoações de relativa importância. Reservava-lhe também o direito de orientar superiormente o ensino e de fiscalizar a actividade docente. Estabeleceu, pois, em bases ainda incipientes, a inspecção pedagógica, aliás já experimentada no período anterior, como tivemos ocasião de verificar.

Este diploma deve considerar-se como que o prolongamento natural do decreto de 14 de Agosto de 1845, dando maiores garantias de efectivação aos bons propósitos que ele já anunciava. Foi assinado por Luís Augusto Rebelo da Silva, ministro da Marinha e Ultramar, político inteligente, historiógrafo fecundo, tão conhecido pelos seus livros como pela sua acção governativa.

Apesar da sua oportunidade e de focar um dos assuntos de maior interesse para desenvolver a prosperidade dos territórios transmarinos, apesar de remodelar toda ou quase toda a estrutura escolar, não teve em Angola a influência e repercussão que deveria esperar-se, os resultados práticos que seria lógico produzir, pois não se realizaram condições propícias.

Luís Augusto Rebelo da Silva reconhecia que o vencimento dos professores era um óbice intransponível, pois constituía uma recompensa tão mesquinha e tão escassa que não poderia convidar ninguém a dedicar-se com interesse a esta actividade. O ordenado de um professor de primeira classe andava à volta de cem mil reis anuais; os professores de segunda classe ganhavam maior salário, mas em caso algum poderia ultrapassar trezentos e cinquenta mil reis por ano. O professor da Escola Principal auferia quinhentos mil reis, sendo efectivo, e metade dessa importância se fosse provisório.

A reforma do ensino estabelecida pelo decreto de 30 de Novembro de 1869 adoptou, esquematicamente, os programas seguintes:

—1ª CLASSE — Leitura; escrita; as quatro operações aritméticas, com números inteiros e fraccionários; exercícios sobre o sistema métrico, pesos e medidas; explicação do catecismo e doutrina cristã. num dia por semana, para os alunos de Religião Católica.

—2ª CLASSE — Rudimentos de Gramática Portuguesa; História Pátria; Geografia de Portugal; noções aritméticas e geométricas, aplicadas à indústria; primeiras noções de agricultura e economia rural.

Pela análise dos programas pode deduzir-se que correspondiam ao que depois se chamou primeiro grau e segundo grau.

Quanto à Escola Principal, adoptou o sistema de três cadeiras, atribuindo-lhe maior importância do que lhe tinha dado o decreto de 1845. Os respectivos programas eram os seguintes:

—1ª CADEIRA - Gramática da Língua Portuguesa, acompanhada de exercícios de aplicação, orais e escritos; História Geral e História Pátria; Geografia Geral e Comercial; Língua Francesa, Inglesa ou Árabe (segundo os interesses e necessidades de cada território).

—2ª CADEIRA - Aritmética e Geometria Elementar e sua aplicação à Escrituração Mercantil e à Agrimensura; Noções Elementares de Ciências, Físicas e Naturais, e sua aplicação à indústria, à agricultura e ao comércio.

—3ª CADEIRA - Elementos de Economia Política e Industrial, Agricultura e Economia Rural; Desenho Linear.

No decorrer do ano de 1870, o Governo de Lisboa pediu ao governador-geral de Angola que lhe fosse enviado um mapa com a indicação das escolas criadas na província, apontando as que estavam a funcionar e as que ficaram vagas, a localidade em que tinham a sede, o nome dos respectivos professores e a indicação das habilitações literárias de cada um deles, o número de alunos que cada um leccionava. Ao mesmo tempo que eram pedidas informações, foram concedidas às autoridades de Angola atribuições mais latas, aconselhando a tomar providências tendentes a desenvolver e intensificar a difusão do ensino entre as populações locais, aborígenes ou europeias.

O documento a que nos estamos referindo tem a data de 18 de Janeiro de 1870 e foi assinado pelo ministro Rebelo da Silva. Tratava-se de uma determinação difundida sob a forma de circular, que não deixaria de ser recebida também pelos governadores de outros territórios ultramarinos. A resposta às perguntas formuladas deveria ser remetida pela primeira mala que partisse para o reino. Pedia-se que fossem apresentadas sugestões quanto ao valor e funcionamento das Escolas Principais, indicando as localidades que poderiam mantê-las e o plano de estudos mais conveniente. Estranhamos isso, uma vez que tinha sido publicada legislação nesse sentido.

Recomendava-se que fosse imediatamente constituído o Conselho Inspector de Instrução Pública, assim como as Juntas do Ensino, em cada localidade. Solicitava-se ainda que fossem dadas informações e indicações concretas quanto aos compêndios a adoptar, tanto nas escolas de instrução primária elementar como nas Escolas Principais. Ao mesmo tempo ordenava que se desse execução, tão rápida quanto possível, a determinados pontos focados naquele documento e que não vamos mencionar.

O governador-geral de Angola não demorou a nomear o Conselho Inspector de Instrução Pública, que foi constituído segundo a portaria provincial de 30 de Maio desse ano de 1870 e era a seguinte:

—Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, secretário-geral;
—P. José Maria Fernandes, cónego da sé catedral da diocese de Angola e Congo;
—Francisco Joaquim Farto da Costa, advogado na cidade de Luanda.

O monarca português confirmou, em 19 de Julho seguinte, a nomeação das três personalidades indicadas.

No dia 23 de Junho de 1870, o ministro da Marinha e Ultramar remeteu ao governador-geral de Angola, com destino às escolas e alunos da província, as seguintes publicações: — Doze exemplares dos Quadros da História Portuguesa, de J. F. Silveira da Mota; três exemplares do Compêndio de Economia Rural; três do Compêndio de Economia Industrial e Comercial; e outros três do Compêndio de Economia Política, de Luís Augusto Rebelo da Silva, que pouco antes deixara de gerir a pasta da Marinha e Ultramar (20.05), sendo substituído por D. António da Costa de Sousa Macedo (26.05).

De acordo com o que estava previsto, o governador-geral José Maria da Ponte e Horta pediu ao ministro, pelo seu ofício de 26 de Novembro de 1870, que fossem enviados para Angola seiscentos exemplares dos livros adoptados para o ensino dos programas de instrução primária elementar e alguns compêndios para serem usados na Escola Principal de Luanda. Angola dependia inteiramente do reino, em todos ou quase todos os aspectos, recebendo praticamente tudo aquilo que consumia. No aspecto escolar, continuou assim até à independência, a não ser um pouco menos no ensino primário.

Torna-se muito difícil, quase impossível, chegar-se a uma conclusão segura quanto ao número exacto de escolas criadas e a funcionar, em determinado momento histórico. Por motivos diversos, os mapas estatísticos nem sempre eram enviados; quando se enviavam, nem sempre eram recebidos na Secretaria-Geral, o departamento que então superintendia no ensino. Nem sempre era possível assegurar o funcionamento da escola e nem assegurar-se dele.

No dia 15 de Março de 1871, foi nomeado novo professor para a Escola Principal, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira. Ao começar o ano lectivo de 1873-1874, em Setembro, a Escola Principal tinha já outro professor, Nicolau Rogeiro.

Nesse mesmo ano de 1873, começou a funcionar em Luanda uma nova escola de instrução primária, que foi confiada ao P. Joaquim Monteiro de Carvalho. Em 13 de Novembro de 1876, portanto três anos mais tarde, o P. António José do Nascimento, cónego da catedral, era nomeado professor para mais uma escola, esta adstrita ao Batalhão de Caçadores.

No orçamento para o ano de 1875, a instrução pública continuava a ter consignada somente a pequena quantia de seis contos e novecentos mil reis, igual à dos anos anteriores.

Uma portaria régia com data de 19 de Julho de 1875 solicitava ao governador-geral que fosse remetida ao Governo central uma exposição em que se retratasse o estado da instrução pública, suas necessidades e exigências, acompanhado de um plano para a organização prática e eficiente das escolas. Embora não conheçamos a resposta dada a este pedido, vamos fixar-nos nas notas que acompanham o mapa estatístico relativo a 31 de Dezembro de 1876, onde se pode ler:

—O ensino era ministrado, em Luanda, em sete escolas oficiais, sendo exercido por seis professores habilitados;

—As meninas frequentavam colégios sem organização regular, cujo número e frequência não podiam computar-se com exactidão, por diversas causas, existindo mesmo escolas entre os indígenas, que recebiam alunas, gratuitamente umas e mediante estipêndio outras;

—Acontecia praticamente a mesma coisa, embora em menor escala, com as crianças do sexo masculino;

—Foram muito irregulares na remessa dos mapas as escolas de Alto Dande, Ambaca, Massangano, Muxima, Zenza do Golungo, Benguela e Moçâmedes;

—Deixaram de enviá-los, apesar das insistentes recomendações que lhes eram dirigidas, os professores de Barra do Dande, Calumbo, Cazengo, Duque de Bragança, Encoje, Icolo e Bengo, Caconda e Huíla;

—Achavam-se vagas as cadeiras de Ambriz, Dombe Grande, Catumbela, Egito, Quilengues, Bumbo e Capangombe;

—Estava vaga desde há muito a escola feminina de Novo Redondo, pela ausência da professora, que foi para Portugal havia mais de um ano, com licença da Junta de Saúde;

—A escola feminina de Pungo Andongo também estava vaga por ter sido demitida a respectiva mestra;

—Devido a ter sido tomada a decisão de as cadeiras não serem providas a não ser em pessoas habilitadas (em consequência de medidas de que adiante se fala), achavam-se sem provimento as escolas de Barra do Bengo, Barra do Dande, Calumbo, Cazengo, Duque de Bragança, Encoje, Icolo e Bengo, Malanje, Massangano, Zenza do Golungo, Caconda, Dombe Grande, Catumbela, Egito, Quilengues, Bumbo, Capangombe e Ambaca;

—Das nove em actividade, oito eram regidas pelos párocos, quase os únicos concorrentes ao magistério, por perceberem como gratificação o ordenado de professor, que acumulavam à côngrua;

—Havia escolas particulares, com frequência irregularíssima, sendo digna de menção especial, por constituir uma excepção, a que funcionava em Benguela, regida por Henrique dos Santos e Silva, frequentada por mais de vinte alunos, que recebiam educação metódica e adequada;

—Fora de Luanda, mesmo em Benguela e Moçâmedes, não existia qualquer estabelecimento que ministrasse o ensino secundário.

Poderíamos acrescentar ainda que Luanda tinha duzentos e sete alunos, contando os da Escola Principal (onze) e os do seminário-liceu (quarenta), provavelmente a maior parte deles a frequentar o curso do ensino primário, que lhe estava anexo. Este estabelecimento de ensino tinha sido reaberto em Outubro, assim como a escola de instrução primária da freguesia de Nazaré, que começara a funcionar no mesmo mês. Em Novembro reabriu também a escola municipal. Funcionava ainda a antiga Aula de Latim, com cinco alunos. A escola feminina estava encerrada. Nas demais escolas havia seiscentos e trinta e cinco alunos, contando o maior número a cidade de Novo Redondo. Angola contava oitocentos e quarenta e dois estudantes.

Um documento com a data de 19 de Setembro de 1874 refere-se ao problema, sempre grave e importante, da nomeação dos professores. Para não corrermos o risco de alterar o sentido, transcrevemos o texto seguinte:

"Em satisfação ao que me há indicado na portaria do Ministério a cargo de V.Ex.ª, de 30 de Junho último, que trata da proposta que o Conselho Inspector de Instrução Pública, desta Província, fizera, em relação aos lugares de professores, é meu dever dizer a V.Ex.ª que fico ciente de não convir a nomeação de dois professores de instrução primária em substituição do lugar de terceiro professor da Escola Principal desta cidade, e só continuo a pedir que, por enquanto, deixe de preencher-se este lugar, visto que não há número suficiente de alunos".

Ocupámo-nos já deste problema, que agora renascia. O texto de José Baptista de Andrade talvez precise de esclarecimento. A Escola Principal de Luanda tinha previstos três professores, cujo vencimento era bastante mais alto do que o dos professores de primeiras letras — o quádruplo (números arredondados), quando se tratasse de mestres de nomeação definitiva ou efectiva, e o dobro, quando fossem professores de nomeação provisória ou interina. Acontecia que as escolas elementares não preparavam número suficiente de alunos para que a Escola Principal pudesse funcionar em cheio; muitos deles não estavam interessados em prosseguir o estudo, que em teoria os prepararia para virem a ser professores. Por isso, as autoridades locais tinham diante de si um dilema múltiplo — nomear um professor para a Escola Principal, que não tinha alunos, ou nomear três professores de primeiras letras, que poderiam ser pagos com o vencimento economizado!? Deveriam cumprir as leis e obedecer às ordens recebidas de Lisboa ou satisfazer os interesses locais, a que se juntava quase sempre a conveniência de alguém que desejava ganhar a respectiva gratificação!? Haveria conveniência em que ficassem desprovidas tanto as escolas elementares como a Escola Principal, deixando decair mais e mais a instrução pública angolana!?

Encontrámos diversas referências aos vencimentos e gratificações auferidos pelos professores, relacionados com vários problemas da vida quotidiana. Arquivamos algumas, como curiosidade. Ajudam a fazer ideia mais exacta das condições de trabalho que esses primeiros mestres de Angola tiveram de suportar. Por vezes as dificuldades eram tantas e tão grandes que o simples pormenor de as enfrentarem roça pelo heroísmo.

Por determinação superior com data de 11 de Agosto de 1874, foi negado provimento ao recurso interposto pelo pároco e professor primário de Malanje, P. João Constâncio Rodrigues, o qual pretendia que a Comissão Municipal lhe pagasse o aluguer da casa onde morava e onde tivera escola, assim como certas gratificações a que se julgava com direito, por ter exercido funções docentes naquela povoação. As razões que levaram o Conselho de Província, ao qual subiu a apreciação do caso, a tomar a decisão indicada e a dar tal solução ao problema baseiam-se, fundamentalmente, nos seguintes pontos:

—A Comissão Municipal não estava obrigada a dar residência aos párocos;
—Deixara de utilizar a sala destinada à escola, sem haver motivos para isso;
—Não tinha autorização da Comissão Municipal para arrendar outra casa;
—O orçamento municipal não previa o pagamento dessas despesas.

Este pormenor da verba orçamentada tinha maior importância do que pode parecer. Compreende-se que assim fosse, pois as contas públicas não poderiam estar equilibradas se não fosse respeitado, tanto quanto possível, o plano estabelecido. Assim, no dia 1 de Junho do ano seguinte, portanto 1875, o Conselho de Província determinava que fosse dado provimento ao recurso interposto pela professora primária do sexo feminino, de Moçâmedes, Idalina da Costa Maia. Esta senhora pedira que lhe fosse paga a gratificação arbitrada no orçamento municipal para a mestra de meninas, não sendo atendida, e por tal motivo recorreu às autoridades superiores. O acórdão que se lhe refere apoia-se nas seguintes bases:

—A Câmara Municipal de Moçâmedes orçamentou a competente verba;
—Os subsídios aos professores eram considerados despesa obrigatória;
—A recorrente exercia o cargo por nomeação competente;
—As informações acerca do serviço eram boas.

No decorrer do mês de Maio de 1875, foi publicado o Regulamento da Imprensa Nacional da Província de Angola, e foram impressos os relatórios da comissão que devia elaborar o projecto do Regulamento do Trabalho, a adoptar neste território ultramarino. Um dos respectivos capítulos tratava do ensino, assunto que começava a merecer a atenção das autoridades e do público.

Em 21 de Novembro de 1878, foi aprovado e assinado um documento de grande interesse para o estudo das condições históricas que se viveram em Angola, no último quartel do século passado, pelo qual nos é permitido avaliar e compreender mais perfeitamente o ambiente sociológico reinante neste território. O seu último capítulo refere-se ao ensino e à escolaridade, na dependência dos contratos de trabalho. Aquele documento, entre outras coisas, determinava o seguinte:

—Nas escolas que se acharem estabelecidas ou o forem nas diferentes povoações, conforme os respectivos regulamentos de instrução pública, o professor terá a obrigação de ensinar aos domingos e dias santificados, mediante a retribuição que lhe for arbitrada;

—Os patrões ficam obrigados a mandar a essas escolas os menores contratados, desde a idade de sete a quinze anos, e essa obrigação é considerada condição expressa em todos os contratos;

—Todo o indivíduo que tiver contratadas para o seu serviço, na mesma localidade, duzentas pessoas ou mais ficará obrigado a manter uma escola elementar de instrução primária, a cuja frequência são obrigados os indivíduos nas condições indicadas;

—Os patrões são obrigados a franquear a livre prática da doutrina moral e religiosa e a sua instrução aos seus colonos ou serviçais, pelos respectivos párocos ou missionários, e pelos professores que a tal fim se dedicarem.

Não podemos deixar passar sem salientar como merece a data de 21 de Julho de 1876. Nesse dia tomaram-se medidas importantes e, pelo menos uma delas, muito corajosa e séria.

O governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque nomeou uma comissão encarregada de elaborar um projecto de reforma do ensino público, em Angola. A sua constituição é, já de si, muito curiosa. Faziam parte dela o prelado da diocese, D. Tomás Gomes de Almeida, e três professores, já nossos conhecidos, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira e Nicolau Rogeiro.

Em documento firmado no final desse ano civil, o governador afirmava que se não conhecia ainda o resultado dos trabalhos desta comissão, e lamentava que um assunto tão importante merecesse aos seus membros tão sensível desfavor. Esta incúria deveria manter-se, visto que, no dia 3 de Outubro de 1877, foi remetido ao professor Miranda Henriques, através da Secretaria-Geral, o Regulamento das Escolas de Instrução Primária de Cabo Verde, a fim de que o professor estudasse o referido regulamento e propusesse as alterações que julgasse necessárias para vir a ser adoptado em Angola. Vem a propósito referir que Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque tinha governado aquele arquipélago, antes de ser transferido para Luanda, mantendo-se no cargo durante mais de cinco anos. Parece que o referido documento foi elaborado durante o seu governo.

O governador-geral afirmava que a instrução é a base do desenvolvimento real, do progresso seguro de um povo, mas que nesta província não tinha saído ainda do estado embrionário. Devemos salientar que Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque encetou a dura e amarga tarefa de sanear Angola, quanto aos graves males que aqui se tinham radicado, combatendo os defeitos que se haviam introduzido, chamando à ordem muitos elementos que dela andavam afastados.

Na mesma data acima referida, 21 de Julho de 1876, o governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque determinou que naquele ano lectivo as aulas começariam no dia 15 de Outubro e que os professores deveriam documentar previamente a respectiva aptidão pedagógica, por meio do competente diploma, passado pelas escolas do reino, ou então sujeitarem-se a prestar provas da sua capacidade, em Luanda, perante um júri de exames que funcionaria de 10 a 20 de Setembro seguinte. Os professores que fossem aprovados teriam direito ao reembolso das despesas feitas com a sua vinda a Luanda para prestarem provas de exame e regresso às suas escolas. Os agentes do ensino que não registassem oportunamente os respectivos diplomas, quer tivessem sido obtidos no reino quer fossem passados nesta província, deixariam de ser abonados dos respectivos vencimentos, não seriam considerados professores de Angola.

Segundo a expressão do documento oficial, pretendia-se que a educação popular não fosse meramente uma expressão administrativa e o dispêndio feito com a instrução primária um capital esbanjado.

O júri de exames pedagógicos a fazer pelos professores não diplomados era constituído pelos dois professores da Escola Principal, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira e Nicolau Rogeiro, e pelo cónego P. António José do Nascimento, que exercia também funções docentes. A nomeação do júri deve ter sido efectuada no dia 31 de Agosto do mesmo ano. No impedimento de Joaquim Eugénio de Sales Ferreira, que além de desempenhar diversos cargos públicos era ainda bastante doente, substituí-lo-ia o professor Alfredo de Sousa Neto, segundo determinava a portaria do dia 15 de Setembro. Vem a propósito referir que o cónego António José do Nascimento foi nomeado em 13 de Novembro desse ano para exercer o magistério na escola primária estabelecida no Batalhão de Caçadores nº 3.

Em 15 de Novembro de 1876, os governadores de distrito, chefes e administradores de concelho eram avisados de que lhes seriam descontadas nos respectivos vencimentos todas as importâncias pagas aos professores que não tivessem registado os seus diplomas, os competentes títulos de habilitação pedagógica. É interessante notar que os missionários e sacerdotes em geral não foram considerados, pela natureza das respectivas funções e actividades, com a aptidão legal para exercerem o magistério. Os que houvessem de desempenhar tal cargo, se não tivessem já o competente diploma, teriam de fazer o exame. Conhecem-se os nomes de diversos sacerdotes que prestaram provas, continuando assim a exercer funções docentes.

Pode tirar-se a conclusão de que o clero não se impunha pelo seu valor intelectual e preparação literária. Note-se que em Angola vivia-se já um período em que a oposição antiga havia cedido lugar a uma compreensão respeitosa e razoável. Diversos autores afirmaram já que o Colégio das Missões, de Cernache de Bonjardim, por exemplo, preparava mal os seus alunos. Não devemos esquecer, contudo, que alguns deles se salientaram pela vastidão e solidez dos seus conhecimentos. Atrevemo-nos a admitir a hipótese de este instituto ter sofrido a influência dos seus responsáveis, tendo períodos brilhantes e outros que o não foram. Além disso, temos de contar sempre com as qualidades individuais; há elementos que, sejam quais forem as condições, são sempre medíocres, enquanto outros, em igualdade de circunstâncias, conseguem destacar-se. O ambiente angolano não era favorável à valorização pessoal.

O governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, que tanto interesse dispensou ao desenvolvimento da escolaridade, tanto em Angola como em Cabo Verde, afirmou num discurso pronunciado em 30 de Dezembro de 1876:

"Quanto à instrução pública, não podemos dar-nos emboras. Poucos países haverá onde tão desprezada esteja como em Angola. De trinta e duas escolas para que há subsídio no orçamento da Província, só quinze estão providas, e isto por falta de indivíduos com aptidão para o magistério. E as que estão abertas e funcionam são frequentadas por uma população insignificante, pois que ao todo não contam mais de cento e cinquenta e três alunos. Em Luanda mesmo, não é muito notável nos filhos do povo o amor ao saber. Não obstante, para tirar todos os pretextos para a permanência na ignorância e para pôr à mão o ensino para todos, já nos últimos meses se franquearam quatro escolas de instrução primária, nos seguintes pontos: Nazaré, Quartel de Caçadores nº3, Seminário e Calçada do Cemitério. Todas elementares, se forem concorridas, com vantagem poderão derramar o ensino essencial, o ensino que aproveita ao maior número. Não me parece, portanto, lógico nem necessário solicitar mais estabelecimentos de educação, e o alvo da administração deve, por enquanto, estar em preencher idoneamente as escolas vagas! Não havendo na Província regulamento sobre instrução pública, foi primeiro cuidado meu, ao chegar aqui, nomear uma comissão para estabelecer o regulamento de tão essencial serviço. Presidia a ela um alto funcionário, ilustrado e inteligente, o reverendíssimo bispo da diocese. Infelizmente, porém, não se conhece ainda trabalho algum de tal comissão. Lamentando, portanto, que um assunto tão importante merecesse tão sensível desfavor, não me pouparei a esforços para satisfazer esta imediata necessidade de Angola, certo de que o esclarecidíssimo Ministro das Colónias, mais que todos desejoso do desenvolvimento das letras nesta parte da Monarquia, se apressará a aprovar as indicações apresentadas, pela capacidade conspícua, associada ao conhecimento especial da Província e da índole e tendências da sua população. E a vós, senhores procuradores à Junta-Geral da Província, cuja perícia me compraz reconhecer, convido-vos a que entre os vossos trabalhos assinaleis os meios mais adequados para ir alumiando a ignorância em que jaz o elemento indígena".

Em 28 de Março de 1877, o ministro José de Melo Gouveia determinou que os fundos depositados e pertencentes à antiga Junta Protectora dos Escravos e Libertos fossem aplicados na construção de edifícios escolares. Ficaria ao critério do governador-geral a localização das escolas e o número das que se construíssem. Deveria apresentar um plano de divulgação e difusão do ensino primário, criando e mantendo escolas de primeiras letras. Em 13 de Abril seguinte, tratava-se expressamente da construção da escola de Ambaca, sendo encarregado da orientação dos trabalhos o director das Obras Públicas. Apresentava-se nessa altura o problema da construção da linha férrea, cujo plano primitivo considerou como seu término aquela povoação.

No Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, encontram-se documentos de muito interesse para melhor compreensão dos problemas do ensino, em Angola. Num deles, com data de 27 de Junho de 1877, diz o governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque:

"Cumpre-me fazer subir à presença de V.Ex.ª a inclusa nota, demonstrativa dos fundos da extinta Junta Protectora dos Escravos e Libertos [a nota não se encontra junto, ignorando-se onde poderá conservar-se], em depósito na Tesouraria-Geral, por onde V.Ex.ª se dignará ver que, além de 13.332$272 reis, em metal, há 23.000$000 reis em inscrições. Estes fundos, em virtude da portaria de 28 de Março do corrente ano, estão judiciosa e felizmente destinados à construção de escolas na Província, em atenção a uma necessidade cuja satisfação é imprescritível; como, todavia, para este fim seja necessário realizar o valor efectivo das inscrições, rogo a V.Ex.ª se digne dizer-me se posso desde já tratar de vendê-las ou indicar a forma mais conveniente para levar a efeito a indispensável transacção".

A informação lançada a respeito deste documento tem a data de 8 de Agosto desse ano de 1877 e foi redigida em termos que nos parecem irónicos, um tanto ou quanto sarcásticos, para não dizermos indelicados, o que se não coaduna bem com a imagem que fazemos de Caetano Albuquerque. Não vamos, porém, prender-nos a suposições que podem não ser perfeitamente exactas. Limitar-nos-emos a transcrever a informação referida, para que todos possam fazer a sua apreciação:

"Em portaria de 28 de Março último mandou-se aplicar à construção de casas para escolas o fundo em questão; mas, ao mesmo tempo, exigiu-se, com urgência, que o governador submetesse à apreciação do Governo o número de casas, a localidade, etc., e bem assim um plano de recursos para a completa satisfação do pensamento governativo. Ora o governador não responde ainda ao que é mais urgente, que é saber quantas escolas são precisas, os locais onde hão de ser estabelecidas , os planos, etc.; mas quer desde já autorização para vender vinte e três contos de inscrições, cujo produto não teria imediata aplicação. Parece-me que é prematuro. Venham os planos e quando as obras começarem e estiver gasto o metal em cofre, então se tratará de vender o que está rendendo dinheiro para aumentar o capital".

Outro documento, com data de 30 de Julho de 1876, diz-nos que o governador-geral era favorável à ideia de, com os fundos da Junta Protectora dos Escravos e Libertos, se dotar um instituto profissional, que se reconhecia ser de grande utilidade. Havia em Luanda quem propusesse que parte dos fundos fossem para a Misericórdia, outra parte para um estabelecimento de instrução e beneficência, contribuindo ainda com trezentos mil reis para a subscrição destinada à erecção do monumento a Sá da Bandeira, cujo nome ficou indelevelmente vinculado a Angola, aplicando uma parte desta verba em sufrágios pela sua alma. Recorde-se que o grande político, filantropo, humanista e guerreiro tinha falecido no dia 5 de Janeiro desse ano.

Numa portaria assinada em 26 de Setembro de 1878, pelo governador-geral de Angola, Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, afirmava-se que era quase desconhecido nesta Província o ensino profissional, o que dava lugar à angustiante falta de operários habilitados, quer para as indústrias já existentes, quer para as que de novo pudessem vir a criar-se. Essa falta, insistia-se, notava-se até nos ofícios mais triviais, tornando-se de alta conveniência a criação e organização desse ensino, o que poderia obter-se por meio das oficinas do Estado.

Para conseguir o desiderato proposto, foi nomeada uma comissão de cinco membros, que deveria apresentar, no mais curto espaço de tempo possível, o projecto da criação daquele ensino, junto às oficinas do Estado, propondo o sistema de organização e métodos didácticos mais apropriados, para que pudessem conseguir-se resultados vantajosos. Os membros da referida comissão eram :

—José Bernardino de Abreu e Gouveia, secretário-geral de Angola;
—Manuel Rafael Gorjão, director das Obras Públicas;
—Francisco António Pinto, curador-geral dos indivíduos sujeitos à tutela pública;
—Joaquim Eugénio de Sales Ferreira, professor da Escola Principal de Luanda;
—José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, professor aposentado da mesma escola.

Não deixaremos de referir que, pouco tempo depois, no dia 7 de Dezembro de 1878, foi começada a construção da Escola Profissional de Luanda, que nunca chegou a exercer actividade digna de registo. Temos indicações que nos dizem ter sido pouco mais do que a reparação de uma parcela do antigo convento dos jesuítas, incluindo a sua igreja. Segundo os relatórios da Direcção das Obras Públicas de Angola, o imponente templo esteve primeiramente a servir de cavalariça. Elaborou-se um projecto de obras para ali se instalar um internato para cem alunos, prevendo-se a despesa de 41.700$000. Em 1878, gastaram-se 3.261$328; em 1879, despenderam-se 21.799$223; e em 1880, ainda se gastaram mais 3.396$576, o que perfaz a quantia de quase vinte e oito contos e meio. Estes números, atendendo à época histórica a que se referem, são muito elevados. Qual seria a proveniência destas verbas? Sairiam do fundo da Junta Protectora dos Escravos e Libertos? Teriam sido bem aplicadas?

Reconhecendo que fazia muita falta em Angola um curso comercial, admitia-se aí por Abril de 1877 a possibilidade de vir a ser criado um, que fosse mais curto do que o ministrado no reino, mas estivesse adaptado às pequenas exigências e grandes necessidades da população. Nesse mesmo ano de 1877, o governador-geral determinou que as crianças que trabalhassem ou estivessem dependentes da tutela do Estado, por os seus pais o estarem também, tivessem aula aos domingos. Falámos já deste assunto neste estudo. Prometia tomar na devida consideração o zelo ou a incúria dos professores e a gratificação a atribuir a cada um dos agentes do ensino seria calculada sobre o número de alunos que ensinasse.

O decreto de 27 de Dezembro de 1877 instituiu na capital de cada província ultramarina portuguesa um Curso Elementar de Agricultura e Zootecnia, que seria regido por um agrónomo e por um pecuarista.

O ofício ministerial de 5 de Fevereiro de 1880, dirigido ao governador-geral, pretendia avivar o interesse das Câmaras Municipais pelo desenvolvimento da instrução pública, concorrendo da sua parte com subsídios para melhorar os vencimentos dos professores e tomando a seu cargo a construção de escolas.

A portaria provincial de 12 de Maio de 1883 informava os professores de Angola que tinha sido oficialmente adoptado o Método de João de Deus. Pretendia-se regularizar o serviço de inspecção e de exames. Em igualdade de condições, nos concursos, declarava-se que seria dada preferência de colocação aos professores que tivessem obtido o seu diploma em Angola. A propósito do Método de João de Deus, não deixaremos de salientar que apenas em 1888 as Cortes declararam ser-lhe conferida a categoria de Método Nacional.

Vinte anos antes da portaria em referência, em 31 de Outubro de 1853, Almeida Garrett dava o seu parecer acerca da proposta de António Feliciano de Castilho , comissário nacional da instrução pública, quanto à adopção do seu método de leitura repentina, nas escolas do Ultramar. Afirma o ilustre dramaturgo não conhecer o método, mas acreditar nele em virtude de estar subscrito por autor de grande competência e seriedade, muito ilustrado, e escritor de mérito. Não conseguimos recolher a menor indicação que leve a pensar ter sido alguma vez o Método de Castilho aplicado em Angola. Talvez a autorização dada ao Método Português, em 6 de Abril de 1857, para ser introduzido nas escolas de Angola, se refira ao do grande pedagogo lusitano.

No dia 28 de Abril de 1877, a Junta-Geral da Província escrevia em consulta dirigida ao Governo de Lisboa, sob o título de Instrução Pública e Especial, o seguinte:

"Não basta criar escolas. Se nelas não for provida a capacidade e se não forem assiduamente concorridas, a instrução pública será meramente uma ficção. Ao magistério primário, até agora exercido por indivíduos sem competência, já hoje não podem ter acesso senão professores com as habilitações necessárias. As providências recentemente tomadas pelo governador-geral têm organizado cabalmente este serviço, e a Junta-Geral louva-se de bom grado no espírito altamente judicioso que as ditou. Resta a questão da frequência. E esta, posto que por lei seja obrigatória, forçoso é confessar que na prática está inteiramente subordinada ao arbítrio de cada um. Urge, portanto, que a lei seja cumprida e que, forçando a ignorância às águas lustrais do ensino, se desenvolva o entendimento do povo, transformando em cidadãos a turbamulta que hoje só pode ser designada pelo número. Posta nestes termos a educação elementar, convém ainda atender às especialidades da instrução mais elevada, segundo o génio e as necessidades do País. Na Província, à parte a classe oficial, há só, a bem dizer, uma profissão: a comercial. Certamente a primeira, a única riqueza da Colónia está hoje na indústria agrícola; mas tais são as condições peculiares da Província que o lavrador tem de ser, conjuntamente, negociante, e não poderia dar-se à exploração do solo se não se dedicasse a par à indústria comercial. Nestas circunstâncias, derramar as noções, ensinar os elementos, difundir os subsídios literários e técnicos indispensáveis na carreira do comércio é uma providência exactamente adequada à índole local. Confiada, portanto, em que o ensino primário elementar se há de estender a pouco e pouco a todas as camadas populares, em desempenho de uma alta missão social, ousa a Junta-Geral requerer a instituição de um curso comercial por um quadro menos largo que o do reino, mas correspondente à esfera das transacções do País, na maioria feitas com a Metrópole e as nações francesa e inglesa".

Tivemos já ocasião de nos referir superficialmente a esta aspiração de Angola, que verdadeiramente só muito tarde conseguiu ser concretizada.

Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, que governou Angola de 1878 a 1880, dizia que, se era grande a sua pobreza e atraso económico, muito maior era a miséria moral da população da Província. O progresso cultural merecera-lhe especiais cuidados, assim como o seu progresso económico. Criara, afirma ele, uma escola profissional onde podiam aprender as suas artes e ofícios cerca de duzentos alunos. Pretendia criar aqui artistas mecânicos devidamente habilitados, que pudessem substituir os que era preciso mandar vir do reino.

A emigração de elementos europeus, que em princípio era bem vista por todos, tinha uma vez por outra de ser contrariada, em proveito das populações locais e também em benefício económico dos emigrantes anteriores. Os artistas que vinham da Metrópole cobravam demasiado caro pelo seu trabalho, criando dificuldades aos que tinham necessidade de utilizar os seus serviços.

Para justificar a sua atitude e as medidas tomadas, o governador-geral apontava o exemplo dos telegrafistas indígenas, que estavam a prestar bons serviços, dando conta das tarefas de que eram incumbidos, o que depunha em seu favor. Apesar de tudo, a ideia de Vasco Guedes de Carvalho e Meneses não vingou. Quanto à iniciativa de preparar telegrafistas em Angola, neste último quartel do século XIX, não conseguimos recolher qualquer informação que houvesse interesse em registar.

No dia 3 de Setembro de 1880, foi confirmada uma licença de trinta dias, por motivo de doença, à professora primária da escola feminina do Dondo, concelho de Cambambe, Rita Pio do Amaral Vieira. Não nos foi possível encontrar referências nem à sua nomeação nem à criação da escola. Admitimos, no entanto, que deverá ter sido a sua primeira mestra.

Em 7 de Outubro de 1883, foi determinado o processo a adoptar para a admissão ao exame de aptidão dos candidatos ao exercício do magistério. Por certo deveria ter-se em vista o que alguns anos antes tinha sido ordenado pelo governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, em 21 de Julho de 1876, quando tomou medidas tendentes a elevar o nível pedagógico e cultural dos agentes do ensino, melhorando a partir daí os resultados docentes.

Registámos notícias referentes à escolaridade, em Moçâmedes, que devem ser mencionadas. Existia nesta cidade, em 1876, uma escola de instrução primária para o ensino de crianças indígenas, estabelecida por iniciativa e a expensas de particulares. Foram seus professores Casimiro da Silva e Artur Gustavo de Portugal Prayce. A Câmara Municipal de Moçâmedes, na sua sessão do dia 10 de Agosto de 1881, resolveu chamar a atenção dos responsáveis para o que o Boletim Oficial de Angola publicou no dia 5 de Fevereiro desse ano. Tratava-se da portaria régia de 4 de Novembro anterior, em que se recomendava ao governador-geral a fundação de estabelecimentos para a educação religiosa, literária e profissional dos serviçais da vila de Moçâmedes. A Câmara tomava a iniciativa de pedir que lhe fosse indicado o montante da contribuição com que poderia contar para tal fim, e se poderia encarregar vários mestres artistas, muito hábeis, da regência e organização de uma escola profissional, estabelecendo uma aula de instrução primária e escolhendo na vila pessoa idónea para a reger. Além disso, pensava-se em contratar no reino um eclesiástico a quem se entregasse a educação religiosa dos indígenas que residiam na povoação.

Há vários indícios de, no final do século passado e princípio do actual, se praticar em Moçâmedes, embora de forma pouco saliente, um pouco de segregação racial, o que se não verificava nas demais localidades do território. Ignoramos se esta mentalidade veio do Brasil, trazida pelos colonos que de lá partiram para fundar esta povoação. Recordemos que eles tiveram de deixar o litoral brasileiro por motivo de fortes manifestações xenófobas. Também poderia estar a sentir-se a influência da proximidade da Namíbia e da África do Sul, onde já se praticava a discriminação.

Realizaram-se em Moçâmedes, em 3 de Outubro de 1881, provas de exame de instrução primária, tendo sido propostos cinco alunos. Na falta de júri legalmente nomeado, os exames foram feitos perante a Câmara Municipal, assistindo ao acto o governador do distrito, Sebastião Nunes da Mata, diversos funcionários públicos e muitas outras pessoas. Foi geral o regozijo, ao ver o bom resultado obtido e o brilho das provas prestadas pelos examinandos, o que demonstrava, na opinião dos assistentes, a solicitude do professor proponente, P. Diogo Damião Rodolfo de Santa Brígida e Sousa. Na acta da sessão extraordinária respectiva salientava-se:

"Submetendo-se a exame alguns alunos mais adiantados, que frequentam a aula de instrução primária, a cargo do pároco, o Governo, a Câmara e principalmente os chefes de família poderiam avaliar a maneira como se desempenhavam naquela escola os difíceis deveres do magistério e, na hipótese de que os examinandos fornecessem a prova evidente, dos bons métodos e zelo empregados pelo professor"

Esta acta dá-nos informações curiosas e preciosas quanto à forma como se processava o exame. Conclui-se que se adoptou um sistema muito racional e mesmo bastante moderno. No entanto, pode pensar-se se estaria bem enquadrado na legalidade. Esteve presente o governador do distrito, a quem competia nomear o júri! Em face dos resultados, a Câmara não se negou a elogiar abertamente o zelo e a dedicação do professor primário e pároco de Moçâmedes, P. Diogo Damião Rodolfo de Santa Brígida e Sousa.

Em Janeiro de 1882, era publicada a notícia de que tinha sido instalada, em Moçâmedes, a Escola Luz Africana. Assistiu à cerimónia da sua abertura e inauguração grande número de pessoas da cidade. Salientava-se que era a povoação de Angola que mais se tinha interessado, até então, pelo desenvolvimento da escolaridade, embora os resultados obtidos não satisfizessem inteiramente a boa vontade das pessoas que para tal se não poupavam a esforços. O professor do novo estabelecimento de ensino era Francisco Rodrigues Pinto da Rocha Júnior. A comissão constituída para levar a cabo esta iniciativa tinha como presidente Francisco José de Almeida; os restantes vogais eram Joaquim de Paiva Ferreira e o professor da escola. A iniciativa pertencera à Loja Luz Africana, e por isso pode admitir-se que tivesse origem maçónica. Matricularam-se vinte e oito alunos, mas em Junho estavam já a frequentá-la trinta e uma crianças.

No dia 1 de Outubro de 1883, realizaram-se exames de instrução primária em Moçâmedes. O respectivo júri era constituído por António Acácio de Oliveira Carvalho, que deveria ser o presidente por o seu nome vir indicado em primeiro lugar, sendo vogais Menandro José Maria Guerra e o professor proponente, P. Diogo Damião Rodolfo de Santa Brígida e Sousa. Além da do Estado, continuava em actividade a que a Loja Luz Africana estabelecera e em que continuava a ensinar Francisco Pinto da Rocha. Este agente do ensino anunciava que recebera e tinha à venda o livro intitulado Mestre Popular ou seja o Francês sem Mestre. O ensino deste idioma interessava bastante à população de Moçâmedes, segundo diversos indícios que pudemos encontrar.

Em 3 de Outubro de 1884, efectuaram-se novas provas de exame em Moçâmedes. Isso indica que a instrução, de facto, merecia grande interesse aos seus habitantes. O júri era constituído por Dr. João Ferreira Duarte Leitão, Dr. Manuel Mouzaco, e o professor e pároco, que continuava a ser o P. Diogo Damião; tinha sido expressamente nomeado pela portaria do governador do distrito, no dia 1 desse mês. Além das provas de ensino primário elementar, havia uma aluna que fazia exame de Francês, e era exactamente a filha do governador Sebastião Nunes da Mata, de nome Beatriz da Conceição da Mata. No dia seguinte, efectuou-se uma sessão extraordinária na Câmara Municipal, com a finalidade de entregar aos alunos distintos os prémios pecuniários que o governador-geral de Angola, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, concedera do seu bolso particular. Era isso o que se anunciava. O prémio referido, de noventa mil reis, foi dividido em quatro fracções, cada uma delas atribuída a um aluno.

A filha do governador foi também premiada. O coronel Sebastião Nunes da Mata levantou-se e pediu licença ao júri e à Câmara Municipal para oferecer a importância do prémio concedido à sua filha à capela de Nossa Senhora da Conceição, da Quipola. Declarava que esta atitude não diminuía o seu reconhecimento às pessoas relacionadas com esse prémio, nem a satisfação que tivera por a sua filha ter sido distinguida, assim como não significava desacordo com qualquer das decisões tomadas.

Vem a propósito dizer que trabalhava nessa altura em Moçâmedes uma senhora muito distinta, que se dizia ser a melhor e mais competente professora de Angola, Henriqueta Deehan, de origem irlandesa mas educada na França. No seu colégio ministrava-se o mais vasto programa educativo de toda a província, podendo comparar-se ao que havia de melhor na Europa. Preenchia só ela o lugar de muitas mestras. Manteve-se na cidade cerca de pelo menos quinze anos e a sua escola era frequentada pelas meninas das melhores famílias. Ali se conservavam até bastante tarde, saindo do colégio apenas quando casavam...



 
Índice
Anterior
Seguinte
  1