9. CUIDADOS DA ENSINANÇA

O interesse pela preparação das gerações que subiam para a vida vinha de longe. Conhecemos já, dos capítulos anteriores, diversas iniciativas postas em prática ao longo da História de Angola, quer para divulgação de conhecimentos intelectuais quer para preparação profissional dos jovens da terra. Sabemos, por exemplo, que D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho fundou o "Trem", espécie de escola-oficina para a aprendizagem de certos ofícios, sobretudo os que se prendiam com as actividades marítimas e piscatórias, ciência náutica e funcionamento de estaleiros, chegando muitos dos seus alunos-operários a atingir notável perfeição profissional. Com o tempo, a instituição desactualizou-se e, em 28 de Julho de 1856, foi temporariamente suspensa a sua actividade, para reaparecer mais tarde, reorganizada pela portaria régia de 6 de Outubro do mesmo ano, continuando a preparar para a vida os jovens angolanos. No entanto, não voltou a reconquistar o prestígio que da primeira vez conseguiu alcançar.

Outra portaria régia, esta datada em 19 de Novembro de 1856 e subscrita pelo marquês de Sá da Bandeira, determinava que os filhos dos régulos, sobas e outros potentados indígenas deveriam ser educados em Luanda, sob a orientação e vigilância das autoridades portuguesas, a expensas do Estado. O orçamento anualmente elaborado incluiria as quantias necessárias para esta iniciativa, e isso veio a verificar-se durante muitos anos. O governador-geral seria o responsável supremo pela execução desta determinação real. Pretendia-se com isso que conseguissem aprender perfeitamente a usar a língua portuguesa, que adquirissem hábitos educados, que assimilassem os costumes próprios da civilização europeia, de que depois se fariam propagadores junto dos seus povos. Tinha-se em vista, com esta medida, a difusão cada vez mais intensa da cultura e dos hábitos hoje chamados ocidentais.

Outra portaria, agora de 19 de Dezembro seguinte, autorizava o governador-geral a reunir os educandos em edifício próprio, a nomear mestres que se encarregassem de lhes ministrar as noções que deveriam ser-lhes ensinadas, a prover ao seu sustento e vestuário, à maneira civilizada. Pretendia-se que se integrassem nos costumes europeus, que tomassem conhecimento dos princípios que enformam as nossas leis, que se apercebessem de como funciona o nosso sistema administrativo e judicial, numa palavra, que adoptassem hábitos, usos e costumes portugueses.

Pouco se sabe dos resultados desta iniciativa, que deveria ser realizada com grandes deficiências, como normalmente acontecia nas coisas do género. Deve-se isso a causas diversas, a que não são estranhas certas alterações da ordem pública, em diferentes pontos do território, na segunda metade do século XIX. Trinta anos mais tarde, figuravam ainda no orçamento anual da província as verbas destinadas a tal fim; mas parece que pouco mais era do que uma rubrica fixa introduzida no esquema orçamental, sem resultados práticos e sem frutos palpáveis.

A ideia voltou à tona pelos anos económicos de 1947-1950, durante o tribunato do ministro Teófilo Duarte, que pensou em criar escolas para a formação das autoridades gentílicas. A saída do ministro do elenco governamental fez morrer a iniciativa, costume característico da maneira de ser dos portugueses, que é quase nunca se dar prosseguimento aos projectos dos que vão substituir. No caso da iniciativa de Teófilo Duarte, houve quem combatesse a ideia por se manifestar um tanto segregacionista, contrária ao sentir lusitano mas que então ainda obteve certa aceitação entre nós.

Devemos ter em conta que nessa altura histórica, meados do século passado, o panorama educativo reflectia, tanto em Angola como em Portugal e no resto do mundo, o condicionalismo sócio-político do tempo; a educação tinha o objectivo de preparar elites, preparar os filhos dos privilegiados para ocuparem aristocraticamente os lugares de comando. Os filhos dos sobas eram meninos privilegiados, à semelhança do que acontecia com os brancos, destinados desde o berço a exercer funções de chefia, a ocupar lugares destacados. Apesar da sua largueza de vistas e de ter mentalidade muito liberal, e sob certos aspectos mesmo muito avançada, nem o já remoto ministro Sá da Bandeira conseguiu ultrapassar o condicionalismo do seu tempo e apreender com antecipação os rumos do futuro. Com Teófilo Duarte a situação piorava, pois estávamos num tempo em que se punha certa esperança no apartheid.

Em 26 de Fevereiro de 1857, a fim de dar estabilidade à estruturação escolar no interior de Angola, prevendo a expansão que nos anos seguintes iria ter a alfabetização angolana, foi determinado que os chefes e comandantes dos presídios e distritos passassem atestados de efectividade e assiduidade aos professores de instrução primária, indispensáveis para que lhes pudessem ser abonados os respectivos vencimentos e gratificações. Realmente, houve nesta altura grande interesse em espalhar escolas e professores por diversas localidades angolanas. Não foram encontrados os mapas estatísticos relativos aos anos que vão de 1853 a 1856; no entanto, conhecem-se os de 1852, em que as escolas funcionaram em oito povoações, e os de 1857, em que este número subia já para dezoito. Contamos apenas as que funcionaram, pois havia mais quinze localidades com o ensino legalmente estabelecido, mas não em funcionamento.

Em 28 de Março de 1857, em ofício dirigido ao governador-geral de Angola, José Rodrigues Coelho do Amaral, comunicava-se que Sua Majestade ordenara a fundação de uma livraria ou biblioteca anexa à Secretaria-Geral e ainda a instituição de um museu contíguo, aproveitando para isso os elementos que pudessem ser reunidos. Os objectos recolhidos seriam entregues, por inventário, à responsabilidade do secretário-geral, tendo em conta as indispensáveis cautelas e formalidades legais, a fim de se evitarem descaminhos. Proceder-se-ia da mesma forma com os livros da biblioteca. Reconhecia-se haver vantagem e até necessidade de reunir obras de História, Administração, Política, Legislação e outras que pudessem ajudar na governação. Quanto ao museu, apontava-se a conveniência de possuir amostras de madeiras, minerais e todos os artigos, produtos e objectos adequados a um estabelecimento desta natureza, tornando-se tanto mais valioso e interessante quanto mais fielmente pudesse retratar o ambiente local, a importância e a riqueza dos produtos desta província.

Não deixará de ser lógico que a futura biblioteca do Governo-Geral de Angola tenha aqui a sua origem. Quanto ao museu, a sugestão deverá ter sido esquecida e o projecto abandonado!

Pela portaria de 1 de Agosto de 1864, assinada pelo governador-geral José Baptista de Andrade, foi nomeada uma comissão com o fim de instituir e organizar em Luanda uma biblioteca e um museu, que pudessem servir o público estudioso, adquirindo para isso o indispensável recheio de livros e objectos próprios de tais instituições. Era posta à disposição dos membros desta comissão uma casa situada na Travessa da Sé, podendo reunir-se ali e convocar lá outras pessoas que pudessem auxiliar a sua tarefa, sobretudo na elaboração e redacção dos respectivos regulamentos, assim como na aplicação e concretização de iniciativas que viessem facilitar a realização do projecto, de tanto interesse científico, literário e cultural para Luanda e seus habitantes. O museu e biblioteca referidos deveriam ficar instalados no edifício da antiga igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, que serviu de sé catedral, em tempos passados. O governador-geral Baptista de Andrade mandou ainda fazer obras de adaptação ao fim previsto.

A comissão referida era constituída pelas seguintes individualidades:

—Dr. Joaquim Guedes de Carvalho e Meneses, juiz-presidente do Tribunal da Relação de Luanda;
—Dr. Luís António de Figueiredo, juiz de Direito;
—Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, médico e quimbundista;
—Dr. António José dos Santos, médico-cirurgião;
—Dr. Francisco José Farto da Costa, advogado.

Em 19 de Janeiro de 1865, o governador-geral informava o ministro de que a citada comissão efectuara diligências no sentido de dar satisfação ao encargo que lhe tinha sido confiado, apresentando diversos planos e reunindo material que deveria figurar no museu e fazer parte da biblioteca. Continuava a indicar-se o edifício da antiga sé para a sua instalação, pois poderiam ser construídos ali compartimentos adequados, oferecendo este local condições satisfatórias. Pensava-se que pudesse ser instalada também, naquele local, a Repartição de Saúde, pois estava muito carecida de sede apropriada.

Todo o material museográfico assim como os exemplares dos livros destinados à biblioteca foram provisoriamente guardados no palácio do Governo-Geral. No dia 14 de Abril comunicava-se já que o edifício estava bastante adiantado, sendo notória a falta de uma pessoa que soubesse preparar as diferentes espécies zoológicas, embalsamando os cadáveres. Pedia-se que fosse enviado para Luanda um técnico que pudesse encarregar-se de tal missão, indicando claramente quanto lhe deveria ser pago de ordenado. Vem a propósito dizer que, pela mesma altura, o médico dos Serviços de Saúde, Dr. João Cabral Pereira Lapa e Faro, que passou quase toda a sua vida em Moçâmedes, onde exerceu clínica, comunicava — em 22 de Maio desse ano de 1865 — ter concluído a primeira fase do embalsamamento de um leão, que se remetia para o reino. Em cota lavrada sobre o documento determinava-se que este facultativo fosse louvado pelo trabalho realizado e iniciativa que tivera. O Dr. João Cabral Pereira Lapa e Faro era natural do Porto, onde deve ter nascido pelo ano de 1821, e formado pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e pela Universidade de Bruxelas.

Com data de 15 de Outubro de 1867, o governador-geral de Angola remeteu para o reino, com destino ao Museu Nacional de Lisboa, um caixote que continha diversos exemplares zoológicos. Tinham-lhe sido enviados pelo governador do distrito de Moçâmedes, então Joaquim José da Graça, e eram remetidos pelo encarregado das explorações científicas zoológicas em Angola, José Alberto de Oliveira Anchieta. Acumulam-se neste período as notícias de contínuas remessas de material científico recolhido neste território. Assim, em 16 de Setembro anterior era enviada outra, com exemplares recolhidos na região de Capangombe, havendo uma de 10 de Setembro, referente à região do Bumbo. Temos conhecimento de haverem sido feitas mais remessas, cujas comunicações documentais registam as datas de 4 de Janeiro, 27 de Abril, 9 de Outubro e 15 de Dezembro desse ano, não sendo de excluir a hipótese de haver outras de que não tenhamos conhecimento. As Ciências Naturais e a exploração científica da África despertavam interesse excepcional e movimentavam os sábios de todo o mundo. Portugal não ficou à margem desse movimento, fazendo também investigação de alto interesse para a difusão do saber e alargamento dos conhecimentos humanos.

Com referência ao dia 9 de Outubro de 1867, o governador-geral comunicava remeter alguns objectos encontrados numa escavação feita em Pungo Andongo, numa antiga sepultura — ossos, fragmentos de galão, pedaços de um colar com corrente de prata, tendo uma cruz pendente. A corrente tinha algumas braças de comprimento e julgava-se que tivesse servido de adorno à campa. Admitia-se que tudo isso tivesse mais de duzentos anos. Foi-lhe dado como destino, em Lisboa, a Biblioteca Pública Nacional, ficando atribuído ao Gabinete de Medalhas.

Pelos apontamentos registados pode verificar-se que as autoridades portuguesas, tanto em Lisboa como em Luanda, prestaram a sua atenção à difusão e expansão cultural, tomando iniciativas de alto mérito. Infelizmente, os interesses imediatos e os valores materiais sobrepuseram-se e abafaram-nas! Muito pode o vil metal!

Neste desfilar de evocações em que são mais os casos de fracasso do que de êxito, merece menção muito especial a fundação da Biblioteca Municipal de Luanda, no final do terceiro quartel do século passado. Servindo-nos dos dados tornados públicos por ocasião das comemorações centenárias, podemos referir que, em 12 de Novembro, o presidente do município propôs em sessão camarária a abertura da biblioteca no dia 1 de Dezembro de 1873, o que realmente veio a acontecer. Ao mesmo tempo era encarregado o vereador Urbano de Castro de redigir o regulamento que deveria orientar a sua actividade, parecendo que nunca chegou a desobrigar-se deste encargo. Em anúncio publicado no Boletim Oficial de Angola, a 29 de Novembro desse ano, a população da cidade era avisada de que funcionaria nos dias úteis em dois períodos de trabalho, o diurno e o nocturno, no edifício dos Paços do Concelho. Abriu no dia previsto, contando duzentos e sessenta e cinco livros próprios e mais duzentos e cinquenta emprestados por Urbano de Castro. Nos primeiros cinquenta anos, o seu funcionamento nem sempre foi satisfatório e, em face disso, a Câmara resolveu encerrá-la em 1882, o que se não verificou, pois a isso se opuseram alguns luandenses que estimavam a cultura e tinham a ilustração intelectual em bom apreço; no decorrer do ano de 1886 chamava-se a atenção dos responsáveis para o facto de alguns livros marcados com o carimbo da Biblioteca Municipal de Luanda terem sido vendidos em praça, integrados em espólios de munícipes falecidos; em 1927, dizia-se que a média diária dos seus leitores não chegava a ser de dois, contando cerca de seis mil volumes. Deve referir-se que, em 1913, tinha recebido o espólio literário do Dr. Alfredo Troni, falecido já em 1904, por oferta dos herdeiros do conhecido advogado, jornalista e novelista [autor de Nga Mutúri]. Grata à memória daquela figura, a edilidade mandou colocar no seu túmulo, no cemitério municipal do Alto das Cruzes, uma inscrição que recorda o acto. Esta doação, no dizer da mencionada lápide, constituía "o principal recheio da biblioteca".

Integrado nela, embora com funcionamento separado, encontramos o Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Luanda, onde se guarda a documentação que pertenceu ao Arquivo Geral do Município, a qual conta documentos numerosos de diversas origens, alguns que vieram já do século XVII. Este arquivo permaneceu praticamente desconhecido até que, em 1957, o oficial inglês e conceituado erudito lusólogo, Charles Ralph Boxer, nele procedeu a demoradas e minuciosas investigações. A partir dessa altura, começou a proceder-se à selecção, ordenação e reprodução sistematizada dos seus documentos, passando a servir os estudiosos que se dedicam à evocação histórica. A Biblioteca Municipal de Luanda é, sem dúvida alguma, a organização do seu género que melhor serve a população citadina, de todos os níveis e graus de cultura, não havendo outra que se lhe possa comparar em todo o território angolano.

No dia 5 de Fevereiro de 1859, realizaram-se em Luanda provas de exame aos alunos do ensino oficial do sexo masculino. Um artigo publicado logo no dia 12 seguinte, no Boletim Oficial de Angola, mostrava certa estranheza pelo facto de o público luandense não ter prestado atenção a tal ocorrência, pois os alunos não estavam acompanhados pelos seus pais, tutores ou encarregados de educação, à excepção de um ou dois, diz o articulista. O seu número era de cento e trinta e os exames eram feitos à sorte, examinando os que fossem indicados por alguém da assistência. O professor da classe, Miranda Henriques, no entanto, propôs que Feliciano Miguel de Assis e João Espada-Fora fossem mais minuciosamente interrogados. A maneira como responderam ao questionário que lhes foi feito não podia ser mais lisonjeira, nem para os discípulos nem para o mestre. Salientou-se ainda pela vastidão e profundeza dos seus conhecimentos um aluno chamado Caetano José Tavira, o qual deveria ter já certa idade, isto é, deixaria de ser criança, pois se lhe dava o tratamento de "senhor". Recordamos que, por esta altura, no ano lectivo de 1857-1858, havia em Tala Mugongo um professor de nome semelhante, Manuel José Tavira, que bem poderia ser da mesma família! Estiveram presentes às provas de exame a que nos vimos referindo os membros da Câmara Municipal de Luanda. Servia de júri examinador o próprio Conselho Inspector de Instrução Pública, a que presidia o governador-geral José Rodrigues Coelho do Amaral, que distribuiu vários livros aos estudantes que se distinguiram, louvando no final o zelo do mestre e a aplicação dos alunos, cabalmente demonstrados pelo aproveitamento que tiveram.

Não conseguimos apurar ao certo de que livros se tratava — os que foram distribuídos como prémio escolar. Todavia, recordamos que poucos meses antes, em Julho de 1858, anunciava-se a recepção de vinte exemplares da obra Alguns Frutos da Leitura e da Experiência, de que era autor José Silvestre Ribeiro, e quatro exemplares do livro História do Cerco do Porto, de Luz Soriano. Destinavam-se, exactamente, a premiar alunos que se distinguissem pela sua aplicação e pelo resultado escolar obtido, isto é, os melhores estudantes da província.

Alguns anos antes, em 18 de Novembro de 1854, anunciava-se também que trinta e um alunos haviam recebido gratuitamente alguns compêndios escolares, remetidos pela Secretaria-Geral, que nesse tempo superintendia no ensino. Era uma forma de conceder vantagens, estimular a aplicação e premiar esforços.

Retomando o assunto da distribuição de livros como prémio aos alunos mais aplicados, informamos que, no dia 6 de Fevereiro de 1858, foi comunicado de Lisboa que tinham sido remetidos para Luanda vinte exemplares do livro Alguns Frutos da Leitura e da Experiência, um dos quais ficou para a biblioteca do Governo-Geral e os restantes foram enviados aos professores — cinco para a Escola Principal de Luanda, seis para Benguela (sendo dois para a escola feminina), quatro para Moçâmedes e quatro para o Golungo Alto. E a 19 de Junho seguinte comunicavam que foram enviados sete exemplares de Camões e o Cosmos, também da autoria de José Silvestre Ribeiro, destinados a prémios escolares. Foram entregues ao professor da Escola Principal de Luanda, Miranda Henriques.

Afinal, quem era este José Silvestre Ribeiro? Foi escritor bastante fecundo e relativamente conhecido no seu tempo, político e historiógrafo, nascido em 1807 na Idanha-a-Nova e falecido em 1891 certamente em Lisboa; era formado em Cânones pela Universidade de Coimbra e foi sócio-fundador da Sociedade Protectora dos Animais; entre as suas obras salienta-se a que tem o título de História dos Estabelecimentos Científicos, Literários e Artísticos de Portugal, em dezoito volumes, Primeiros Traços de uma Resenha da Literatura Portuguesa, o estudo Dante e a Divina Comédia, etc.

Voltando novamente ao tema dos livros destinados a prémios aos alunos de Angola, que mais se tivessem distinguido pela sua inteligência, aplicação e comportamento, referiremos que, no dia 21 de Abril de 1858, era comunicada a remessa de quatro exemplares da História do Cerco do Porto, de Luz Soriano, que foram distribuídos pelas escolas primárias (certamente as masculinas) de Luanda, Benguela, Moçâmedes e Golungo Alto. Isto permite-nos avaliar quais eram as localidades principais do território, nos meados do século passado.

Não encontrámos referências periódicas aos exames da Escola Principal de Luanda. Estamos convencidos de que houve mais do que os anunciados. Além daqueles de que falámos atrás, realizaram-se provas públicas, nesta cidade, nos dias 13 e 14 de Junho de 1866. Presidiu aos trabalhos, no primeiro dia, o próprio governador-geral Francisco António Gonçalves Cardoso; no segundo dia, a presidência do júri esteve a cargo do secretário-geral Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão. A distribuição dos prémios fez-se no dia 17 desse mês; no dia 30 era publicada a lista dos alunos distinguidos e dos que apenas obtiveram aprovação simples, que pode ler-se nas páginas do Boletim Oficial de Angola.

Um dos alunos aprovados e premiados nestes exames, D. Álvaro de Água Rosada, cremos que da família real conguesa, foi nomeado no dia 1 de Março de 1867 para exercer as funções de professor de instrução primária, em São Salvador do Congo. Obtivera o quarto lugar da classificação nos exames de Junho anterior. Não encontrámos referência à sua actuação, nos anos seguintes. Aparece-nos novamente nomeado para o cargo de mestre de primeiras letras, em 1883, já no tempo de D. António Barroso, um indivíduo de nome igual; tudo leva a pensar que se trate da mesma pessoa. Poderia não ter tido possibilidade de enviar os mapas; poderiam ter ficado em outros departamentos; poderia mesmo descuidar-se e não os remeter; talvez nem tivesse entrado em exercício; talvez fosse exonerado sem que disso tenhamos conhecimento. Sabemos que, em dado momento, ao pretender pôr-se em funcionamento uma escola no Congo, a população mostrou-se pouco disposta a mandar as crianças às aulas, a que não reconhecia qualquer utilidade prática.

Em 29 de Agosto de 1868, efectuaram-se em Luanda novas provas de exame, sendo submetidos à apreciação do respectivo júri seis alunos da Escola Principal, leccionados por Fernando da Silva Delgado. Também desta vez assistiu aos trabalhos o governador-geral, Francisco António Gonçalves Cardoso, que no final elogiou o mestre pela sua dedicação ao ensino e competência pedagógica, e exaltou os examinandos pelo aproveitamento que tiveram e a aplicação demonstrada.

Alguns dos livros dados como prémio aos alunos da Escola Principal de Luanda, que em Junho de 1866 fizeram o seu exame, como atrás referimos, foram oferecidos pelo próprio professor, Miranda Henriques, a quem o governador agradeceu a generosidade em ofício do dia 12 desse mês — ou mais provavelmente de 12 de Julho, pois aquela data era anterior à das provas realizadas.

No relato da distribuição dos prémios há referência às seguintes obras: — Alguns Frutos da Leitura e da Experiência, de José Silvestre Ribeiro; Cristão por Sentimento, de Fr. A. P. O.; Sentenças Espirituais, dos Santos Padres e Doutores da Igreja; Compêndio de Doutrina Cristã, por Joaquim Lopes Carreira de Melo (vinte exemplares); Tratado de Aritmética Segundo o Método de Pestalozzi, de Mr. T. Tate, aumentado por José Ramos Paz (dez exemplares); além destes há ainda menção de O Novo Amigo dos Meninos, por Saint Germain Leduc; Mimo á Infância, de Emílio Aquiles Monteverde; Os Anais de Cornélio Tácito, oferecido por João Osmundo Toulson, e História Natural para Meninos e Meninas, da autoria de Pedro Luís Napoleão Chernoviz, que foi oferecido pelo benemérito anterior.

Não faltará quem julgue a enumeração que acabámos de fazer não só inútil como até fastidiosa e fatigante. Deve ter-se em conta que muito ajuda a fazer apreciação exacta e fiel. Tem muito interesse saber quais as obras literárias que em cada período histórico se julgam aconselháveis para a juventude, servindo-lhes de guia para o seu comportamento e de luz para a sua inteligência. Por elas podemos avaliar o pensamento e a mentalidade da época; pela literatura dos nossos dias se moldará o conceito que o futuro fará dos nossos erros, das nossas virtudes, da nossa mentalidade.

Em resposta ao ofício do comandante do Batalhão de Infantaria de Linha, da cidade de Luanda, de 30 de Outubro de 1856, o governador-geral comunicou em documento emanado da Secretaria-Geral de Angola e subscrito por Bernardino António Ferreira, que lhe foi agradável saber que a escola primária estabelecida naquela unidade militar era frequentada por cerca de quarenta praças. Autorizava que para ali fossem enviadas as de outros corpos militares da cidade, como se sugeria, dando-se ordens nesse sentido aos respectivos comandantes.

Muito curiosa é a portaria publicada em 19 de Fevereiro de 1859, em Luanda. O vigário-capitular da diocese, P. António Firmino da Silva Quelhas, havia pedido a demissão do cargo de professor da Aula de Latim, que o governador-geral lhe não concedeu. Tinha sido nomeado em 3 de Maio de 1855 e fora confirmado no dia 7 de Dezembro seguinte. Alegava ele, como razão justificativa, que os alunos haviam tido frequência muito baixa e irregular; consequentemente, o aproveitamento fora pequeno. O Governo de Lisboa aprovou a resolução tomada pelo chefe da província e o vigário-capitular foi elogiado pela nobreza de intenções e integridade de carácter, pelo escrúpulo manifestado em não querer receber o vencimento que lhe competia, como professor daquela matéria escolar. O governador foi então encarregado de tentar encontrar solução para este problema, embora com carácter provisório, até que pudesse estabelecer-se definitivamente o seminário-liceu, oficialmente já criado. Ao mesmo tempo, aconselhava-se que se desse maior expansão e difusão ao ensino primário, alargando a rede escolar até à medida do possível. Admitia-se também não ser fácil arranjar professores competentes, por não haver número suficiente de mestres que quisessem deslocar-se para Angola, exercendo aqui o magistério. Em face das difíceis condições de momento, ficava autorizado a contratar e nomear para este cargo indivíduos que mostrassem possuir preparação intelectual e aptidão pedagógica suficiente, embora não tivessem prestado provas pública.

No dia 24 de Fevereiro de 1859, foi nomeado novo professor para a Escola Principal de Luanda, e que era Mateus Luís Coelho de Magalhães. Não deveria ter as habilitações legais exigidas, pois no documento da nomeação faz-se referência à autorização que havia sido concedida ao governador-geral, pela portaria de 23 de Novembro de 1858, de certo modo reforçada pela que atrás referimos. Podiam ser nomeados professores interinos sem as habilitações legais, desde que dessem garantia de possuírem conhecimentos suficientes para bem desempenharem as respectivas funções. Pretendia-se dar cumprimento ao disposto no decreto de 14 de Agosto de 1845, que ordenava que houvesse dois professores na Escola Principal. O professor efectivo, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, era encarregado de elaborar o projecto de regulamento interno do estabelecimento. Se se não lançasse mão do recurso a professores sem as habilitações literárias legais, se se não aproveitassem as disponibilidades de pessoal de que podia lançar-se mão em Angola, o desenvolvimento da escolaridade e a difusão da instrução teriam sido ainda mais lentos e mais limitados. Se não fosse usado este expediente, não poderiam encontrar-se os mestres indispensáveis para manter as poucas classes que havia, não teriam funcionado as escolas, em grande número de casos, desenvolvendo-se ainda menos o ramo escolar.

No dia 10 de Outubro de 1866, foi nomeado outro professor para a Escola Principal de Luanda, Carlos Augusto de Gouveia. Deveria substituir Miranda Henriques, que tinha sido jubilado ou aposentado em 8 de Agosto anterior.

Na sessão do Conselho Inspector de Instrução Pública, realizada em 10 de Junho de 1870, presidida pelo governador-geral José Rodrigues Coelho do Amaral, e a que assistiram Eduardo de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, secretário-geral, o cónego P. José Maria Fernandes, o professor Carlos Augusto de Gouveia, o Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa, faltando o cónego Dr. António Guedes Coutinho Garrido, governador do bispado, tratou-se da nomeação de um professor que faltava na Escola Principal. Haviam requerido a nomeação quatro candidatos — o cónego P. António José do Nascimento, P. António Castanheira Nunes, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira e Nicolau Rogeiro. Os dois primeiros foram eliminados por razões que a acta da sessão não esclarece, mas que poderemos deduzir ter sido por se apresentarem à candidatura dois professores com o respectivo diploma de habilitação profissional, e que a eles faltava, apesar de terem habilitações literárias talvez mais elevadas. Podemos esclarecer que aconteceu algo semelhante com o Dr. Acácio de Oliveira Moz, embora bastante mais tarde, em 1910. Mas ocorreram outros casos idênticos noutras ocasiões.

Na sessão de 22 de Agosto desse mesmo ano de 1870, do Conselho Inspector de Instrução Pública, a que assistiu o governador-geral Joaquim José da Graça, o Dr. António Guedes Coutinho Garrido, Nicolau Rogeiro, Eduardo de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, o Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa, e a que faltaram Carlos Augusto de Gouveia e P. José Maria Fernandes, foi tratado o problema da nomeação do professor de Latim. Havia dois requerimentos, assinados por Carlos Augusto de Gouveia e cónego P. Timóteo Pinheiro Falcão. Tendo sido ponderadamente analisado o caso, acordou-se que não convinha fazer a nomeação, pois o curso não tinha alunos inscritos, criando-se a convicção de não haver nenhum interessado em frequentar as aulas.

Os lugares de professor da Escola Principal tinham sempre mais pretendentes, pois a remuneração era bastante alta. Os demais lugares, incluindo o de professor de Latim, só interessavam em sistema de acumulação, porque a importância auferida era pequena, se a compararmos com aquela, mesmo quando fosse paga na totalidade e não apenas como gratificação suplementar, ainda menor.

No dia 1 de Fevereiro do mesmo ano de 1859, foram nomeados novos vogais do Conselho Inspector de Instrução Pública, devido a terem saído para o reino dois membros antigos, o juiz Dr. António Faustino dos Santos Crespo e Alexandre Balduíno Severo de Mendonça. Continuava a fazer parte o antigo vogal António Lopes da Silva, pois mantinha residência em Luanda. Foram nomeados para substituírem aqueles o Dr. Faustino José Cabral, médico a exercer as funções de físico-mor de Angola, e o professor da Escola Principal, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques. No dia 16 de Outubro do ano seguinte, 1860, foi nomeado mais um vogal, outro professor, Fernando da Silva Delgado. Reconhecia-se a vantagem de fazer representar melhor e mais numerosamente a classe docente, por se tratar de problemas que os mestres de primeiras letras deveriam conhecer tão bem como qualquer outra pessoa, mesmo de maior representação social, e em que eram directamente interessados. Muitas vezes se errou e continuará a errar por os problemas escolares serem resolvidos por quem não vive deles e para eles, sobrepondo a sua maneira de ver à daqueles que lhes consagram as suas energias, a sua dedicação, o seu desprendimento monetário.

Temos conhecimento de um documento manuscrito, guardado no Arquivo Histórico de Angola, a que se atribui a data de 1840, que parece ser decalcado sobre outro, impresso, do Arquivo Histórico Ultramarino, com a data de 1867. Não nos foi possível fazer o confronto; mas os dados aproximam-se.

Segundo o referido documento, em Cadambonde, lugar da região de Icolo e Bengo, havia uma escola particular frequentada por dez alunos. Também se dizia ser grande a falta de material escolar e o aproveitamento muito baixo.

Em Zenza do Golungo não havia missionário e os habitantes desejavam que fosse para ali mandado um padre. Consequentemente, não haveria escola. Ainda em referência ao missionário pretendido, salientava-se que faziam votos para que não fosse da laia de "muitos" que passaram por aquelas terras. Marcámos aquela palavra porque sabemos que os padres de Angola eram "poucos", tendo sido ainda menos nas décadas anteriores; quanto à qualidade, não há dúvida de que a maior parte deles não tinha comportamento exemplar, e devemos atender a que não seriam enviados os melhores para as povoações do interior, para o sertão africano.

A fazenda Trombeta, bastante conhecida naquele tempo, pertencia ao capitão Monção, afirma o citado relatório. Mantinha uma ferraria, isto é, uma pequena fábrica para aproveitamento do ferro, de que não tirava qualquer resultado, pois os serventes pagos pelo Estado eram desviados para o trabalho agrícola, em proveito pessoal daquele proprietário.

Em Cambonda, a duas horas de marcha da fazenda Trombeta, havia uma olaria do Estado, a cargo de José Maria de Carvalho, de que se tirava tanto resultado como da ferraria... certamente por igual motivo.

A situação dos edifícios públicos, no Golungo Alto, era deplorável. A Casa da Câmara tinha três salas, uma das quais desabara. Era numa dessas duas, ainda mantidas de pé, que funcionava a escola, onde ensinavam ao mesmo tempo dois professores, o do Governo e o da Câmara. Cada um tinha os seus alunos, que não eram mais de dez. Talvez se possa admitir que trabalhassem em dois turnos de aulas e não que as duas classes tivessem trabalho simultâneo, como à primeira vista pode parecer. Não obstante, podemos anotar que, em determinada altura, mesmo em Luanda se juntaram duas turmas de alunos na mesma sala. Sugeria-se que a escola da Câmara passasse para outro ponto do concelho, pois ali bastaria haver um professor para todos os alunos. O pároco morava num lugar designado Bango, por certo no antigo hospício dos frades, em Bango Aquitamba. Com efeito, o velho convento de Santo Hilário (ou Santo Hilarião) serviu durante muitos anos para residência do missionário e o seu arrimo era o passal da paróquia.

No caminho do Golungo Alto para o Cazengo encontrava-se a fazenda Palmira, que pertencia ao comendador Gomes Pereira.

O Caculo era uma povoação progressiva, para o tempo. A escola tinha quinze alunos, incluindo "tambores e cornetas" que por iniciativa do chefe aprendiam a ler e a escrever, assim como as operações aritméticas.

No caminho para Ambaca, havia uma magnífica exploração agrícola a que se dava a designação de fazenda Protótipo, pertencente ao comendador Albino Soares, indivíduo "de compleição franzina, que fazia completo contraste com a sua energia e com o gigantesco dos seus planos".

Em Pungo Andongo havia uma escola particular, dirigida por um professor que nada recebia de vencimento, enquanto o pároco ia comendo a respectiva gratificação... O missionário era de tal quilate que nem a doutrina cristã ensinava aos meninos, nos domingos. Embora o relatório o não identifique, o sacerdote mencionado deveria ser o P. Domingos Pereira da Silva Sardinha.

No Dondo, o chefe do concelho era o capitão Pedro Rebocho. O pároco regia a escola e merecia louvor pelo zelo que dedicava à educação dos seus alunos, em número de cinquenta. Encontrámos referências que nos levam a admitir a hipótese de que o missionário em questão fosse o P. António José do Nascimento. O capitão Pedro António Rebocho prestara ali importantes serviços, segundo se dizia no documento a que temos vindo a fazer referência.

A escola de Massangano devia ter cinquenta alunos. Era regida pelo pároco, que mostrava grande desvelo pelo ensino e se interessava pelo aproveitamento dos alunos.

Não devemos perder a oportunidade que se nos depara, sem dizer que naquela altura havia um único padre a paroquiar Cambambe (Dondo) e Massangano, e que deveria ser o já referido P. António José do Nascimento. Não pode passar sem reparo que nas duas escolas houvesse cerca de cinquenta alunos e que os seus dois professores fossem ambos exemplares!

Na Muxima, nada devia haver, pois a nada se referia o relatório de onde respigámos estas informações. Como nota humorística, dizia que havia na sua fortaleza dois soldados embrulhados em panos, um que bradou às armas, pois estava de sentinela, e outro que acudiu ao chamado. Isso constituía a guarda... Dentro da fortaleza existia uma "pocilga" onde um nativo estava preso. Não se cobravam impostos pois os habitantes eram tão pobres que nem para eles tinham...

O Calumbo tinha igreja e escola, regida pelo pároco, que se encontrava em Luanda no momento da visita; tratava de obter um subsídio do Governo-Geral para mandar reparar o templo.

Como conclusão, o relatório diz: —"A religião sem culto por falta de igrejas e sacerdotes; e mesmo onde há estes e aquelas, mais ou menos obliteram os párocos os seus deveres; e alguns ignoram-nos completamente".

Podemos fazer agora alguns comentários a este documento, admitindo a existência de duas versões, uma manuscrita e outra impressa. A data que lhe é atribuída pelo Arquivo Histórico de Angola, 1840, é inaceitável, pois ao tempo não havia escola em tantos lugares, praticamente só em Luanda. Pode aceitar-se uma data que se aproxime da que é indicada na versão impressa.

Em 18 de Novembro de 1871, foram publicadas determinações que tinham a finalidade de aumentar a frequência escolar, aplicando sanções aos pais que descurassem a obrigação de mandarem os filhos à escola. Não se tinha em mente apenas os de origem europeia, os brancos, mas toda a população já relativamente evoluída.

Encontra-se em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino, outro documento manuscrito pelo qual o governador-geral de Angola, em resposta a solicitação anterior do respectivo ministro, nos fornece interessantes dados informativos, relativos à frequência das escolas, em Angola, nos meados do século XIX e que era a seguinte:
 
 
 

 
ALUNOS
MENINAS
1846
177
21
1847
295
25
1848
390
18
1849
439
8
1850
317
7
1851
341
?
1857
668
36
1858
649
14
1860
616
11
1861
812
33
1862
806
25
 
 

Este quadro foi completado com algumas observações de relativo interesse. Diz que faltavam os mapas referentes à escola de Calumbo e ao ano de 1850, assim como os que deviam mencionar a Aula de Latim, Aula de Meninas, em Luanda, Calumbo e uma das escolas de Benguela, em 1851; não havia quaisquer dados em relação aos anos de 1852 a 1856; estavam sem professor, no primeiro semestre de 1857, as escolas de Barra do Bengo, Icolo e Bengo, Barra do Dande, Libongo, Egito, Caconda, Quilengues, Catumbela, Gambos, Huíla, Ambriz, D. Pedro V, Ambaca, Cazengo, Dembos e Malanje; no segundo semestre desse ano trabalharam já as de Icolo e Bengo, Ambaca, Cazengo, Dembos e Malanje. Em 1858 estivera vaga a Aula de Meninas, em Luanda, devido ao falecimento da respectiva mestra, que sabemos ser Margarida Luísa dos Santos Madail Generoso, a escola de Cambambe não funcionara por incapacidade do professor, e em outros concelhos as aulas estiveram por vezes encerradas, quer por não haver professores quer por não aparecerem discípulos. Do ano de 1859 nada se sabia. Em relação a 1861, confessava ter havido diminuição considerável da frequência, particularmente no segundo semestre, pelas causas atrás apontadas.

A partir desta altura, o Boletim Oficial de Angola deixou de inserir a estatística escolar, com excepção dos anos de 1863, 1867, 1872, 1874 e 1876, mas não no aspecto total e geral. Os mapas em arquivo não constituíam colecções completas, devido a negligência e incúria dos professores em remetê-los à Secretaria-Geral, podendo avaliar-se por isso o pouco interesse que merecia aos responsáveis o sector escolar angolano.

Não deixa de ser curioso anotar que, no orçamento do ano económico de 1857-1858, a despesa prevista com o ensino oficial era de 3.904$000, apesar de ter havido um aumento de dezanove professores, em relação ao ano anterior, cuja despesa foi calculada em 1.356$000. Pois no mesmo orçamento era atribuída verba igual, 3.900$000, para pagamento dos honorários do naturalista Frederico Welwitsch; esta informação reveste-se de grande interesse como elemento comparativo. O famoso naturalista não ganharia muito; os professores é que recebiam pouco, vencimentos exageradamente aviltados.

No dia 29 de Maio de 1866, reorganizou-se o Conselho Inspector de Instrução Primária ou Conselho Inspector de Instrução Pública, como quase sempre é designado e que nos parece ser a forma mais exacta. Esta decisão foi consequência de razões apresentadas às autoridades responsáveis pelo professor da Escola Principal, Miranda Henriques, um dos elementos mais destacados do sector pedagógico em Angola, no terceiro quartel do século XIX, se não o mais saliente de todos. Fez ver essa necessidade por uma exposição apresentada no dia 22 do mesmo mês e ano.

Aquele influente organismo de orientação didáctica ficou a ser constituído por cinco individualidades marcantes da cidade: — o secretário-geral de Angola, Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, que seria o presidente; o presidente da Câmara Municipal de Luanda, Miguel de Santa Ana Pereira e Melo; o cónego da sé catedral de Angola e Congo, P. José Maria Fernandes; e dois professores da Escola Principal, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques e Fernando da Silva Delgado.

Não tivemos a preocupação de referir todas as alterações registadas neste organismo. Apenas quisemos falar das mais notáveis, para que se possa deduzir que, embora com grandes lacunas e deficiências, sempre houve a preocupação de ir solucionando os problemas escolares.

Dizia-se em Angola, no período que se aproxima do ano de 1860, que os colonos europeus poderiam habituar-se a enviar os seus filhos pequenos para Caconda, onde encontrariam clima excelente, temperado e saudável, desenvolvendo-se ali de maneira surpreendente. Era um desiderato e não uma realidade palpável e evidente. As mais altas individualidades, no entanto, por vezes faziam-se eco desta convicção. Assim, no dia 1 de Janeiro de 1861, o secretário-geral Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão escrevia mesmo que se tornava necessário nomear um eclesiástico de costumes exemplares e suficientemente instruído a fim de ser enviado para esta localidade, exercendo aqui o ministério sacerdotal e as funções de professor de instrução primária. Caconda apresentava-se com perspectivas de desenvolvimento.

A propósito, pode notar-se que, segundo a lista dos secretários-gerais, publicada por Carlos Dias Coimbra em Livros de Ofícios para o Reino do Arquivo Histórico de Angola, o nome que corresponde ao período de 1857-1861 é o de José Alvo Pinto de Balsemão, que foi o pai daquele, o qual por sua vez desempenhou as mesmas funções em 1866-1873. O mais lógico será admitir que a data esteja incorrecta e se refira a 1871, altura em que ocupava aquele cargo o referido funcionário.

Reveste-se de grande interesse para os estudiosos a portaria de 10 de Outubro de 1864, assinada pelo ministro da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal, pelo que se transcreve integralmente:

"Sendo as escolas primárias o alicerce e a base da instrução pública e um agente de civilização que, pelo seu influxo nos progressos humanos, deve merecer a mais esmerada solicitude e aturados desvelos a todas as autoridades, manda Sua Majestade El-Rei, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, que o governador-geral da Província de Angola, tomando na maior consideração quanto respeita a este assunto, frequentemente inspeccione e faça inspeccionar as escolas da Província, para que nelas se cumpra o que determinam as leis, que dê instruções convenientes, formule os regulamentos respectivos, faça as recomendações oportunas e adopte todos os meios eficazes para que nas ditas escolas se estabeleça um regime carinhoso e atractivo, que trate ao mesmo tempo de instituir pequenos prémios para os alunos que se distinguirem, e finalmente que acerca de tudo isto informe assiduamente, bem como no que se refere ao mérito, capacidade e diligência dos professores".

No dia 25 de Janeiro de 1865, o governador-geral comunicava ao ministro que tinha sido recebida a portaria acima transcrita. Prometia empregar todos os esforços e utilizar todos os meios que estivessem ao seu alcance para dar execução às ordens recebidas, que tanto interessavam ao serviço público e ao bem geral. Propunha-se, assim, dar impulso novo ao desenvolvimento escolar e ao progresso da instrução em Angola.

O problema da inspecção das escolas e fiscalização da actividade dos professores foi merecendo, uma vez por outra, os cuidados dos governantes. No entanto, a estruturação pedagógico-didáctica angolana não permitia que este serviço tivesse actuação permanente; constituía uma das atribuições dos agentes da autoridade, no aspecto puramente administrativo. Por várias razões, a sua acção deixava muito a desejar; exercia-se esporadicamente; passavam por desconhecidos abusos constantes; o dever de corrigir defeitos era relegado para o esquecimento. De longe em longe, eram nomeados inspectores ocasionais, quer para visitarem as escolas de Luanda quer para se deslocarem a outras localidades. Pelo que se sabe da vida administrativa e da actividade pedagógica, podemos deduzir que não seria a fiscalização exercida pelos chefes dos concelhos e distritos que levaria os professores a dedicarem-se aos alunos, pois, se os mestres não cumpriam os seus deveres, não teriam aqueles um comportamento que lhes servisse de modelo!

Temos conhecimento de que, no decorrer do ano de 1867, o Dr. Carlos Pacheco de Bettencourt, juiz de Direito em Luanda, fez uma viagem por diversas terras do interior, relativamente próximas da capital, visitando vários estabelecimentos e serviços, inclusive escolas. Temos razões que nos levam a admitir que seja dele o relatório já mencionado, de que existe cópia manuscrita incompleta no Arquivo Histórico de Angola, e um exemplar impresso do mesmo documento no Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa. Quanto a algumas escolas, são suas as únicas referências anotadas, o que não deixa de ser estranho.

Falando da escola de Prata, diz funcionar com meios muito limitados, usando para a prática da leitura tudo o que se pudesse utilizar, nomeadamente um formulário judicial e orfanológico-criminal, por ele mesmo elaborado.

No dia 29 de Janeiro de 1869, determinou-se que o administrador do concelho de Luanda visitasse amiudadas vezes as escolas, para ver se tinham o mobiliário e demais utensílios necessários ao ensino, se os livros estavam devidamente escriturados, se os leccionandos frequentavam as aulas com assiduidade, se os professores se mostravam escrupulosos no cumprimento do horário estabelecido e zelosos na administração do ensino. Embora se chamasse a atenção, de um modo muito particular, para a Escola Principal, as restantes não deixariam de merecer o seu interesse, até porque oneravam a Câmara Municipal com alguns encargos. O administrador do concelho ficava, pois, a ser como que o inspector escolar dentro da área da sua jurisdição.

António do Nascimento Pereira Sampaio, que era então o administrador do concelho de Luanda, remeteu o seu relatório às autoridades superiores no decorrer do mês de Fevereiro seguinte. Afirmava que a secção a cargo do professor Fernando da Silva Delgado funcionava normalmente e com bastante regularidade, das dez horas da manhã à uma hora da tarde. Depois das duas horas, o professor continuava a leccionar Francês e Latim.

Devemos atender a que o Regulamento das Escolas Principais de Angola não fala, nesta altura, do ensino destas matérias. Este agente do ensino tinha cinquenta alunos, sendo cinco estudantes de Latim e Francês.

Vem a propósito afirmar que o mapa estatístico escolar referente a 1868 afirma que Fernando da Silva Delgado ensinava oito alunos na Aula de Latim. A sua nomeação vinha já de 19 de Abril de 1862. Provavelmente, fazia acumulação de funções, o que era bastante frequente.

A secção da Escola Principal que estava a cargo do professor Carlos Augusto de Gouveia, diz António do Nascimento Pereira Sampaio, funcionava também regularmente. Dava aulas da uma às quatro horas da tarde e tinha dezoito alunos matriculados. Tendo-lhe sido apontada a sua pouca assiduidade, em períodos anteriores, respondera que acontecera assim por motivo de doença e que havia tido faltas por falecimento de pessoas de família. O inspector não deixou de o avisar que repetiria as visitas com bastante frequência.

No dia 10 desse mesmo mês de Fevereiro de 1869, o professor da Escola Principal de Luanda, Carlos Augusto de Gouveia, dirigiu um relatório bastante extenso ao secretário-geral de Angola, Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, no qual afirmava que alguns alunos matriculados na sua classe continuavam a frequentar o estabelecimento, mas outros passaram para a escola do cónego Timóteo Pinheiro Falcão, para a do cónego António Maria Ramos de Carvalho, ou então abandonaram as aulas. Havia crianças que corriam todos os professores, sem resultado, pois transferiam-se por mero capricho e até sem os pais chegarem a ter conhecimento disso, não sabendo por vezes em que escola andavam os filhos. Apontava entre os defeitos mais salientes a irregularidade da frequência, sem motivo justo. Quando faltavam por razões justificativas, prolongavam demasiadamente os períodos de ausência. A pobreza do meio, as dificuldades que as famílias sentiam em fazer face às despesas com a aquisição do material escolar, a utilidade prática de pequenos serviços que as crianças prestavam, tudo isso dificultava a frequência regular dos alunos. Angola carecia de um instituto agrícola e industrial (dizia o professor Carlos Augusto de Gouveia); os jovens teriam ali garantido o pão, ganho com o produto do seu trabalho, e receberiam a instrução mais conveniente, que os mestres melhor poderiam ministrar-lhes. Defendia que se aproveitasse o arsenal da ilha para montar esse estabelecimento, pois permitiria condições razoáveis de acomodação e facilitaria a empresa, por poder aproveitar-se o que já existia, bastando apenas ampliar e melhorar um pouco as suas instalações. Segundo a sua expressão, os educandos deveriam aprender com o livro numa das mãos e a ferramenta na outra. Atrevia-se a afirmar que o ensino primário, tal como estava organizado em Angola, não seria capaz de mover o processo de desenvolvimento, assim como não contribuía para a elevação social dos indígenas. Não poderia influir no comportamento dos alunos e na criação de hábitos louváveis, sendo extremamente curto o período diário de escolaridade e diminuto o contacto entre o professor e os discípulos. Chegava mesmo a dizer que não seria no curto período do seu funcionamento que as gentes se civilizariam... Entrando depois na análise de aspectos mais próximos e imediatos, considerando as condições que limitavam a actividade docente, dizia que a Escola Principal precisava de ter um porteiro ou contínuo que orientasse os alunos, que os contivesse em ordem e sossego, que cuidasse da limpeza dos móveis e asseio do edifício, e fizesse outros serviços indispensáveis num estabelecimento deste género.

Não deixaremos de reconhecer a razão que assistia ao professor e que alguns defeitos apontados continuaram a verificar-se ao longo de mais de um século, até à independência.

O administrador do concelho de Luanda, António do Nascimento Pereira Sampaio, enviou novo relatório das visitas de inspecção às escolas da cidade, com a data de 1 de Maio de 1869, portanto com uma dilação de três meses em relação ao anterior. A respeito da Escola Principal, escreveu que o número dos seus alunos estava a diminuir de ano para ano. Admitia que uma das causas do pequeno afluxo à matrícula e grande ausência às aulas fosse a carestia do material escolar, aliada à carência de vestuário e calçado. O estabelecimento fornecia livros a alguns alunos, mas em número muito pequeno para as necessidades. Defendia que a Câmara Municipal aumentasse a verba destinada a auxiliar os alunos carecidos de recursos. Sugeria ainda que em cada paróquia da cidade houvesse uma escola de primeiras letras, onde estudassem antes de se matricularem naquela.

Os dois professores trabalhavam na mesma sala, por vezes simultaneamente, ensinando turmas distintas. Propunha que as aulas fossem em horas desencontradas, evitando-se assim muitos e graves inconvenientes. Os alunos de uma classe distraiam-se vendo o que faziam e ouvindo o que diziam os alunos do outro professor. Quanto à Aula de Meninas, notava que havia maior regularidade; tinha poucas alunas, pois no dia da visita apenas estavam seis na escola.

O professor Carlos Augusto de Gouveia, da Escola Principal de Luanda, foi também nomeado, por diploma de 28 de Outubro de 1870, para visitar as escolas dos diferentes concelhos de Angola, observando a competência e dedicação dos mestres que nelas trabalhavam, o aproveitamento dos alunos, o estado dos edifícios e do material escolar, devendo dar conta de tudo o que visse às autoridades superiores da província.

A apreciação do trabalho dos funcionários, dos empregados, da maneira como são exercidas as mais diversas actividades, foi reconhecida desde longa data como atitude imprescindível, proveitosa, necessária. A forma de a realizar é que muitas vezes está impregnada de defeitos. Não são fantasiosos os casos de trabalhadores medíocres se transformarem em supervisores tirânicos! Vimos atrás que Carlos Augusto de Gouveia foi talvez razão para uma visita de advertência. Seria interessante saber como ele actuou relativamente aos outros professores!

Joaquim Eugénio de Sales Ferreira, professor da Escola Principal, foi também nomeado, em 26 de Agosto de 1874, para visitar as escolas das diversas povoações de Angola, em trabalho de inspecção. Desconhecemos o seu relatório, que não deixaria de escrever. Ele era um indivíduo culto e muito competente, que deixou boa imagem, como funcionário e como cidadão.

O Dr. Alfredo Troni, conhecido advogado de Luanda, recebeu a incumbência de inspeccionar as escolas da cidade, da parte do governador-geral Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, em 3 de Julho de 1876. Deveria informá-lo sobre a competência e saber dos mestres, métodos de ensino adoptados, grau de aproveitamento dos alunos, estado do material escolar, condições oferecidas pelos edifícios, utilização prática dos meios de que cada escola dispunha. Alfredo Troni, como já sabemos, deixou o seu nome ligado ao desenvolvimento cultural em Luanda. Faleceu nesta capital em 1904. Alguns anos depois, em 1913, os seus herdeiros fizeram a entrega ao município, para serem incorporados no recheio da Biblioteca Municipal, três mil duzentos e setenta e três volumes. Pertence-lhe a autoria da interessante novela Nga Mutúri, uma das mais representativas obras da literatura angolana, na qual os costumes crioulos são analisados com graça, exactidão e fino tom de poesia irónica.

Em 2 de Outubro de 1867, foi nomeada uma comissão encarregada de elaborar novo Regulamento da Escola Principal. Era composta pelo P. Timóteo Pinheiro Falcão, arcediago da sé e professor de instrução primária na escola do paço episcopal anexa ao seminário-liceu, P. José Maria Fernandes, cónego da catedral e membro do Conselho Inspector de Instrução Pública, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, aposentado como professor da Escola Principal de Luanda, Carlos Augusto de Gouveia e Fernando da Silva Carvalho, professores do mesmo estabelecimento de ensino. Este último foi quem teve a iniciativa de propor a elaboração do regulamento.

Por portaria provincial de 3 de Setembro de 1868, o Regulamento da Escola Principal de Luanda, elaborado por aquela comissão e cuja redacção pertence ao professor que teve a iniciativa, foi aprovado e entrou em vigor. Dizia-se que teria aplicação noutras escolas principais, que nunca chegou a haver em Angola. Foi publicado em apenso ao Boletim Oficial ainda nesse ano de 1868.

Aproximava-se o final da primeira etapa da escolaridade oficial, em Angola, iniciada pelo decreto de 14 de Agosto de 1845 e a que novo diploma legal, o decreto de 30 de Novembro de 1869, deu novo impulso e abriu novos caminhos.



 
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