Há um diferença enorme entre ser professor - burocrata cumpridor de horários e planos
de ensino - e ser mestre realmente preocupado com seus discípulos. O primeiro vê apenas
números e notas, o segundo enxerga homens que podem ser melhorados. E já nem incluo
neste rol um terceiro tipo, que sequer professor é, que anda proliferando pelas escolas
do país contaminando o futuro da nação.
Um pequeno texto que circula há muito tempo, lembro de tê-lo lido em uma Seleções
antiga e agora o redescubro na Internet, fala muito desta diferença entre professor e
mestre. O título é "Lecionei a todos eles" e a versão mais comum é a
seguinte:
"Tenho ensinado no ginásio por dez anos. Durante esse tempo eu lecionei para, entre
outros: um evangelista, um lutador de boxe,
um ladrão e um imbecil.
O assassino era um menino que sentava num lugar da frente e me olhava com seus olhos
azuis. O evangelista era o mais popular da
escola, era o líder dos jovens entre os mais velhos. O lutador de
boxe ficava parado perto da janela e soltava uma gargalhada
abafada, que até fazia gemer os gerânios. O ladrão era um coração
alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em seus
lábios. O imbecil, um pequenino animal de olhar macio, dócil,
procurando as sombras.
O assassino espera a morte numa penitenciária do Estado. O
evangelista está enterrado, há um ano, no cemitério da vila. O
lutador de boxe perdeu um olho num briga em Hong Kong. O ladrão,
na ponta dos pés, pode ver da prisão as janelas do meu quarto. O
imbecil, de olhar macio, bate com a cabeça na parede forrada, de
uma cela, no asilo municipal.
Todos esses, um dia, sentaram na minha sala. Sentaram e olharam para mim, gravemente, das
suas carteiras escuras e surradas. Eu devo ter sido de grande ajuda para esses alunos...
Eu lhes ensinei o esquema encontrado nos versos alexandrinos e como
colocar em diagrama uma sentença completa. (N. Johan White, professora do High School, de
Stillwater, Oklahoma, Estados Unidos)".
O professor, enfim, está preocupado apenas em dar um conteúdo pré-fixado, muitas vezes
sem nem mesmo a preocupação em saber se ele foi apreendido ou não. O mestre preocupa-se
em estimular em cada aluno seus melhores potenciais, aprimorar-lhe as virtudes e
limitar-lhes os vícios. Ao primeiro é indiferente se senta-se à cadeira João ou José,
ao segundo cada um de seus alunos é uma individualidade que ele tem o compromisso moral
de melhorar.
De imediato haverão aqueles que dirão que este segundo papel é impossível porque o
professor ganha pouco, tem de dar um número enorme de aulas, mal pode preparar as aulas
de forma adequada.
Não contesto nenhuma destas afirmativas, mas reitero o que eu disse algumas dezenas de
vezes, elevar os salários do magistério só vai melhorar o ensino porque vai trazer para
a profissão pessoas melhores e mais preparadas, aquele que diz que dá aulas ruins porque
ganha pouco jamais irá dar boas aulas por maior que seja o seu salário.
É evidente que funçõa de tamanha responsabilidade como o magistério tem de ter bons
salários, boa formação, atualização constante, tempo para estudar e pensar. Qualquer
nação sensata atribuiria a esta nobre carreira tantos atrativos que somente os melhores
dos melhores poderiam vencer a disputa por uma cadeira de mestre.
Mas não será com sonhos e utopias que se vencerá este desafio, porque o verdadeiro
mestre se mostrará até nas mais desagradáveis condições, nenhum obstáculo o
impedirá de exercer seu sublime sacerdócio - por menos que os professores gostem deste
termo, sacerdócio.
Muitos nem aulas dão, outros, como a professora plena de remorso do texto que transcrevi
limita-se à tarefa burocrática de ensinar, uma minoria cada vez mais escassa, não se
pergunta o que pode fazer, mas sim o que deve fazer pelos seus alunos. É esta minoria que
a literatura e as artes contemplam quando falam do professor.
Tive muitos professores mas um número reduzido de mestres, contrariando o conselho de
Sócrates preferi em geral aprender dos livros o que não me ensinavam nas escolas e até
acabei por desenvolver uma fobia a estas escolas. Até hoje me perseguem pesadelos de por
um motivo ou outro, geralmente por uma falha burocrática, fui obrigado a voltar às
escolas.
Mas estes meus pesadelos kafkiano-pedagógicos só me fazem reviver as escassas mas
reconfortantes experiências que tive com os meus poucos mestres, embora da maioria deles
não tenha mais notícia. Só um pouco tarde demais pude reconhecer aquele que foi o
principal deles, já na Universidade, o professor Albertino, que à moda de Sócrates me
ensinou a duvidar do que eu achava saber e que há infinitas formas de ver o mundo.