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- ILHA DE MOÇAMBIQUE
- NA CONVERGÊNCIA DE CULTURAS
- Submetida à contradição da abertura ao Índico por um lado, e a uma relação espacial próxima com o continente por outro, a ilha goza duma longa tradição de saber assimilar as influencias exteriores e de veicular ricas e variadas trocas culturais, que ao longo dos séculos foram incorporadas no tipo de vida das suas gentes e adaptadas às características do seu meio.
- Sem duvida que os fenómenos de insularidade, sejam eles demográficos, biológicos, culturais, sociais ou económicos criaram por convergência funções originais a este aglomerado urbano, garantindo-lhe uma entidade cultural especifica e homogénea.
- Situada a Norte de Moçambique, e muito próxima do continente na encruzilhada dos caminhos do Índico, esta pequena ilha desempenhou pela sua posição privilegiada e segurança da sua baia um papel de destaque como entreposto comercial desta costa de África.
- A imensa baia do Oceano Índico favorece a comunicação marítima. O regime climático de alternância das monções e a ausência relativa de tempestades permite as travessias regulares e seguras dos navios à vela. As comunicações marítimas passaram a ser economicamente mais vantajosas que outros meios de comunicação desde que os homens construíram navios com capacidade para transportar mercadorias em condições de eficácia e segurança. Com estes navios de alto mar os oceanos e mares uniram os povos mais do que separaram.
- Assim o Oceano Índico acabou por se transformar num continuum cultural desde os primeiros séculos da nossa era até praticamente ao século XV.
- Como resultado desses contactos entre os árabes e os povos bantu, desenvolveu-se uma cultura original dos islamizados da costa que se designou por cultura swahili. À Ilha de Moçambique chegaram estas populações islamizadas vindas provavelmente de Zanzibar, Kilwa e Ilhas Comores. O Naharra, dialecto macua aqui falado é um agrupamento linguístico herdeiro desta cultura swahili.
- As comunicações terrestres entre a África ao sul do Saara e o resto do mundo eram extremamente reduzidas.
- Os portos acessíveis a estes navios à vela de alto mar eram a via necessária para o transporte de mercadorias e naturalmente para a transmissão de influencias culturais.
- As mercadorias destinadas à exportação eram trazidas às cidades e zonas costeiras o que facilitou mais as relações entre os povos da costa, que entre estes e os povos do interior.
- Os Árabes foram os pioneiros da navegação no Oceano Índico. Desde o século VIII estabeleceram-se contactos com a nossa costa e o comércio activo nesta região fez surgir as primeiras feitorias e entrepostos comerciais.
- Foi nesta fase, que no contexto da expansão islâmica, os Árabes assumiram o monopólio do comércio marítimo entre o Oriente e o Ocidente.
- A Índia é obrigada a aceitar que os navegadores Árabes passassem a ser os únicos intermediários das suas mercadorias. As especiarias e outras exportações características do Oriente, não puderam durante vários séculos chegar aos mercados Europeus, sem ser pelas mãos dos Árabes.
- O Sultanato islâmico de Gujarat era o polo dinamizador da actividade comercial no Oriente.
- A prosperidade de certas cidades e portos do Oceano Índico dependiam da posição estratégica por onde passavam os produtos do Oriente.
- Os negociantes indianos, alguns islamizados foram aparecendo nos portos da África Oriental e estabelecendo um entendimento tácito com os Árabes, deixando as ligações com o interior nas mãos deles e nas populações islamizadas ou swahili.
- A competição entre os Árabes e os Indianos, mas sobretudo a concorrência marítima entre os Árabes e os Chineses são um sinal da importância da rota das especiarias e do comércio de produtos de luxo.
- O proveito comercial dos Árabes, Indianos, Chineses e Indonésios, o sigilo que os orientais mantinham sobre os circuitos comerciais e a rota das especiarias associada ao mito da abundância e da riqueza, das pedras, lindos tecidos, perfumes exóticos, madeiras preciosas, frutos deliciosos, pimenta afamada e todo um mundo maravilhoso e desconhecido para lá do Próximo Oriente, despertam o desejo e a cobiça dos ocidentais de penetrar naquele mundo, dominar as rotas e controlar aquelas riquezas.
- Foi assim que os portugueses, reunindo condições especiais ligadas ao desenvolvimento da burguesia e à prática da navegação, tentaram ligar as grandes artérias de circulação marítima e ganhar o monopólio das trocas comerciais entre o Ocidente e o Oriente.
- Vasco da Gama chega à Ilha de Moçambique em 1498 e tenta colher informação para chegar à Índia. Contudo só consegue fazê-lo pelas mãos do piloto árabe recrutado em Melinde.
- A partir do século XVI, o Mediterrâneo cede o primado ao Atlântico e a atracção deixa de ser Veneza, Génova e Marselha, para passar a ser sobretudo Lisboa e Sevilha.
- A Ilha de Moçambique interessava aos portugueses como porto seguro na sua rota para a Índia e ainda pelas possibilidades de escoamento do ouro do Monomotapa, produtos necessários para a troca com as especiarias asiáticas.
- Mais tarde, nos séculos seguintes, o marfim e o negócio de escravos constituíram atractivo importante porque permitiam um rápido enriquecimento.
- Mas o projecto não se desenrolou como teriam concebido os portugueses daquela época. Os núcleos islamizados que já se estruturavam em comunidades políticas, xeicados e sultanatos, designadamente Sancul e Quitangonha, que possuíam relações estreitas de subordinação e entendimento com Zanzubar e Comores, ofereceram grande resistência. Eles não queriam perder privilégios adquiridos, particularmente na exportação de escravos e controlo de alguns circuitos comerciais.
- Para além dos portugueses outros concorrentes europeus apareceram na corrida pelo controlo das rotas comerciais. Os holandeses tentaram a ocupação da Ilha de Moçambique no século XVII, os franceses conseguiram assumir o papel de principais intermediários do negócio da escravatura para as ilhas do Índico e os ingleses aumentavam o seu controlo sobre as rotas de navegação nesta zona.
- Perante este quadro, a ocupação colonial portuguesa não foi fácil e só se efectuou em pleno século XX.
- A Ilha de Moçambique é hoje o resultado deste processo histórico. Ela manifesta na sua arquitectura e nos diferentes aspectos da sua vida o conjunto de influências culturais que foi sucessivamente assimilando ao longo dos séculos - as da presença árabe e swahili, as da presença indiana e as da presença portuguesa.
- Pode observar-se como as ilhas e cidades costeiras do Índico, como Mogadiscio, Mombaça, Lamú, Zanzibar, Comores, Ibo, Ilha de Moçambique, apresentam aspectos comuns resultantes das influências culturais, das funções comerciais que tinham, das técnicas e dos materiais de construção que utilizavam.
- A Ilha de Moçambique, antiga capital colonial, é um aglomerado de construções antigas que datam do século XVI ao século XIX. A pedra e cal e o macuti são elementos típicos das cidades costeiras do Índico assentes em pedra de coral.
- As influências mais nítidas deixadas pela ocupação portuguesa são visíveis na fortaleza, no palácio de S. Paulo, na capela manuelina do século XVI recheada de motivos dos descobrimentos, nas fachadas e interiores das igrejas católicas, nos pavimentos calcetados das ruas, no estilo duma parte do casario e de alguns monumentos.
- Os indianos que se fixaram na ilha em maior numero a partir do século XVII, passaram a ser os principais distribuidores de panos para o interior em troca de produtos locais. Há feitorias, armazéns, portas, varandas, alpendres, peças de mobiliário indo-português e o templo hindu que atestam esta influencia.
- A presença mais significativa, aquela que permanece mais visível nos hábitos da população é a da cultura swahili. Ela manifesta-se na música, na dança - “tufo, ntsope e mualide” -, na alimentação, nas práticas comerciais, no casario de pedra e cal e de macuti e ainda na religião islâmica que pauta todos os actos do quotidiano.
- Luís F. Pereira
- Professor de História da UEM
- Vice-Presidente da AAIM
- Maputo, 6 de Junho de 1992
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