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Por Cecilia Giannetti

    "Ainda me lembro daquele verão quando o milagre da adolescência finalmente aconteceu. Todos na Inglaterra pararam o que estavam fazendo para observar o que tinha acontecido: as noites no Soho eram frescas no calor e as ruas se enchiam de luzes e música. Nem acreditávamos que aquilo estivesse finalmente acontecendo conosco. Ninguém sabia exatamente o por quê, mas depois de anos tristes de bombas, guerras-relâmpago e reconstruções, sem açúcar, sem geléia, nada doce em lugar nenhum, com todos vestindo-se de cinza, parecia que isso duraria para sempre -- de repente, a vida brotou em cores quentes outra vez, tão vivas e bonitas que muitas pessoas não agüentaram. Pela primeira vez, até mesmo as crianças eram adolescentes, tinham despojos, seja o que fosse, só para o gasto...", diz o fotógrafo e adolescente profissional Colin enquanto tira um disco de uma pilha de tantos outros vinis guardados numa geladeira desligada, para tocá-lo na vitrola que fica no congelador. Ele então escolhe uma camisa com a aprovação da namorada Crepe Suzete (Patsy Kensit, no auge de sua beleza e inaptidão artística) representada por uma fotografia p&b na parede descascada. Colin sai para a noite da Londres de 1958, agora apinhada de luminosos das novas casas noturnas e de produtos supérfluos. 

     "Se esta é a vida adulta, eu vou querer ser um jovem incondicional a vida toda".

     Absolute Beginners é o musical de Julien Temple sobre a infantilização das mentalidades e o comércio construído em torno disso. É sobre recusar-se a crescer, mas também estender a recusa a vender-se no shopping center 'teen'. "Eles nos compram mais jovens a cada ano", diz Colin, a certa altura; o poder da juventude é o poder de compra de cada 'aborrecente' e, de lambuja, o de seus pais. Essas reflexões vêm despojadas de 'cabecismos', prontas para serem digeridas com ótimas canções pop. A trilha sonora é costurada com canções de David Bowie (a faixa título, "Absolute Beginners"), Paul Weller ("Have You Ever Had It Blue", fase 'tô-fazendo-uma-bossa' do Style Council), Sade Adu, Ray Davies (Kinks!!!), entre outros.

     O fato de contar com aparições de algumas estrelas da sua trilha sonora faz o filme ficar ainda mais interessante. Bowie (como Vendice Partners) surge primeiramente na festa da colunista de fofocas da estória, enquanto esta peituda anfitriã prepara drinks para os convivas sacudindo a coqueteleira prateada deitada sobre o bar entre o salto e a sola do sapato alto, ao som de uma boogie band que toca "I'm selling Out!". Ele é o thin white duke marketeiro que lidera um grupo de fascistas determinado a derrubar um bairro de negros e imigrantes (onde mora Colin) para dar lugar à construção de um condomínio para "whiteys only". É o núcleo do personagem de Bowie que vai levar a uma mudança de rumos na Segunda metade do filme -- este passa da ênfase ao relacionamento de Crepe e Colin e a ascensão de ambos ao mundo do showbusiness até a luta de resistência dos moradores do bairro ameaçado. Colin chega a correr dos aliados de Vendice/Bowie para não ser linchado, mas a melhor sequência fica por conta da aparição de Colin em um programa idiota na TV, onde ele discursa contra "o negócio dos velhos sórdidos, com perucas e falsidades" que "estragaram tudo"; em seguida, ele vai para a boate em que Sade, deslumbrante, embala sua deprê enquanto o fotógrafo mantém no canto da boca um rechonchudo cigarro artesanal.

    "Confidentially between this walls, I'm on top of them all... All I want is a quiet life"
Canta Ray Davies fingindo não enxergar sua tragédia familiar.

     Atenção também às cenas de Ray Davies como o pai de Colin: sua voz lamuriosa é perfeita para o homem que assiste calado às traições da esposa. Ela dá trela aos tatuados e parrudos inquilinos de sua pensão, enquanto ele ainda é obrigado a conviver com o outro filho, um vagabundo que passa todo o dia olhando revistas pornográficas trancado no quarto. É desse modelo de vida adulta que foge Colin, da covardia e do comodismo.

     - Ele está fazendo uma pesquisa para a televisão. Você conhece algum adolescente autêntico?
     - Os adolescentes são a mais nova classe econômica, esta é a era da adolescência.

     No final das contas, os diálogos soam ainda mais atuais no meio do circo de cores, números musicais e personalidades pop armado por Temple e o estranhamento que a princípio pode surgir por ser um filme com os exageros de um musical da década de 80 pode ser esquecido. Isto é, se você conseguir fazer como o personagem de Davies e ignorar certas coisas, como o tal exagero e... a vozinha da Patsy Kensit.

Texto: Cecilia Giannetti

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mais uma dose
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