Raimundo
Alberto Tostes e Enio Pedone Bandarra
Médico Veterinário
Patologista
HV/Universidade do Oeste Paulista; FMVZ-UNESP Campus de Botucatu
As pesquisas em Gastroenterologia Veterinária aumentaram significativamente nas duas últimas décadas, privilegiando também a Hepatologia, onde a biopsia hepática tem sido uma das mais importantes interfaces entre clínicos e patologistas.
O aumento das pesquisas em hepatologia reflete uma tendência mundial em localizar no fígado alterações dantes referidas e analisadas como sendo primárias do trato gastrointestinal.
2.1. Aspectos Anatômicos e Funcionais do Fígado:
O fígado é o maior órgão parenquimatoso da cavidade abdominal do cão, pesando, em condições normais, de 1,33 a 5,95% do peso corpóreo; com a maturidade a relação entre peso do fígado e peso corpóreo tende a diminuir (NICKEL et al., 1973; HERRTAGE et al., 1994; CENTER, 1995b). É subdividido em cinco lobos, por fissuras que convergem na fissura portal, predominando o maior volume do órgão no lado esquerdo (NICKEL et al., 1973; DALEY, 1976; HAPPÉ & ROTHUIZEN, 1991). Quanto ao suprimento sangüíneo, o fígado tem dupla circulação: dois terços do sangue vem da veia porta, que carreia sangue venoso proveniente dos intestinos e baço, e um terço pela artéria hepática, originária do tronco celíaco, que supre o órgão com sangue arterial (SLEIGHT & THOMFORD, 1970; BJORLING et al., 1985; KALT & STUMP, 1993). Histologicamente, durante muito tempo prevaleceu o conceito clássico do lóbulo hepático de Kiernan como unidade morfo-funcional do fígado; entretanto, RAPPAPORT & HIRAKI (1958) e RAPPAPORT (1976), cunharam o termo "ácino" para descrever um complexo triangular de hepatócitos, dividido por zonas, cujas arestas são os tratos portais e sua veia central correspondente. O avanço conceitual de ácino, proporcionou uma nova abordagem do fígado, tanto do ponto de vista fisiológico como anatomopatológico e permitiu compreender a natureza de diversas manifestações de lesão hepática dentro da heterogeneidade funcional do órgão, além de reunir o componente estrutural, circulatório e funcional do fígado numa única porção de parênquima, uma proposição incabível na fórmula conceitual de lóbulo (GERBER & THUNG, 1987; GAUDIO et al., 1995, WANLESS, 1997). Os hepatócitos, dispostos radialmente em fileiras denominadas "traves" em torno de uma veia central, representam cerca de 60% da massa celular do fígado e constituem quase 80% do volume parenquimal. Entre os cordões de hepatócitos há sinusóides vasculares. Os sinusóides são pavimentados por células endoteliais descontínuas e fenestradas que delimitam um espaço extra-sinusoidal conhecido como espaço de Disse, no qual salientam-se microvilos dos hepatócitos. O fígado é possuidor de uma população específica de macrófagos residentes, conhecidas como células de Küpffer, componentes do sistema monocítico-fagocitário e que estão ligadas à face luminal das células endoteliais. Outras células presentes no fígado são as células de Ito, também conhecidas como células armazenadoras de gordura, presentes no espaço de Disse, e as pit cells, um grupo de linfócitos granulares com atividade similar às células NK (SCHAFFNER & POPPER, 1985; GERBER & THUNG, 1987; CENTER, 1995b; CRAWFORD, 1994; WANLESS, 1997).
A fisiologia do fígado em muitos aspectos ainda suscita dúvidas pela diversidade de suas atividades metabólicas conhecidas e presumidas. O zoneamento de RAPPAPORT define três zonas de atividade metabólica: a zona 1 (próxima às tríades portais) apresenta a maior concentração de enzimas do ciclo de Krebs (síntese de uréia e glutaminase) e a zona 2 é considerada uma zona de transição; a oxigenação dos hepatócitos é feita da zona 1 para a zona 3, sendo esta última, portanto, mais suscetível às lesões anóxicas e onde se concentram em quantidades maiores o sistema de oxidases de função mista, o citocromo P-450, responsável pela metabolização de drogas (GERBER & THUNG, 1987; JOHNSON, 1992; PESSAYRE, 1995). Contudo, mesmo havendo diferenças fundamentais entre as zonas do complexo acinar, estas, em relação à atividade metabólica entre os hepatócitos, considerados isoladamente, são sutis, dessa forma a fisiologia hepática contempla uma ampla variedade de atividades, incluindo o metabolismo de carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas, além de atividade endócrina e exócrina (KAPPAS & ALVARES, 1975; JENKINS & BILLING, 1985; ENGELKING & ANWER, 1992; CENTER, 1995b).
2.2. A Biopsia Hepática em Cães:
A punção hepática em pacientes humanos tem sido amplamente usada desde o século XIX, precisamente 1883, quando Paul Erlich realizou a primeira biopsia hepática por punção, posteriormente a técnica foi utilizada por Lucatello, em 1895, e Schüpfer, em 1907 (LUCATELLO apud HAJDU et al., 1986; SHERLOCK, 1989). Na literatura médica, o primeiro artigo de revisão publicado sobre citologia aspirativa do fígado ocorreu em 1939 (ROHOLM apud HAJDU et al., 1986).
A primeira citação de punção hepática em cães é de CHAPMAN (1965) e durante as últimas décadas várias técnicas de biopsia hepática tem sido empregadas em cães, principalmente naqueles em que as similaridades dos achados clínicos e laboratoriais constituem um obstáculo (KERWIN, 1995) para o diagnóstico. Tais técnicas variam desde as chamadas de "fechadas" (biopsias cegas que quase sempre utilizam a via percutânea) a "semi-abertas" (biopsias mais invasivas que tem como exemplo a biopsia hepática por laparoscopia). As técnicas fechadas são mais utilizadas nas doenças hepáticas difusas, onde a possibilidade de representatividade da amostra é maior; inversamente, as técnicas semi-abertas são mais utilizadas na tentativa de amostragem de lesões focais, pouco acessíveis em técnicas fechadas (BROBST & SCHALL, 1972; BUNCH et al., 1985; JONES et al., 1985; HITT et al., 1992).
Assim como diferentes técnicas, também diferentes agulhas de biopsia tem sido usadas para obtenção de amostras do tecido hepático: agulhas do tipo MenghiniÒ e tipo JamshidÒ usadas nas biopsias aspirativas, e tipo Tru-CutÒ e tipo Vim-SilvermanÒ modificada de Franklin utilizadas em biopsias cortantes (MENGHINI, 1958; JONES et al., 1985; HOPPER et al., 1992, 1993, 1995). Duas prevaleceram como as mais utilizadas, tanto pela sua praticabilidade como pela possibilidade de oferecer um grau de risco menor ao paciente. O primeiro tipo refere-se às agulhas tipo Tru-CutÒ , de natureza cortante; o segundo, refere-se às agulhas tipo MenghiniÒ , de natureza aspirativa. As técnicas mais utilizadas incluem as vias percutânea, quer seja transtorácica ou transabdominal (JONES et al., 1985; HITT et al., 1992), por meio de laparoscopia, que permite uma visualização abrangente da anatomia topográfica das vísceras abdominais (BUNCH et al., 1985; MARTIN, 1993), da laparotomia, técnica mais invasiva, mas inexeqüível em pacientes hipoalbuminêmicos e cardiopatas, em função da necessidade de anestesia geral, além de consumir um tempo maior para sua execução, mas ainda assim eficaz nos distúrbios hepáticos corrigíveis cirurgicamente (DENNIS, 1987; KERWIN, 1995); outras técnicas, usadas como variantes das mencionadas, tem sido aplicadas, incluindo-se os recursos diagnósticos por imagem (ultra-som, tomografia computadorizada, cintilografia) como guias para a agulha de biopsia, mas ainda pouco acessíveis aos hospitais veterinários (KERWIN, 1995). A escolha da técnica a ser empregada depende da avaliação criteriosa do estado geral do paciente e da soma dos dados clínico-laboratoriais que permitam discernir sobre a natureza focal ou difusa das lesões hepáticas (BROBST & SCHALL, 1972; ZAWIE & GILBERTSON, 1985; MAHARAJ et al., 1986; NESS & DIEHL, 1989; KERWIN, 1995).
O diagnóstico da doença hepática envolve uma combinação de anamnese, exame físico, exames laboratoriais e eventualmente avaliação por recursos de imagem e histopatologia.
Os exames laboratoriais indicativos de alterações hepáticas incluem a mensuração sérica das transaminases Alanina Aminotransferase (ALT) e Aspartato Aminotransferase (AST), da Fosfatase Alcalina, da Gama-Glutamiltranspeptidase (GGT), das Bilirrubinas (total e conjungada), da Albumina e Protrombina após verificação do valor de vitamina K. Essa determinação da enzimologia hepática estabelece um perfil, na maioria das vezes confiável, da condição da função hepática (MEYER, 1996; CORNELIUS, 1997). Contudo, em determinadas condições este perfil enzimático não atende às necessidades do clínico em responder a real natureza da hepatopatia. Este o liame que estabelece a necessidade de uma biopsia. Por extensão, uma visão mais ampla da natureza da doença hepática, na maioria das vezes determinante, visto permitir o acesso a morfologia da lesão.
A abordagem do fígado para a realização de uma biopsia pode ser feita por meio de diversas técnicas, sendo as mais utilizadas em Medicina Veterinária: a biopsia percutânea, biopsia em janela, biopsia por laparoscopia, e biopsia por laparotomia. Dentre as biopsias por agulha aspirativa, a do tipo Menghiniâ é a mais freqüentemente usada, e dentre as biopsias por agulha cortante, a do tipo Tru-Cutâ é a mais utilizada (JONES et al., 1985). A técnica de Menghini tem sido amplamente utilizada em pacientes humanos, sobretudo em pediatria (SHERLOCK, 1989), e oferece a vantagem de um procedimento rápido, acessível, com uma agressão menor ao parênquima hepático (OSBORNE et al., 1974; JONES et al., 1985; THUNG & SCHAFFNER, 1994). A biopsia com agulha tipo Tru-Cutâ tem sido muito usada em Medicina Veterinária, com excelentes resultados em casos que apresentam lesões fibróticas (JONES et al., 1985) e com episódios mais raros de fragmentação da amostra (THUNG & SCHAFFNER, 1994).
ZAWIE & GILBERTSON (1985) enfatizam três aspectos essenciais para a realização da biopsia hepática em cães: a sua aplicabilidade e o momento para a biopsia, a técnica mais adequada e as possíveis complicações decorrentes da punção.
HERRTAGE (1994) aponta que a escolha da técnica de biopsia deve privilegiar a natureza da doença hepática, havendo, portanto, a necessidade de uma indicação prévia da silhueta do fígado por recursos de imagem. Esse aspecto é particularmente interessante pelo fato de minimizar a possibilidade de iatrogenia no momento da punção, visto haver uma delimitação precisa do órgão.
Tanto na prática médica como veterinária, a utilização das biopsias hepáticas por meio de suas diferentes técnicas e equipamentos, natureza das lesões e experiência dos operadores, tem proporcionado relevantes avanços em hepatologia (FRABLE, 1989; GILMORE et al., 1995; JOHNSON, 1995). OSBORNE et al. (1974) alertaram sobre a eficácia da detecção de neoplasias hepáticas através de biopsias e há pelo menos 20 anos o espectro de lesões diagnosticadas por esta técnica tem crescido consideravelmente, incluindo: reações hiperplásicas, degenerativas, inflamatórias, necróticas e colestáticas (ATTERBURY et al., 1979; PERRY & JOHNSTON, 1985; ZAWIE & GILBERTSON, 1985; BELL et al., 1986; SCHEUER, 1988; THORNBURG, 1988b; KELLY, 1993; KERWIN, 1995).
CENTER (1995a) refere a utilização da biopsia hepática como determinante, na maioria dos casos, na caracterização de doenças hepáticas, aliada a outros recursos diagnósticos como cultivo microbiológico, determinação da concentração de cobre e citologia aspirativa; tais resultados, tendo a análise histopatológica como referencial, reconheceriam a necessidade ou não do uso de drogas imuno-modulatórias na terapêutica de cães portadores de doenças hepáticas.
2.3. Citologia Hepática como Recurso Diagnóstico
A citologia hepática foi introduzida na prática médica como coadjuvante das biopsias (MARTIN & ELLIS, 1930; HAJDU, 1977), em primeira instância no diagnóstico de neoplasias e posteriormente no diagnóstico de doenças não neoplásicas como cirrose, esteatose e outras alterações de natureza infecciosa ou metabólica (PERRY & JOHNSTON, 1985; BELL et al., 1986). Estudo retrospectivo de PISHARODI et al. (1995) concluiu como correto o diagnóstico citológico em 80% dos casos de neoplasias hepáticas e estudos prospectivos demonstraram variação de 81 a 96% de sensibilidade desta técnica em pacientes humanos portadores de neoplasias (SUEN, 1990).
Em Medicina Veterinária o valor prognóstico da citologia hepática é visto com reserva (OSBORNE et al., 1974; VILLANUEVA et al., 1997). O conceito de que a citologia aspirativa do fígado poderia fornecer algum dado apenas em doenças supostamente infecciosas foi reformulado, e trabalhos mais recentes, como os de KRISTENSEN et al. (1990), KERWIN (1995) e VILLANUEVA et al. (1997) trouxeram novas bases para esta técnica com uma proposta de classificação aplicada à veterinária que situa os achados em dez categorias distintas: normal, hiperplásica, inflamatória, degenerativa, necrótica, colestática, neoplásica, reações mistas, reações não classificadas ( por exemplo, Hematopoiese extramedular) e material não diagnóstico.
Estudos em pacientes humanos demonstraram significativo aumento na sensibilidade do diagnóstico por biopsias quando combinados os procedimentos citológicos e histopatológicos (ATTERBURY et al., 1979; INNES Jr. & FELDMAN, 1983; HAJDU et al., 1986; HALL-CRAGGS & LEES, 1987; SUEN, 1990).
A citologia, por tratar-se de um procedimento menos invasivo, pode ser usada em momentos críticos da doença hepática, antes de se partir para a biopsia e pode e deve ser usada em conjunto com esta última para dar mais sustentação ao diagnóstico (INNES Jr. & FELDMAN, 1983; CENTER, 1995a).
2.4. Indicações e Contra-Indicações da Biopsia Hepática
A biopsia é um procedimento seguro, embora não totalmente inócuo, aplicável em muitas situações clínicas. O quadro 1 sumaria algumas indicações e contra-indicações da biopsia hepática.
Quadro 1 Indicações e contra-indicações da biopsia hepática:
Indicações |
Contra-indicações |
|
|
Fonte: STROMBECK (1995a).
2.5. Considerações Pré-Biopsia Hepática:
A realização de uma biopsia hepática pressupõe que diversos cuidados tenham sido tomados, sob pena de colocar-se em risco a vida do paciente.
A primeira consideração a ser feita diz respeito ao estado físico e orgânico do paciente. Submeter um animal à anestesia geral pode significar um sério risco à vida do animal, como nos casos em que o agente anestésico utilizado é o halotano, agente reconhecidamente hepatotóxico (THORNBURG, 1988d). Por outro lado a opção do clínico em solicitar uma biopsia hepática a "céu aberto" por laparotomia pode ser substituída por técnicas menos invasivas e de menor risco como são as técnicas transtorácicas e transabdominais (FELDMAN & ETTINGER, 1976; HITT et al., 1992). O risco de hemorragia é outra consideração importante no momento da realização de uma biopsia hepática. É prudente estabelecer um perfil do tempo de coagulação do animal para evitar a ocorrência de uma hemorragia acentuada pós-biopsia, sobretudo quando realizada por instrumentos cortantes. Tempo de Protrombina (TP), Tempo de Tromboplastina Parcial (TTP), Produtos de Degradação da Fibrina (PDF), Fibrinogênio e Contagem de Plaquetas são alguns indicadores que proporcionam uma avaliação real do perfil do tempo de coagulação do paciente, minimizando o risco de hemorragia pós-biopsia devido à coagulopatias. Um cuidado igualmente necessário deve ser tomado na contenção do paciente, pois qualquer movimento brusco durante a realização da biopsia pode acarretar hemorragia sem qualquer relação com uma coagulopatia preexistente (MEYER & BURROWS, 1982a, 1982b; THORNBURG, 1988a; CENTER, 1996; MEYER, 1996; CORNELIUS, 1997).
A punção do fígado requer habilidade do operador da agulha. A inobservância deste princípio é a principal causa de complicações numa biopsia (LÉVEILLÉ et al., 1993; MEYER, 1997). A taxa de complicações decorrentes de uma biopsia varia de 0,55 a 8% (LÉVEILLÉ et al., 1993; BARR, 1995). Estas complicações podem ser evitadas ou ao menos minimizadas com o uso de recursos de imagem, como ultra-som e tomografia computadorizada, de modo a guiar a agulha e também oferecer informações prévias sobre o contorno do fígado e sobre as estruturas adjacentes (SANTILLI & BILLER, 1993; DUSENBERY et al., 1995; HOPPER et al., 1995). Radiografias abdominais devem ser feitas antes da biopsia para avaliar a dimensão do fígado e, com base nisso, definir a técnica mais apropriada para o caso (BARR, 1995; TSANG et al., 1995). Hepatopatias em que haja grande proliferação de tecido fibroso são mais facilmente diagnosticadas com biopsias guiadas por ultrassom (SANTILLI & BILLER, 1993).O quadro 2 sumaria as principais complicações observadas em biopsias hepáticas mal sucedidas.
O tipo de agulha, bem como o seu calibre, também devem ser avaliados, considerando-se a natureza da lesão hepática no animal a ser biopsiado (PLECHA et al., 1997).
Quadro 2 Complicações decorrentes de uma biopsia hepática:
Complicações de uma
Biopsia Hepática
|
Fonte: STROMBECK, 1995a.
2.6. Interpretação da Biopsia e Citologia Hepáticas
Os padrões morfológicos de doença hepática em cães evoluíram significativamente quanto à etiopatogenia e nomenclatura, criando uma identidade própria que se diferenciou do modelo humano, antes usado para explicar diversas entidades de doença hepática. Entretanto, a definição de muitos aspectos de doenças hepáticas, especialmente as crônicas, permanece controversa (DILLON, 1985; DIAL, 1995).
O padrão morfológico de uma lesão hepática pode ser focal, multifocal, zonal, localmente extensivo e difuso. Lesões focais e multifocais tem uma distribuição aleatória no parênquima; macroscopicamente podem ser observadas em um ou mais lobos; histologicamente, as lesões não comprometem a arquitetura lobular e múltiplas áreas podem estar parcialmente ou completamente afetadas, eventualmente um lóbulo inteiro pode estar comprometido enquanto os lóbulos adjacentes apresentam-se normais. Lesões zonais afetam particularmente uma zona do lóbulo hepático e ocorrem em todos ou quase todos os lóbulos do fígado, o que tem evidência macroscópica, como lesões pequenas, puntiformes, entre 1 e 2 mm de diâmetro uniformemente distribuídas pelo parênquima; histologicamente podem ser centrolobulares, médiozonais ou perilobulares. Lesões localmente extensivas são essencialmente focais ou multifocais, afetando grandes áreas do parênquima; lobos hepáticos inteiros ou extensas áreas do lobo são afetadas, enquanto grandes áreas do parênquima estão normais; histologicamente ocorrem lesões em grandes grupos de lóbulos com áreas adjacentes normais (ROTH, 1987; SCHEUER, 1988; ROTH & MEYER, 1995; STROMBECK & GUILFORD, 1995a, 1995b; THUNG & GERBER, 1995a, 1995b).
Muitas doenças infecciosas, tóxicas e metabólicas que causam lesões hepáticas freqüentemente o fazem em um padrão característico. A interpretação do patologista em relação à etiologia do processo é fortemente influenciada pelo padrão de lesão observado macroscopicamente no fígado e histologicamente no lóbulo. Embora, não se deva esquecer que a terapia e as variações de apresentação de uma determinada doença, entre outras particularidades, possam provocar alterações morfológicas significativas em um fígado lesionado (STROMBECK & GUILFORD, 1995a , 1995b).
2.7. Categorias de Lesão Hepática em Cães
2.7.1. Alterações Hepatocelulares
A degeneração celular é uma lesão incipiente e reversível se retirado o agente que lhe deu origem (referência). O edema celular é uma resposta comum, inespecífica e precoce do hepatócito a diversos tipos de injúria. Muitas vezes não havendo qualquer expressão macroscópica. Histologicamente, o aspecto é o de células intumescidas com um citoplasma finamente granular e de coloração pálida. Degeneração hidrópica, também chamada "degeneração balonosa" é um grau de degeneração considerado mais severo. Histologicamente, é uma lesão tipicamente vacuolar no citoplasma. Esses vacúolos podem ser solitários ou múltiplos com bordas bem definidas. O citoplasma aparece finamente granular e de coloração pálida. A esteatose é outra alteração degenerativa em grau mais acentuado e que implica em metabolismo lipídico anômalo no hepatócito com etiopatogênese diversa e indicativo de alterações patológicas de origem metabólica (CRAWFORD, 1994).
A degeneração glicogênica: Histologicamente se observa quantidades normais a aumentadas de glicogênio no fígado de pacientes com diabetes intenso não tratado. A estrutura lobular é normal. No HE as células tem coloração pálida, mas normalmente a infiltração é bem visualizada no P.A.S., mormente na zona 3, o que é acentuado pela glicogenólise. A esteatose macrovesicular é marcante
A necrose hepática pode ser de origem lítica ou isquêmica. A necrose lítica, cujo padrão de apresentação normalmente é centrolobular, médiozonal ou perilobular, é a forma mais comum de necrose acometendo o fígado, tendo origens diversas. Normalmente, é acompanhada de atividade inflamatória com presença de debris celulares e atividade fagocítica de macrófagos e células de Küpffer. A necrose isquêmica acompanha os processos tóxicos e anóxicos, como observado classicamente na Congestão Passiva Crônica. Algumas formas de necrose hepática receberam uma nomenclatura específica dada a sua natureza: a necrose em "saca-bocado" (piecemeal necrosis) é uma forma de necrose onde o alvo é a placa limitante, uma coluna de hepatócitos que delimita o trato portal do parênquima; a necrose em "ponte" refere-se à extensão de áreas de necrose portal à veias centrais ou entre lóbulos adjacentes; a necrose maciça, também referida como fulminante, refere-se à lise de lóbulos inteiros. O termo hepatite, implica obrigatoriamente na presença de atividade necro-inflamatória (THORNBURG, 1988c). Segundo ZAWIE & GILBERTSON (1985), as hepatites agudas em cães, ocorrendo de forma primária, são relativamente infreqüentes. A Hepatite Infecciosa Canina (APPEL, 1987; GREENE, 1993) e a Leptospirose (ADAMUS et al., 1997) são os exemplos mais ilustrativos. Outras formas agudas de hepatite estão presentes no fígado de forma secundária ou em casos de septicemia; abcessos em cães jovens também podem causar formas graves de hepatite aguda e eventualmente, microabcessos são encontrados numa biopsia hepática de um animal adulto (GROOTERS et al., 1995). Um termo usado para definir a reação do parênquima a uma anormalidade extra-hepática de causa desconhecida é o de "Hepatite Reativa Inespecífica" (THUNG & GERBER, 1995a). O termo "Hepatite Residual" define uma apresentação de hepatite em curso final (STROMBECK, 1995a; THUNG & GERBER, 1995a). ALVES & GAYOTTO (1995), caracterizam muito bem o fato de que o fígado apresenta cerca de 80% de hepatócitos e que, portanto, expressa morfologicamente, nas hepatites, as lesões hepatocelulares, mais do que manifestações vásculo-exsudativas e infiltrativas peculiares do processo inflamatório no interstício.
As hepatites crônicas em cães apresentam uma nomenclatura conflitante em alguns aspectos, assim como a nomenclatura utilizada para pacientes humanos. Segundo ISHAK (1994), hepatite crônica é definida histopatologicamente como uma doença necro-inflamatória crônica de severidade variável, não associada à colestase crônica, excluindo assim as alterações biliares. A transição entre as alterações que permitem definir a atividade inflamatória no fígado como aguda sub-aguda ou crônica é sutil. HARDY (1985) considera arbitrária esta definição, contudo enfatiza que a duração da atividade inflamatória deve estender-se até seis meses para uma apresentação de hepatite ser definida como crônica. Do ponto de vista clínico, as hepatites crônicas são consideradas pelo aumento prolongado dos índices que medem as atividades das enzimas hepáticas, aliando-se a isto as informações obtidas por meio de biopsias periódicas (CENTER, 1995a; HARDY, 1985). Neste aspecto, a biopsia hepática contribuiu sobremaneira para a caracterização morfológica das hepatites crônicas, muito mais do que as informações obtidas em necropsia. As biopsias permitiram avaliar a evolução da doença hepática de uma forma aguda ou sub-aguda de hepatite até uma forma mais grave reunindo componentes que permitiram classificá-la como crônica a partir de um determinado intervalo de tempo (SARLI, 1992; LUDWIG, 1995). Um fator complicante em se tratando da definição de uma determinada apresentação de hepatite é a diferenciação entre uma hepatite aguda e a reativação aguda de uma hepatite crônica, onde ambas as formas apresentam características morfológicas idênticas em um dado momento de evolução (LEVEILLE-WEBSTER & CENTER, 1995; THUNG & GERBER, 1995a , 1995b).
2.7.2. Formas definidas de hepatite crônica em cães:
Hepatite Crônica Ativa (HCA)
O termo Hepatite Crônica Ativa surgiu na década de 50 e foi solidificado em 1968, em uma classificação de hepatites crônicas publicada por um grupo internacional de especialistas em hepatologia (GROOTE et al., 1968). Esta forma de hepatite crônica tem sido referida com freqüência cada vez maior em cães. Macroscopicamente, o fígado tem aspecto atrófico e com múltiplos nódulos. Os achados histopatológicos predominantes são: presença de infiltrado linfoplasmocitário nos tratos portais, dilatação dos tratos portais com necrose em "saca-bocado" da placa limitante e fibrose periportal. O termo "necrose em saca-bocado" (piecemeal necrosis) define um modelo de atividade necro-inflamatória periportal característica, mas não patognomônica de HCA, que agride e destrói a placa limitante periportal. Este evento é de fundamental importância pelo fato de ser um motivador patogênico da cirrose, o que é corroborado pelo fato de que nas hepatites crônicas com atividade inflamatória confinada ao espaço porta não há evolução para cirrose (SARLI, 1992). As causas de HCA incluem diversos agentes etiológicos: Adenovírus Canino Tipo I, Leptospirose, drogas, metabolismo anômalo do cobre em cães Bedlington Terriers e Dobermann Pinschers e causas idiopáticas (RUTGERS & HAYWOOD, 1988).
Hepatite Crônica Persistente (HCP)
O termo Hepatite Crônica Persistente surgiu em meados dos anos 50, para definir uma variante não progressiva de hepatite viral (BATTS & LUDWIG, 1995). Em pacientes humanos, esta forma de hepatite crônica está provavelmente associada à agentes virais ou drogas. Os pacientes são assintomáticos e apresentam leve aumento de aminotransferases persistente por mais de seis meses. Em função dessa característica, a biopsia é necessária para diferenciá-la da HCA. Os achados histopatológicos mostram áreas de atividade inflamatória, confinada ao trato portal e há evidência mínima de necrose hepatocelular. A arquitetura lobular está preservada e há pouca ou nenhuma fibrose. A placa limitante está preservada, ou afetada de forma mínima (LUDWIG, 1984 e 1995). HARDY (1985) refere que alguns cães apresentam uma alteração semelhante: são assintomáticos, exibem evidência bioquímica de hepatite por meses ou anos e na biopsia apresentam uma hepatite não progressiva, predominantemente periportal moderada, de etiologia desconhecida, e muitos casos tem resolução espontânea. Estes achados são enriquecidos por FUENTEALBA et al. (1997), que incluem nos achados bandas discretas de tecido conjuntivo nas áreas portais tendendo a formar pequenos grupos de hepatócitos, resultando na formação de sub-lóbulos.
Colangiohepatite Crônica
Colangiohepatite é uma alteração inflamatória dos ductos biliares e hepatócitos adjacentes. É uma das mais comuns alterações hepatobiliares em gatos, mas não é reconhecida com freqüência em cães (JOHNSON, 1992). Na forma crônica, a colangiohepatite é mais proliferativa do que exsudativa. Macroscopicamente, o fígado apresenta-se aumentado em volume, com a superfície lisa ou finamente granular, eventualmente o órgão exibe pigmentação por bile. Histologicamente, a reação é centrada nos tratos portais e consiste de infiltração linfoplasmocitária moderada a severa na zona 1. As células inflamatórias são freqüentemente vistas na luz dos ductos biliares ou migrando através de suas paredes. Há proliferação de ductos biliares, fibrose portal e graus variáveis de colestase (THORNBURG, 1988b; KELLY, 1993; JONES et al., 1997).
Hepatite Crônica Lobular (HCL)
O termo foi adicionado em 1971, por POPPER & SCHAFFNER, aos já existentes de Hepatite Crônica Persistente e Hepatite Crônica Ativa. Um quarto termo Hepatite Septal Crônica não ganhou ampla aceitação por não se tratar mais do que o resultado de atividade necro-inflamatória em qualquer tipo de hepatite. A HCL caracteriza-se, basicamente, por atividade necro-inflamatória esparsa dentro do lóbulo. Segundo THORNBURG (1988c), a HCL é a forma mais comum de hepatite acometendo cães. Os achados incluem desarranjo trabecular com perda da orientação radial das traves sobre a veia central, esteatose focal, formação de corpos acidofílicos, figuras mitóticas entre os hepatócitos e inflamação moderada. O infiltrado inflamatório normalmente inclui neutrófilos, linfócitos e plasmócitos. A causa é desconhecida, mas aparentemente o excesso de cobre torna os indivíduos mais suscetíveis.
Hepatite Lobular Dissecante
Foi originalmente descrita como entidade histomorfológica em 1983 (BENNET et al., 1983). Os animais apresentam aumento dos níveis séricos de enzimas hepáticas. Macroscopicamente, o fígado exibe coloração pálida e uma superfície lisa com alguns nódulos de aspecto hiperplásico. Os achados histopatológicos são de atividade necro-inflamatória hepatocelular difusa. Há desarranjo da arquitetura lobular por completa dissecação fibrótica do parênquima em pequenos grupos de hepatócitos, com subseqüente hipertensão portal. O infiltrado inflamatório inclui células mono e polimorfonucleares. Há colestase em graus variáveis. Eventualmente, há formação de nódulos regenerativos. Esta é uma forma de hepatite que parece desenvolver-se a partir do período neonatal e juvenil, o que é comparável à hepatite neonatal, em humanos. A causa é desconhecida (BENNET et al., 1983; THORNBURG, 1988c; INGH & ROTHUIZEN, 1994).
SEVELIUS et al. (1994), apresentam uma proposta de classificação simplificada das hepatites crônicas em cães, reunindo todas as formas em quatro grupos distintos: Hepatite Crônica Progressiva, Hepatite Crônica Inespecífica, Colangiohepatite Crônica, e Cirrose Hepática. FUENTEALBA et al. (1997), também apresentam, em um estudo retrospectivo, uma classificação de hepatites crônicas em cães, definida do ponto de vista laboratorial e anatomopatológico e dividida em seis categorias: Hepatite Crônica Ativa, Hepatite Crônica Persistente, Hepatite Crônica Colestática, Hepatite Fibrosante Acompanhada de Cirrose, Colangiohepatite Crônica e Hepatite Secundária Miscelânea. Enquanto a classificação de SEVELIUS et al. (1994) tem o mérito de apenas simplificar uma nomenclatura variada e muitas vezes infértil, a classificação de FUENTEALBA et al. (1997) propõe bases laboratoriais e morfológicas para a definição de entidades distintas e que descreve achados comuns, passíveis de uso como marcadores de atividade inflamatória nas hepatites crônicas.
A etiologia da hepatite crônica canina inclui diversos agentes, listados no quadro 3.
As pesquisas em hepatologia veterinária tem se voltado de forma crescente para as hepatites crônicas em cães. A patogenia das hepatites crônicas em cães ainda é obscura, mas tem revelado aspectos epidemiológicos comuns em diversas partes do mundo e trouxe um novo enfoque ao quadro terminal da lesão hepática progressiva, a cirrose.
Quadro 3 Agentes etiológicos conhecidos e suspeitos de causarem hepatite crônica em cães.
Etiologia conhecida ou suspeita Etiologia desconhecida | |
|
Hepatite crônica
ativa idiopática Hepatite lobular dissecante |
Lesões semelhantes à Hepatite Crônica Ativa em humanos |
|
|
Fonte: RUTGERS & HAYWOOD, 1988.
2.7.3. Fibrose e Cirrose
ISHAK (1994) e THORNBURG (1983a, 1988c) apontam que estas alterações ocorrem quando as lesões excedem a capacidade regenerativa do fígado.
A fibrose é caracterizada pelo aumento da deposição de colágeno e outros componentes da matriz extracelular no fígado. Pode ocorrer de forma primária, de natureza não inflamatória (RUTGERS et al., 1993), mas comumente ocorre como seqüela a um processo inflamatório ou lesão tóxica direta ao fígado (CRAWFORD, 1994). A fibrose pode desenvolver-se na periferia dos tratos portais ou veia centrolobular, inicialmente, ou mesmo depositar-se diretamente sobre o espaço de Disse (CRAWFORD, 1994). A fibrose progressiva é potencialmente capaz de conduzir à cirrose. Neste aspecto o metabolismo do colágeno é fundamental. No fígado normal há quatro tipos distintos de colágeno: tipo I, II, III e IV; o colágeno intersticial (tipo I e III) são concentrados nos tratos portais, com poucos feixes no espaço de Disse e veias centrolobulares. Com a evolução da fibrose e na cirrose, os tipos I e III de colágeno substituem a rede delicada de colágeno tipo IV no espaço de Disse e atingem todo o lóbulo. Esta deposição de colágeno tipos I e III no espaço de Disse é acompanhada da perda de fenestrações das células endoteliais sinusoidais, permitindo uma perda maciça de proteínas (RUTGERS et al., 1993; CHEVALLIER et al., 1994; CRAWFORD, 1994; OBERTI et al., 1997).
Cirrose é definida como uma septação conjuntiva de natureza cicatricial difusa do fígado com a formação de nódulos de regeneração hepatocelular (TWEDT, 1985; CRAWFORD, 1994). A cirrose se traduz por uma grande distorção arquitetural, com alterações circulatórias e metabólicas dramáticas para o fígado.
Exceto em algumas raças, como Bedlington Terriers e West Highland Terriers (THORNBURG, 1988c; THORNBURG et al., 1996), os mecanismos exatos que conduzem à fibrose hepática difusa, acompanhada de nódulos de regeneração ainda não são totalmente conhecidos.
Os padrões anatômicos da cirrose compreendem um sistema simples de designação (TWEDT, 1985; CRAWFORD, 1994):
Este padrão de nodularidade reflete o padrão e a extensão das lesões que conduziram ao quadro cirrótico. Lesões lobulares uniformes levam a uma cirrose regular da mesma forma que lesões confluentes não uniformes levam a uma cirrose irregular. Ainda há que se considerar que, embora a cirrose seja um quadro terminal de doença hepática, é um processo dinâmico, onde nódulos menores podem ser convertidos a nódulos maiores, com o complexo surgimento de novos tratos portais, por alterações no fluxo sangüíneo ou por destruição de nódulos menores, que desse modo permitem uma conversão de menores septos para outros maiores e propiciando a expansão de nódulos adjacentes (CRAWFORD, 1994). Com efeito, um fígado cirrótico está em constante remodelação.
ZAWIE & GILBERTSON (1985) apontam uma outra classificação de cirrose hepática, que diz respeito à atividade inflamatória presente:
THORNBURG et al. (1983a) citam uma outra nomenclatura para cirrose em indivíduos humanos, baseada na natureza e causa da doença hepática: nutricional, pós-hepática e pós-necrótica. A cirrose que sucede a um único episódio de necrose hepática é chamada de "pós-necrótica". A necrose desenvolve-se em vários graus, dependendo da natureza da doença hepática. As lesões focais normalmente evocam uma resposta regenerativa, contudo as lesões extensas que atingem uma grande massa de hepatócitos quando não provocam a morte do indivíduo propiciam o surgimento da cirrose, conforme observaram THORNBURG et al. (1983a).
2.7.4. Alterações Portais
As alterações portais freqüentemente surgem como conseqüência à lesões hepatocelulares progressivas (STROMBECK & GUILFORD, 1995c). Os tratos portais apresentam alterações marcantes do ponto de vista morfológico e significativas com vistas ao prognóstico, em determinados casos. Nas obstruções biliares (intra e extra-hepáticas) de origem mecânica, os tratos portais apresentam edema e intensa proliferação ductal marginal. Nas hepatites crônicas, a natureza do infiltrado inflamatório é determinante para caracterizar o grau de atividade do processo, assim como o grau de fibrose. Um infiltrado predominantemente linfoplasmocitário é indicativo de atividade necro-inflamatória ativa, normalmente estendendo-se para o parênquima (THORNBURG, 1988b).
2.7.5. Neoplasias
As neoplasias primárias do fígado são relativamente raras em cães, ocorrendo por volta dos 10 anos de idade em média. A freqüência varia de 0,6 a 1,3% entre todas as neoplasias em cães (PATNAIK et al., 1980). A etiologia de neoplasias hepáticas ocorrendo naturalmente em cães é desconhecida, estando em alguns casos associada à cirrose, como em pacientes humanos (PONOMARKOV & MACKEY, 1976). O carcinoma hepatocelular é o mais comum, seguido pelo colangiocarcinoma e pelos sarcomas (PONOMARKOV & MACKEY, 1976; ITOH et al., 1992). Histologicamente, o carcinoma hepatocelular exibe três padrões distintos: o nodular, o granuloso e o infiltrativo (ITOH et al., 1992). Entre os tumores benignos o mais comum é o adenoma hepatocelular que apresenta uma estreita semelhança com uma alteração não neoplásica comum no fígado de cães velhos: a hiperplasia nodular focal. Histologicamente, pode haver dificuldade em diferenciar uma condição da outra (XAVIER et al., 1992). A hiperplasia nodular focal normalmente é uma lesão única caracterizada por fibrose, perda da estrutura lobular e proliferação de ductos biliares (BERGMAN, 1985; XAVIER et al., 1992). Os linfomas podem acometer o fígado na forma nodular ou difusa, o que resulta em hepatomegalia (FOURNEL-FLEURYM et al., 1997). As neoplasias que mais comumente metastizam para o fígado são os adenocarcinomas intestinais, os adenocarcinomas pancreáticos e os hemangiossarcomas (ROTH, 1987), muito embora hemangiomas e hemangiossarcomas possam surgir primariamente no fígado (PONOMARKOV & MACKEY, 1976).
2.8. Expectativas e Limitações da Biopsia Hepática
A biopsia oferece um excelente suporte ao clínico e ao cirurgião em um amplo espectro de situações. Em grande parte, as informações clínicas e os recursos laboratoriais e de imagem são inespecíficos, no que se refere à doença hepática. Nesses casos, a biopsia hepática, combinada aos dados clínicos e laboratoriais, apoia a definição da etiologia do processo. Contudo, alguns fatores intrínsecos à doença hepática contribuem para variações significativas no resultado de uma biopsia, sobretudo a extensão e a severidade da lesão. Fatores extrínsecos, tais como nutrição e resistência imunológica também colaboram na variação da apresentação da doença ao longo do seu curso. Assim, é recomendável que no planejamento da biopsia hepática se inclua a possibilidade de repetições, o que é corroborado pelo fato de que as biopsias seriadas não apenas aumentam a margem de acerto diagnóstico como permitem o monitoramento da doença hepática e da terapia (MARKS et al., 1994; CENTER, 1995a , 1995b; DIAL, 1995; JACKSON, 1996).
De importância capital em hepatologia hoje é a evolução do diagnóstico da doença hepática, da mera referência à "hepatopatia aguda", termo genérico e inespecífico, a denominações mais específicas, norteando, dessa forma, uma conduta clínica.
Solicite as referências bibliográficas aos autores.
Leia também o texto Diagnóstico Citológico em Animais Domésticos.