Canal Campos-Macaé
Pedido de tombamento
Campos dos Goitacases, 20 de março de 2000
Ilmo. Sr. Presidente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional
Dr. Carlos Henrique Heck
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SBN Quadra 02 – Edifício Central Brasília
70040-904 – Brasília/DF
O Canal Campos-Macaé foi construído no século XIX, interligando as bacias
do rio Paraíba do Sul, da Lagoa Feia e do rio Macaé, para fins de navegação,
atendendo a interesses econômicos os mais diversos, além do transporte de
passageiros. Sua construção estendeu-se por longos anos e apresentou custos
financeiros e sociais elevadíssimos, pois o trabalhador utilizado nela
constituiu-se basicamente de escravos.
Com o declínio do aquaviarismo e a
ascensão do ferroviarismo e do rodoviarismo, o canal foi abandonado enquanto
via de transporte. A partir de 1935, com o início das obras de dragagem e
drenagem da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, transformada em
Departamento Nacional de Obras e Saneamento em 1940, o canal foi incorporado
a uma rede de cerca de 1.450 quilômetros, agora não mais como canal de
navegação, e sim como canal de drenagem.
Atualmente, ele corta os municípios de Campos dos Goitacases, Quissamã,
Carapebus e Macaé, aproveitando vários ecossistemas lóticos e lênticos da
planície aluvial e da restinga situada entre Macaé e Barra do Furado. Na
parte urbana de Campos dos Goitacases, ele já teve a seção que se estende do
rio Paraíba do Sul à rua Tenente Coronel Cardoso capeada para a implantação
de uma área de lazer batizada de Parque Alberto Sampaio. Caminhando-se da
margem do rio Paraíba do Sul para a supracitada rua, passa-se por uma
depressão que constituía a parte mais funda da lagoa do Furtado, depois
lagoa do Osório, totalmente drenada por ele.
Entre a rua Tenente Coronel Cardoso e a avenida 28 de Março, ele está
descoberto e bastante modificado, em relação a sua fisionomia original. Sem
receber os cuidados que deveria merecer do governo municipal de Campos dos
Goitacases, ele se apresenta bastante poluído por esgotos lançados pela
empresa Águas do Paraíba, responsável pelo abastecimento público de água da
cidade e pela coleta de esgotos domésticos, por despejos de efluentes de
pequenas empresas industriais e comerciais e por lixo.
Mostra-se, também,
consideravelmente assoreado na parte coberta, que se estende do rio Paraíba
do Sul à rua Tenente-Coronel Cardoso. No trecho que os governos estadual e
municipal pretendem capear, houve recentes obras de redragagem no valor de
R$ 66356.40, recursos financeiros inutilmente aplicados, vez que se
pretende cobrir o canal. É de se perguntar por que tanto empenho no
empreendimento de uma obra a ser anulada por outra quando o prédio que
pertenceu ao Visconde de Ararauma, tombado pelo Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural e onde se pretende instalar o Museu de Campos, ameaça
ruir.
Estes problemas levam os moradores a uma falsa opção: o canal descoberto
exalando maus odores e como foco de vetores ou o canal coberto, quando a
opção apropriada deveria ser: o canal restaurado e limpo ou coberto. Neste
caso, o correto é o canal restaurado e limpo. No entanto, anuncia-se o
capeamento dele mediante convênio entre o governo do Estado do Rio de
Janeiro e a prefeitura Municipal de Campos dos Goitacases, a começar em
abril do ano em curso.
Levando-se em conta que a tendência, nos países europeus, é a de
redescobrir os cursos d'água nativos e antrópicos, restaurando sua
fisionomia original através de medidas como reconstrução de meandros,
desassoreamento, recriação do leito de cheia, despoluição e
recomunitarização com espécies nativas, o revestimento do canal Campos-Macaé
passa a ser uma obra anacrônica, na contra-mão da história. Ademais, a
cobertura com recursos públicos deste curso d’água público tem por objetivo
a produção de espaço na área urbana para a construção de quiosques, postos
de abastecimento, estacionamentos de veículos motorizados e de
estabelecimentos comerciais outros a serem explorados pela iniciativa
privada e pelo poder público com fins lucrativos.
Após a avenida 28 de Março, foi construído o canal de Tocos, que deriva do
canal Campos-Macaé e deflui na lagoa do Jacaré, ligada à Lagoa Feia. Neste
ponto, o canal foi praticamente bloqueado por uma comunidade de baixíssima
renda que ergueu casas frágeis em fins dos anos de 1970, sem saneamento
básico e habitando área de risco ambiental. Torna-se necessário transferir
os moradores deste local para outro mais seguro, como lhes garante a Lei
Orgânica de Campos dos Goitacases.
Nos municípios de Quissamã, Carapebus e Macaé, seu aspecto é bem mais
alentador. Cogita-se, inclusive, restaurá-lo com vistas à navegação
turística no interior do Parque Nacional de Jurubatiba. No seu ponto
terminal (ou inicial, conforme a perspectiva adotada), existe ainda uma
estrutura de pedra construída para funcionamento de eclusas. Logo a seguir,
ele desemboca no rio Macaé, recebendo antes as águas do rio Trapiche. Neste
trecho, ele se apresenta também bastante poluído por óleo, esgoto doméstico
e lixo. Apesar destes fatores adversos, o manguezal do rio Macaé colonizou
boa parte dele.
Levando-se em consideração que o canal liga um rio federal (Paraíba do Sul)
a duas bacias estaduais (lagoa Feia e rio Macaé);
Considerando-se que suas águas fluem do rio Paraíba, situado em cota 14,
para a lagoa Feia, em cota 3, até o rio Macaé, em cota 0, e que ele pode ser
vital para a manutenção dos trechos não situados no município de Campos,
desde que as águas do rio Paraíba possam fluir livremente por seu curso;
Tendo em vista que ele corta o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba,
situado entre os municípios de Quissamã, Carapebus e Macaé, e a única
Unidade de Proteção Ambiental do Brasil em restinga;
Lembrando que medra nele um manguezal junto à foz do rio Macaé, vegetação
esta considerada de preservação permanente e Reserva Ecológica pelas Leis
Federais nº 4.771/65 (Código Florestal) e nº 6.931/81, bem como pela
Resolução nº 004/85, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, sob proteção do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis;
Por fim, reconhecendo que o canal Campos-Macaé se reveste de inegável valor
histórico, como uma das maiores obras de engenharia civil brasileira do
século XIX, e que pode ser restaurado para finalidades culturais e
turísticas,
Propomos seu tombamento ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em caráter de urgência, de
modo a impedir obras que o descaracterizem mais ainda, e como parte de um projeto maior, que envolve os
outros três canais de navegação da região norte do Estado do Rio de Janeiro,
no século XIX, a saber, os canais de Cacimbas, do Nogueira e da Onça.
Solicitamos, outrossim, formação de processo e informação de seu número
através da Empresa Brasileira de Correios ou da Internet.
Atenciosamente
Simonne Teixeira
(simonne@uenf.br)
Doutora em História Medieval pela Universitat Autónoma de Barcelona
(Espanha)
Coordenadora do Projeto de Gestão Documental - Acervo Museu de Campos
Coordenadora da região Norte-Fluminense do Fórum Nacional de Dirigentes de
Arquivos Municipais
Relatora da Comissão de Promoção e Proteção ao Patrimônio Cultural do Plano
Estratégico de Campos
Membro da Comissão Municipal para Elaboração do Projeto do Centro de Memória
Regional
Sylvia Márcia Paes
(sylvia@rol.com.br)
Professora de História Regional
Superintendente da Fundação Cultural Jornalista Osvaldo Lima
Ex-coordenadora do Projeto Museu Campos dos Goytacazes
Relatora da Comissão de Promoção e Proteção ao Patrimônio Cultural do Plano
Estratégico de Campos
Membro da Comissão Municipal para Elaboração do Projeto do Centro de Memória
Regional
Leonardo de Vasconcellos Silva
(leosilva@cefetcampos.br)
Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos
Designer pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Presidente da Comissão Pró-Memória do CEFET Campos
Coordenador do Centro de Memória Fotográfica de Campos
Membro da Comissão de Promoção e Proteção Cultural que integra o Plano
Estratégico de Campos
Membro da Comissão Municipal para Elaboração do Projeto do Centro de Memória
Regional
Aristides Arthur Soffiati Netto
(soffiati@censa.com.br)
Professor da Universidade Federal Fluminense
Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Pré-Organizador do Arquivo Histórico do Liceu de Humanidades de Campos
Autor das propostas de tombamento do conjunto do Liceu de Humanidades de
Campos e da Praça do Santíssimo Salvador, ambos em Campos (RJ)
Membro da Comissão Municipal para Elaboração do Projeto do Centro de Memória
Regional
Anexos
1- Artigo intitulado “Os canais de navegação do século XIX no Norte Fluminense: canal
Campos-Macaé”, de Arthur Soffiati, publicado na Lista de Informação do ICOMOS/Brasil,
em 16 de fevereiro de 2000.
2- Artigo intitulado “Um réquiem para o Canal Campos-Macaé”, de Leonardo de
Vasconcellos Silva, publicado no jornal Matéria Prima (Campos dos
Goitacases: março de 2000).
3- Matéria jornalística publicada em Folha da Manhã, Campos dos Goitacases, em 15 de
fevereiro de 2000, com o título de “Garotinho retoma cobertura de canal”.
4- Matéria jornalística publicada em O Globo, Rio de Janeiro, com o título de “Canal
abre caminho para turismo no interior”, de Paulo Roberto Araújo, em 13 de março de
2000.
5- Matéria jornalística intitulada “Unesco diz que Jurubatiba é um patrimônio
universal/ Canal Campos-Macaé para o turismo”, publicada em Folha da Manhã, Campos
dos Goitacases, em 19 de março de 2000.
6- Planta de nivelamento do Canal entre a Cidade de Macaé e a Cidade de Campos, em
dezembro de 1849, levantada por Antonio Joaquim de Souza e Jacintho Vieira do Couto
Soares.
7- Parte da Nova Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro organizada sobre os
trabalhos de Pedro D'Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob Niemeyer e publicada por
Eduardo Bensburg. Rio de Janeiro: 1865, na qual figura o canal Campos-Macaé em toda
sua extensão.
8- Carta da Província do Rio de Janeiro organizada por Manoel Maria de Carvalho, em
1888, na qual figura o Canal Campos-Macaé em toda sua extensão.
9- Fotos do canal Campos-Macaé, na seguinte ordem:
a) Proposta de urbanização da área onde se situava a lagoa do
Furtado. Essa planta serviu como inspiração para o projeto do parque Alberto Sampaio,
que foi realizado pelo escritório Coimbra Bueno, em 1944. Plano Saturnino de Britto,
1902.
b) Ponte sobre o canal Campos-Macaé na direção da rua Gil de
Goes. A praça Azeredo Coutinho totalmente inundada faz lembrar a lagoa do Furtado,
que ocupava anteriormente essa mesma área. Foto: Francisco de Paula Carneiro,
1906.
c) O canal Campos-Macaé, na altura da rua Conselheiro
Otaviano, durante a grande cheia de 1906. Esse local era popularmente chamado de
“covas d’areia”. Foto: Francisco de Paula Carneiro, 1906.
d) O guarda-corpo do canal Campos-Macaé, em estilo art
nouveau, na direção da rua Alberto Torres. É possível ver ao fundo a torre da
igreja N. S. da Boa Morte e à direita o prédio do Grupo Escolar João Clapp. Foto: J.
Xavier de Siqueira, 1916.
e) A preocupação com a estética fica evidente nesse belíssimo
guarda-corpo em estilo art nouveau. A fotografia enfoca a ponte sobre o canal
Campos-Macaé na direção da rua Formosa. Foto: anônimo, c. 1925.
f) Obra de rebaixamento e alargamento do canal Campos-Macaé,
realizada com o objetivo de aumentar o volume de drenagem do rio Paraíba em caso de
cheia. À direita da imagem, aparece a lateral do Grupo Escolar João Clapp. Foto:
acompanhamento técnico da obra, 1929.
g) Rebaixamento do leito do canal na altura da rua Alberto
Torres. Embora a obra tivesse sido proposta em 1891, somente foi realizada em 1929.
Foto: acompanhamento técnico da obra, 1929.
h) Início das obras de rebaixamento e alargamento do canal
Campos-Macaé, junto à Beira-Rio. O sobrado de dois andares que aparece no centro da
foto, ao fundo, é o Grupo Escolar João Clapp. Foto: acompanhamento técnico da obra,
1929.
i) Obra de rebaixamento e alargamento do canal Campos-Macaé,
realizada com o objetivo de aumentar o volume de drenagem do rio Paraíba em caso de
cheia. Foto: acompanhamento técnico da obra, 1929.
j) Término da construção do parque Alberto Sampaio. O projeto
não só integrou como valorizou a existência do canal. Ao fundo, vê-se a torre do
Mercado Municipal. Foto: Cartão postal, 1944.
Nota do Editor
Leia mais sobre o canal de navegação e drenagem Campos-Macaé em:
- LAMEGO, Alberto Ribeiro, 1945. O homem e o brejo. Rio de Janeiro, Conselho
Nacional de Geografia, XXXII + 204 p. + pranchas s. numer. (fotos), il.
- RIBEYROLLES, Charles, 1941. P. 22-5 in: Brasil pitoresco. 2.o
volume. São Paulo, Martins, XIV + 189 p. + 47 pranchas (gravuras de Victor
Frond). (Biblioteca Historica Brasileira, 6). Trad. Gastão Penalva (“Le Brésil
pittoresque”).
- SOFFIATI, Arthur, 2000. Os canais de navegação do século XIX no Norte
Fluminense: canal Campos-Macaé. Representação ao Ministério Público.
Disponível na rede mundial:
http://www.geocities.com/RainForest/9468/canal.htm
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Referência bibliográfica desta página
TEIXEIRA, Simonne; PAES, Sylvia Marcia; SILVA, Leonardo de Vasconcellos; SOFFIATI
NETTO, Aristides Arthur, 2000. Canal Campos-Macaé. Pedido de tombamento.
Disponível na rede mundial:
http://www.geocities.com/RainForest/9468/canal2.htm.
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