Entrevista :  REINALDO LIMA


Bar Opção (in memoriam), dia 09/05/98 : Reinaldo Lima, maior artilheiro da história do Atlético Mineiro (254 gols) se reúne com integrantes da torcida para um bate papo informal, regado é claro a algumas geladas e ao som do mais puro rock n'roll. Veja agora os melhores momentos desse encontro inesquecível :



 

Galo Metal: O que você está fazendo atualmente ?

Rei: Atualmente eu escrevo crônicas aos sábados e segundas para o jornal O Tempo, participo do programa Clube do 23 no Canal 23 e faço comentários na Rádio Inconfidência. Também estou saindo candidato a Dep. Estadual pelo Partido Verde.

Galo Metal: O que você planeja fazer pelo esporte caso seja eleito ?

Rei: Bem, a 1ª emenda à Constituição do Estado de Minas Gerais, a do art. 157, foi de minha autoria, no meu mandato pelo PT. O texto coloca como prioridades o esporte e a cultura, que são setores importantes que não eram assegurados na Constituição. Então o que eu pretendo fazer é continuar sendo um representante do futebol e de outros esportes e da cultura, meio onde eu também tenho boas relações. Mas é claro que tudo o que acontece no nosso estado passa pela Assembléia Legislativa, então o deputado deve apreciar todos os projetos. Saibam que o meu gabinete será popular e de representação de qualquer segmento da sociedade. O meu objetivo mesmo é fazer um mandato popular, pois a política deve dar mais acesso ao povo, não se isolar dele.

Galo Metal: Como você começou a carreira e em quais clubes atuou ?

Rei: Eu comecei a jogar futebol lá em Ponte Nova, em peladas no Col. Dom Helvécio. Eu jogava com os padres e na época eles jogavam de batina, não era fácil passar a bola entre as pernas deles (risos). Mas eles só me deixavam jogar no gol, senão eu desequilibrava. O meu primeiro time mesmo foi o 1º de Maio, depois o Pontenovense e depois o Atlético. Também tive passagens rápidas pelo Palmeiras, Rio Negro - AM, Cruzeiro ( 2 jogos ), Hacken ( Suécia ) e Telstar ( Holanda ), onde encerrei a carreira.

Galo Metal: Como foi sua passagem na Seleção Brasileira ?

Rei: Eu comecei a participar da seleção em 1975, aos 18 anos. Era uma Seleção Mineira que estava representando o Brasil na Copa América. Aí chegaram o treinador Osvaldo Brandão e jogadores de outros estados, mas eu continuei nessa seleção. Depois eu vim participando de outras seleções também. Embora ficasse muito tempo contundido, participei da Copa do Mundo de 78 e das eliminatórias das Copas de 78, 82 e 86. Fiz 34 jogos com a seleção, marquei 14 gols e fiquei até 1985.

Galo Metal: Como você se preparava psicologicamente sabendo que os zagueiros visavam mais seu joelho do que a bola ?

Rei: Eu não pensava nisso não, eu me preparava para como eu ia driblar os zagueiros. Eu via os jogos, conhecia os zagueiros e, quando eu ia para a concentração, ficava imaginando jogadas, dribles, gols que eu poderia fazer, era um exercício mental. Além disso eu era bem treinado, tinha uma boa condição física e conseguia executar essa automatização. E realmente eu tive lances geniais, de arte mesmo. Outro dia eu estava conversando com o Fernando Morais, que é crítico de arte do jornal O Globo e falei pra ele que conhecia todos os pintores, museus e telas famosas do mundo e perguntei: "Qual o seu conceito de arte ?" Ele disse que o conceito de arte está na sua característica, na sua repetição. Você tem um traço, um movimento que torna-se característico seu. Então uma de minhas características foram essas pinceladas geniais dentro do futebol. Hoje eu vejo em slow motion e sinto todo aquele clima de novo, o grito da torcida, o sentimento...

Futebol-Arte

Galo Metal: Qual foi o seu gol mais bonito ?

Rei: Ah, foi aquele gol da placa do Mineirão contra o América - RN. O Toninho Cerezo tocou pra mim, mas eu não devolvi, deixei a bola passar e todos os zagueiros correram pra cima do Toninho esperando a tabela. Aí a bola ficou ali na meia-lua, de frente pro goleiro. Então eu hipnotizei o goleiro, ele ajoelhou e nessa hora eu só dei um toque sutil e o encobri. Tem também uma charge ótima do Lan, que é cartunista do Jornal do Brasil, sobre um gol que eu fiz na seleção. Ele soube dar movimento à jogada, desenhou tudo dentro da pequena área, com todos os adversários lá dentro; aí eu saia driblando todo mundo e fazia o gol. O João Saldanha costumava dizer que um lenço pra mim era como um latifúndio, como aquele gol que eu fiz no Flamengo em 80, no Maracanã. Então era assim, eu dava uns dribles coletivos. O Gérson, por exemplo, diz que eu pensava 5 segundos antes dos adversários. Isso tudo era um delírio pra galera.

Galo Metal: Qual foi o título mais marcante da sua carreira ?

Rei: Foi o meu 1º título de campeão mineiro, em 76, contra o Cruzeiro.

Galo Metal: Quais são os melhores jogadores do Brasil, na sua opinião ?

Rei: O melhor jogador do Brasil, pra mim, é o Romário. Ele tem muito talento. O Dodô também está jogando muito. O Ronaldinho está bem, mas precisa de alguém pra tabelar com ele, como o Müller, por exemplo.

Galo Metal: Qual jogador hoje que joga mais parecido com você ?

Rei: Olha, eu acho que é o Romário mesmo. Ele me viu jogar muito e tem muito das minhas características, ele mesmo fala isso.

Galo Metal: O que você acha da torcida do Atlético e de torcidas diferentes como a Galo Metal ?

Rei: Eu acho que o Atlético é muito grande, então tem todas as expressões, desde o atleticano mais fanático até o atleticano religioso. Forma um sentimento de sangue, assim como Minas são muitas, o Atlético também tem várias expressões.

Galo Metal: Você ouve rock n' roll ?

Rei: Não, eu nunca fui muito disso não. As únicas bandas que eu gostava mesmo eram Beatles e Bob Dylan. Hoje eu gosto mais de músicas e hinos de Igreja...

Galo Metal: Então tá bom Reinaldo, muito obrigado...

Rei: Tá bom né, é só falar em Igreja que os capetas saem todos correndo ! ( risos )

Galo Metal: Então pra finalizar, escale o seu Atlético de todos os tempos :

Rei: Uai, o nosso mestre Cafunga, Getúlio, Grapete, Luisinho, Oldair, Cerezo, Paulo Izidoro, Marinho, eu, Marcelo e Éder Aleixo.

* Foto "Futebol-Arte" retirada da Página Oficial do Rei.



OS VELHOS TEMPOS


" ' O Atlético luta contra tudo e contra todos, é o Vingador, o Glorioso ! '. Era isso que a gente aprendia quando eu cheguei aqui. Eu tinha 14 anos, vim de Ponte Nova e não conhecia nada de BH. Lá nas categorias de base com Dom Serafim, D. Maria Conceição Bias Fortes, era uma família. Tinha o diretor Fábio Fonseca, que era Dep. Federal; jogo meu lá na Alameda de infantil, juvenil e profissional ele assistia todos e no final me dava a maior nota que tinha, o que hoje equivale a 100 reais. Éramos como pai e filho. Tinha toda uma integração. Hoje muitos entram lá para se dar bem. "


O VOTO DA TORCIDA


" Deve haver uma maior participação da massa na administração. Na minha opinião a torcida organizada tem que votar, tem que ter uma voz porque senão fica fácil demais : o sujeito entra lá e monta a sua panelinha. O Atlético é grande demais para ter panelinhas. "


REI PRESIDENTE


" Eu penso em ser Presidente do Atlético e vou ser um franco atirador a qualquer momento. Eu tenho orgulho de ser o maior artilheiro do Clube e o Clube deve preservar seus símbolos, sua história. "




FRASES


Sobre o jogo Flamengo x Atlético em 1980 :


" Ao me ver capengando no seu setor, o Júnior me disse : ' sai do jogo cara, sai. Você não está aguentando andar. '"

" Ele não acreditava que eu pudesse correr. Dei um pique, acabei de arrebentar o músculo e fiz o gol de empate. " - Sobre o dia em que calou o Maracanã. Três minutos depois, o juiz José de Assis Aragão o expulsou por demorar a se levantar.


Sobre o tratamento médico :


" Com uma agulha enorme, ele retirava o líquido sinovial com sangue e pedaços de cartilagem. " - Sobre o tratamento com o ex-médico do Atlético Abdo Arges, que mais tarde pediu desculpas ao ídolo por seu procedimento. O Dr. Abdo morreu há alguns anos.

" Ele fazia punção e meu joelho secava. Eu treinava e o joelho inchava. Aí ele voltava a fazer punção e eu voltava para treinar. Assim era o processo. "

" Nesses anos todos, fiquei mais tempo na cama do que de pé. Sou bom de cama. "

" Com ela, você joga até de perna quebrada. " - Sobre as infiltrações de Decadron no joelho.

" Se o médico e a imprensa soubessem da gravidade da minha situação , eu seria inevitavelmente cortado. " - Sobre a Copa de 78, na Argentina.

" Um dos ligamentos cruzados já tinha arrebentado e eu nem sabia. Só fiquei sabendo lá. " - Sobre o tratamento nos EUA.


Sobre o envolvimento com as drogas


" Quando ele se aproximou eu falei : 'some da minha frente'. " - Sobre a 1ª vez que encontrou um traficante após abandonar a cocaína.

" Tive muita vergonha, foi doloroso. Chorei muito sozinho ao lembrar dos meus filhos. "

" A droga tinha me envolvido inteiramente, eu não conseguia produzir nada, nem saía mais de casa. "

" Na cidade as pessoas falam : 'rei, rei, você foi o melhor'. Isso infla o ego, torna você mais vulnerável. "

" Ficou um vazio no coração dele, ele não conseguiu aceitar a nova realidade. Por isso caiu nas drogas. " - Frei Betto, sobre os motivos que levaram o craque ao vício, entre eles a dificuldade de se adaptar à vida pós-ídolo.

" Está para acontecer uma coisa muito ruim na sua vida. Leia o Salmo 121 da Bíblia. Você vai precisar. " - De um velhinho desconhecido que estava passando na rua para Júnia, esposa do jogador. Dias depois Reinaldo era acusado de traficar drogas.

" Ele estava descompensado fisicamente, tinha lentidão de raciocínio e dificuldades de falar. " - Dr. Madruga conta como Reinaldo chegou ao seu consultório.

" Eu morri para nascer de novo. O Daime te leva a um exame de consciência, que faz limpar as coisas ruins. " - Sobre o trabalho de cura num grupo da seita Santo Daime.

" Ultimamente, estou conseguindo ficar até sem remédio antidepressivo. "

" Você nunca pode dizer que se libertou disso, porque a cocaína é uma droga sedutora, poderosa. "

" Nas orações estou sempre pedindo : meu Deus, entre com mão firme em minha vida, me desviando dessas coisas e colocando as palavras na minha boca para que eu possa dizer NÃO. "

* Frases retiradas da reportagem de capa da Revista Domingo, do Jornal do Brasil - 15 de fevereiro de 1998.
 
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