INSTITUTO DE CIÊNCIAS RELIGIOSAS

HISTORIA DA FILOSOFIA I

Prof. Antonio Carlos Machado



SANTO AGOSTINHO (354-430)



  1. ITINERÁRIO AO CRISTIANISMO



A síntese entre a filosofia grega e a revelação cristã continuou nos primeiros séculos do cristianismo, tanto no oriente quando no ocidente. Neste, o principal expoente foi S. Agostinho.

Nasceu em Tagaste (África), em 354, sua mãe era cristã e seu pai era pagão.

Na mocidade, antes de converter-se ao cristianismo, teve formação humanística, dedicando-se aos estudos de gramática, retórica e filosofia, em sua terra natal e depois em Cartago.

O pensamento filosófico dominante em Cartago era o maniqueísmo (=há dois princípios absolutos: o bem e o mal, que lutam entre si), e ele logo se tornou maniqueu. Pouco depois, tornou-se professor de retórica, transferindo-se posteriormente para Roma, em 383.

Em Roma, conheceu e aderiu ao ceticismo acadêmico, abandonando o maniqueísmo. Mas foi por pouco tempo, pois em Milão conheceu a obra de Plotino e ficou encantado, passando a aderir ao neoplatonismo.

Admirou sobretudo as teorias de Plotino sobre a incorporeidade do Absoluto e a imortalidade da alma.

Depois de ler as cartas paulinas e com a orientação de Santo Ambrósio, aderiu ao cristianismo, sendo batizado em 387 (tinha 33 anos) e voltou para a África. Lá, foi ordenado presbítero em 391 e bispo em 395.

Como bispo, combateu os maniqueus, os donatistas e os pelagianos, sempre defendendo a preservação da pureza da doutrina.

Faleceu em 430. Foi o principal pensador da era patrística.



  1. DOUTRINA SOBRE O CONHECIMENTO



A primeira questão filosófica colocada por ele foi a da possibilidade do conhecimento (influência do ceticismo), sob dois aspectos: 1. é possível conhecer a verdade? 2. como a conhecemos?

A primeira pergunta se dirige aos céticos e ele responde que é possível conhecer ao menos algumas verdades, como por ex., o princípio da não contradição (semelhante a Aristóteles) e a própria existência (se duvido, existo; a própria dúvida é prova da existência).

Na sua obra “Contra Academicos”, refuta os dois principais argumentos dos céticos contra a validade do conhecimento: a discórdia entre os filósofos e o engano dos sentidos. Mostra ainda os equívocos do ceticismo no campo da moral.

Acerca do processo do conhecimento, reconhece três operações cognitivas: a dos sentidos, da razão inferior e da razão superior. E também três grupos de objetos a eles relacionados: as qualidades dos objetos, as leis da natureza, as verdades eternas.

Todo o conhecimento é realizado pela alma. Ela é superior ao corpo e não depende dele para nada, nem mesmo para a atividade sensitiva. A alma exerce a sensação através do corpo, recebendo dele os estímulos que transforma em conhecimento.

O conhecimento científico é obtido pela razão inferior, que se ocupa do mundo e produz as leis universais da natureza, pelo processo de abstração.

O conhecimento das verdades eternas é obtido pela razão superior, mediante a iluminação divina que atua na alma. Essa iluminação é uma espécie de luz incorpórea, pela qual Deus possibilita aos homens o conhecimento das verdades absolutas.

Agostinho não esclarece o que entende por verdades eternas. Segundo seus intérpretes, podem ser as verdades morais ou a verdade do juízo.





  1. A LINGUAGEM



A linguagem tem função puramente instrumental, enquanto serve para comunicar as idéias. O conhecimento, porém, não se faz através dela, mas através da captação do objeto pela alma, conforme os procedimentos do conhecimento.

As verdades da fé são comunicadas pela linguagem, mas o conhecimento delas vem do 'mestre interior', que se revela a cada um.

O princípio geral de Agostinho é que a verdade deve ser procurada no interior do homem, e assim a solução dos problemas filosóficos não deve ser procurada fora do homem, mas dentro dele. O próprio conhecimento de Deus deve ser buscado no interior do homem e não no mundo externo.



4.A METAFÍSICA AGOSTINIANA



a) DEUS

Para o conhecimento acerca do mundo, do homem e de Deus, Agostinho usa o princípio da interioridade, isto é, a verdade habita no interior do homem, não a busques fora, mas reflete sobre ti mesmo. Portanto, é fundamental o estudo sobre a alma, o retorno para dentro de si.

O conhecimento de Deus tem como ponto de partida o homem. Ele concorda que o mundo também apresenta elementos suficientes para afirmar Deus, mas esses indícios são mais fortes no homem: as verdades eternas, absolutas e necessárias presentes nele, das quais ele não é a fonte.

Até mesmo o mistério da trindade é estudado a partir do homem, no sentido de que todas as criaturas, mas especialmente o homem, têm vestígios da trindade.



b) MUNDO E TEMPO



Antes da conversão, Agostinho entendia o mundo como emanação de Deus (=Plotino), de forma inconsciente e involuntária. Através da Bíblia, ele compreendeu que o mundo é criação divina consciente e livre. De que modo Deus criou o mundo? Segundo os arquétipos existentes no Logos; por que? Porque as coisas são boas e não podiam permanecer no nada; quando: na eternidade ou no tempo? No tempo. O que é o tempo? É a duração de uma natureza finita, que não pode ser toda ao mesmo tempo e necessita de fases sucessivas para se completar. Daí o tempo dividir-se em passado, presente e futuro.

O vir-a-ser é o que distingue o tempo da eternidade. Esta é um presente que não passa. O tempo não existe fora de nós. O futuro e o passado existem na alma, assim como o presente. A alma é a responsável pela medição do tempo.

O tempo é o modo característico da natureza finita. Deus criou o mundo de uma só vez, para Ele é presente; mas o mundo, como natureza finita, necessita de uma existência sucessiva e contínua, isto é que faz o tempo, que não existe para Deus.

A sucessão de fases no desenvolvimento das coisas no tempo é o que Agostinho chama de potencialidades ou rationes seminales. Compara-se à semente de uma árvora, que já contém nela todas as potencialidades da árvore que vai se desenvolver, embora não se perceba.

Tal desenvolvimento, porém, não é necessário, obrigatorio, mas depende da atividade das criaturas. Por isso, o mundo é imperfeito e há a maldade, porque nem todas as potencialidades irão se desenvolver.



c) MAL E LIBERDADE



Como se explica o mal, num mundo bom criado por Deus? A questão do mal preocupa Agostinho desde quando ele era maniqueu. Obviamente, Deus não pode ser causa do mal.

Seguindo Plotino, Agostinho afirma que o mal é ausência ou falta do bem. “O mal é a privação de uma perfeição que a substância deveria ter”, não é uma realidade positiva, mas uma lacuna onde deveria haver o bem.

Ao criar as coisas, Deus coloca todas as condições de seu desenvolvimento, mas como há a necessidade da ação das criaturas e estas são imperfeitas, ocorrem falhas que geram o mal.

O mal se manifesta sob duas formas principais: sofrimento e culpa. “Quando um homem abandona o caminho do bem supremo e se volta para um bem particular, peca e nisso consiste o mal.” A causa última do mal, portanto, é o próprio homem.

Nenhuma coisa é ontologicamente má; então, o pecado não fazer coisas más, porém deixar de seguir (das as costas = aversio) o bem maior por um bem menor. A origem dessa aversão é o livre arbítrio. Daqui vem a culpa e desta, o sofrimento.

A liberdade é um bem, porque é a condição da moralidade e sem isso não haveria méritos.

Não seria melhor se Deus tivesse criado um mundo onde não existisse o mal? Agostinho diz que isso supõe saber mais do que Deus...

Então, o mal é necessário? Conforme Agostinho, não é necessário, mas é inevitável, por causa da condição humana de liberdade, na qual Deus não interfere. Mas para superar a fraqueza humana (decorrente do pecado original, que trouxe a introdução do mal para o mundo), Deus dá ao homem a sua graça.



d) NATUREZA DA ALMA: ESPIRITUAL E IMORTAL



O homem é essencialmente alma (=Platão).

A espiritualidade da alma é provada pelo conhecimento que ela tem de si própria, que não depende do corpo.

A imortalidade da alma é provada pela sua relação necessária com a verdade, da qual nada pode separá-la.

Problema que Agostinho não consegue resolver: a alma de Adão foi criada diretamente por Deus; mas as outras almas, como foram criadas? Ele diz que ninguém deve se envergonhar de ser ignorante.



e) TEOLOGIA DA HISTÓRIA



Esta é uma novidade introduzida por Agostinho na filosofia. Trata do assunto no seu livro Cidade de Deus (22 volumes).

A história é dividida em três grandes períodos: origem, passado e futuro. Cada um desses se relaciona com um mistério do cristianismo.

A origem da humanidade está ligada ao mistério da criação.

O passado da humanidade se relaciona com o pecado original e o mistério da redenção, esta entendida como o restabelecimento da ordem do bem.

O futuro da humanidade está relacionado com o juízo final: no fim dos tempos, a justiça será feita.

Trata ainda das relações entre Igreja e mundo, cidade celeste e cidade terrena. Cada um segue caminhos opostos; o sentido da história se esconde nesse dualismo, cujo centro é Cristo Rei.

CIDADE CELESTE – IGREJA – universo dos bons: anjos e santos

CIDADE TERRENA – MUNDO -universo dos males, pecadores e demônios.


Retorna à página do Curso de História da Filosofia

1