INSTITUTO DE CIÊNCIAS
RELIGIOSAS
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO À
FILOSOFIA
PROF: ANTONIO CARLOS
MACHADO
A FILOSOFIA COMO UM TIPO
DE CONHECIMENTO
Quando, em aulas de iniciação filosófica, se pede aos alunos que nos
relatem o que se lhes passa pela cabeça diante da pergunta “o que é filosofia”,
é frequente termos respostas como estas: 1. Filosofia é uma atitude de vida de
cada um; 2. Filosofia é a maneira subjetiva de ver a realidade; 3. Filosofia é
um conhecimento teórico e abstrato; 4. Filosofia é um conhecimento que não se
pode comprovar.
Certamente, estas respostas transmitem algo daquilo que, na história, se
chamou de filosofia, pois este conceito é veiculado às vezes de maneira confusa.
Por outro lado, isto também nos deixa ver como o conceito de filosofia não goza
da mesma precisão e univocidade de que goza entre os alunos o conceito de
ciência. Daí a necessidade de tentarmos elucidar o próprio conceito de filosofia
e podemos começar dizendo que a filosofia é um tipo de
conhecimento.
Em geral, as pessoas reconhecem a diferença entre o conhecimento do homem
do povo cheio de experiências de vida, mas que não estudou, e o conhecimento
daquele que estudou determinado assunto. A diferença é que o conhecimento do
homem do povo foi adquirido espontaneamente nas atividades cotidianas, sem muita
preocupação com o método, a crítica, sem sistematização, ao passo que o
conhecimento daquele que estudou algo foi obtido com esforço de leitura, usando
um método, uma crítica mais elaborada, uma organização dos conteúdos. Então,
costuma-se dizer que existem duas formas fundamentais de conhecimento: o vulgar
(‘vulgo’ significa povo) e o científico.
É bom tomarmos consciência de que mesmo em uma pessoa que estudou, a
maioria dos seus conhecimentos corresponde ao conhecimento vulgar. A pessoa pode
ter um saber científico naquele ou naqueles ramos em que ela se especializou.
Nos demais, costuma-se dizer que ela é leiga, é leiga naquele assunto. O que
isso significa? Significa que as noções
que ela tem sobre outros assuntos são conhecimento vulgar, isto é, obtido
espontaneamente sem preocupação com metodologia ou crítica. Portanto, mesmo os
grandes cientistas têm boa parte de suas vidas desenvolvidas no âmbito do
conhecimento vulgar.
Existe uma outra distinção que é importante fazer para chegarmos com
clareza ao conceito de filosofia. Desde a antiguidade, os filósofos eram
reconhecidos por não estudarem os números, como os matemáticos; nem os astros,
como os astrônomos; nem as doenças e métodos de cura, como os médicos; nem as
leis, como os advogados. Os filósofos se diziam preocupados com o todo, a
totalidade. Eles queriam saber a origem de tudo, o porquê de tudo, a finalidade
de tudo. Este conhecimento sobre o sentido da totalidade era chamado pelo nome
genérico de sabedoria, em grego,
“sophia”. Aquele que se dedicava a este estudo era chamado de sábio, ou mais
humildemente, amigo (em grego, “philos”) da sabedoria. Da junção desses dois
termos gregos nasceu a palavra “philosophia”, ou seja,
filosofia.
A filosofia era assim considerada entre os gregos, e depois também pelos
medievais, como um saber mais profundo, mais radical, mais completo, que devia
dar as respostas mais importantes sobre o sentido da vida humana e da realidade
2. O QUE SE ENTENDE POR
FILOSOFIA ATUALMENTE
A partir do Renascimento (séc. XVI), alguns estudiosos interessados em
explicar os fenômenos da natureza, batalharam para dar a este estudo um método
diverso da filosofia. Surgiram daí a ciência física (physis, em grego, natureza)
e o método experimental. Começou-se a distinguir dois tipos de conhecimento
científico: 1. Aquele que procura o sentido da totalidade, utilizando-se de
raciocínios (a filosofia); 2. Aquele que procura as leis da natureza,
utilizando-se do método experimental (a física).
Após o surgimento desse novo método, os filósofos e cientistas passaram a
discutir sobre qual seria o tipo de conhecimento mais adequado para satisfazer
as necessidades humanas, segundo-se daí o desenvolvimento de várias atitudes ou
concepções filosóficas e científicas. A partir daí, o termo ‘filosofia’ deixou
de ser unívoco, isto é, passou a ter diversos significados nos meios
intelectuais, que se dividiam em grupos teóricos:
1: aqueles que continuam
afirmando que a finalidade da filosofia é a interpretação da totalidade através
da razão, ou seja, o sentido mais tradicional da filosofia, que é defendido
pelos filósofos metafísicos;
2. aqueles que afirmam
ser tarefa da filosofia estudar o conhecimento humano, a fim de ver a sua
origem, sua estrutura, seu valor. Neste caso, a filosofia exerceria uma
atividade de crítica sobre as ciências, posição defendida pelos filósofos da
epistemologia;
3. aqueles que negam à
filosofia sua função metafísica ou epistemológica, reservando-lhe a simples
tarefa de sintetizar os conhecimentos obtidos pelas ciências. A filosofia seria
uma forma de organizar o conhecimento, não de produzir conhecimento, posição
esta defendida pelos filósofos positivistas;
4. aqueles que afirmam
ser função da filosofia pensar criticamente a totalidade, a fim de descobrir-lhe
o sentido mais radical, tendo como ponto de referência a historicidade humana
(filósofos dialéticos, a partir de Hegel).
Os pensadores metafísicos consideram a totalidade como algo fechado,
imutável e definitivo. Os pensadores dialéticos, ao contrário, entendem a
totalidade como algo em constante transformação. Para eles, a realidade como um
todo e o pensamento humano como parte dela têm uma estrutura histórica. Pensar
dialéticamente é pensar a realidade como um processo dinâmico, submetido à lei
da contradição, e descobrir-lhe as articulações
histórico-racionais.
Compete à filosofia a tarefa dessa reflexão crítico-dialética da
totalidade. O sentido da realidade não é estabelecido definitivamente (como
queriam os metafísicos), mas deve ser procurado na imanência desse processo e
sua procura sofre as vicissitudes do processo. Não existe a possibilidade de
fugir ao caráter histórico do saber. Assim sendo, a filosofia se coloca numa
atitude mais fundamental do que as ciências, enquanto assume a tarefa de pensar
a totalidade e de pensá-la radicalmente, isto é, sempre atenta a retomar todo
elemento de explicação para testar-lhe a validade. Cria-se, portanto, uma
dependência recíproca: a filosofia depende das ciências, e estas, da
filosofia.
A filosofia, num contexto dialético, pode continuar a ser entendida como
uma reflexão sobre a totalidade, à procura do seu sentido último, entendimento
consagrado pela tradição. “Totalidade” e “último”, porém, adquirem agora um
sentido completamente diferente daquele que têm na concepção
metafísica.
(Texto adaptado pelo
Prof. Antonio Carlos Machado, com base em “Caminhos da razão no ocidente”, de
Tiago Adão Lara, p. 11-17).
QUESTIONAMENTOS:
1.
De acordo com a sua
compreensão comum, o que você entende por filosofia?
2.
O que diferencia o
conhecimento vulgar do conhecimento científico?
3.
De que modo ocorre a
convivência desses dois conhecimentos na mesma pessoa?
4.
Qual a origem do nome
‘filosofia’?
5.
Que significa a filosofia
como ciência primeira?
6.
Que mudanças históricas
ocorreram com a filosofia a partir do Renascimento?
7.
Quais os principais
significados que a filosofia passou a ter após estes fatos?
8.
Qual a diferença entre o
modo de pensar metafísico e o dialético?
9.
O que são as articulações
histórico-racionais da realidade?
10.
Explique a dependência
recíproca entre a filosofia e as
ciências.