INSTITUTO DE CIÊNCIAS
RELIGIOSAS
DISCIPLINA: INTRODUÇÃO
À FILOSOFIA
PROFESSOR: ANTONIO
CARLOS MACHADO
Há um
conjunto de dificuldades que antecedem o estudo da filosofia. A primeira delas
diz respeito à própria expressão “introdução à filosofia”, pois, a rigor, não
tem sentido ingressar-se ou introduzir-se na filosofia como se a filosofia
fosse um recinto, um espaço físico fora do qual nos encontramos e no qual
podemos penetrar ou não, dependendo da nossa vontade. Como poderemos
compreender melhor depois, do mesmo modo que nunca estamos fora da história,
também nunca estamos fora da filosofia, sendo esta apenas a história procurando
tomar consciência do seu próprio sentido.
Como
poderíamos ingressar em um recinto no qual sempre nos encontramos e do qual
jamais poderíamos sair? E, no entanto, tudo se passa como se a maioria dos
seres humanos vivesse fora da filosofia, em um espaço exterior no qual a
filosofia não penetrasse. “A maioria dos homens não reflete sobre o que a eles
se apresenta e, mesmo quando instruídos, não compreendem, vivem na aparência”
(Heráclito, séc. V a.C.). Em relação ao filósofo, que representa a vigília, a
consciência despertada, a maioria das pessoas vive na inconsciência, comparável
a um sono constante. E na consciência de que a maior parte dos homens vive na
inconsciência, ou melhor, é inconsciente da própria inconsciência, reside a solidão e o sofrimento do filósofo.
Não se
trata, portanto, de uma introdução ou um ingresso em um recinto, mas de um emergir,
um despertar do sono para a vigília, da ignorância para o conhecimento, da
inconsciência para a consciência. Todas as pessoas, pelo simples fato de serem
humanas, estão sempre na história e, porque são humanas e estão na história,
estão também e sempre na filosofia; o que depende de nós é a tomada de
consciência de tal situação, pois ninguém pode ser obrigado a pensar, a
refletir, a espertar para a consciência. O pensar filosófico é o domínio da
liberdade e ninguém pode ser compelido a refletir, a não ser por um ato da
própria vontade.
A Segunda
dificuldade é precisamente esta. A maioria das pessoas não toma consciência de
que está na história e consequentemente na filosofia. As pessoas normalmente
vivem imersas na vida cotidiana, em função de hábitos, rotinas, idéias feitas,
reflexos condicionados, etc. Em suma, vivem sem pensar, sonambulicamente, como
se a reflexão, o pensamento fossem desnecessários ou supérfluos. Tal situação é
expressa no provérbio “primeiro viver, depois filosofar”.
Sem dúvida,
é possível viver sem filosofia, no sentido próprio da palavra, isto é, sem
refletir criticamente sobre a totalidade do mundo e da experiência humana. Os
animais também vivem sem pensar. Respiram, movem-se, alimentam-se, procriam,
mas não pensam. Quando se fala de vida propriamente humana, não se fala no
sentido biológico da vida puramente animal. Ora, se tal é o estatuto ontológico
da condição humana, como explicar que, geralmente, as pessoas vivem no plano da
vida imediata, irrefletida, inconsciente e não no plano da reflexão, do
pensamento, da consciência? Por que não se pensa? A explicação parece estar no
fato de que, desde o mundo helenístico-romano, os representantes da filosofia
pertenceram à classe dos senhores, daqueles que não precisavam trabalhar para
viver, aqueles que dispunham de lazeres suficientes para ler, estudar e
refletir. A filosofia tem-se apresentado como uma ocupação dos senhores que,
libertos das tarefas inferiores, podem dedicar-se ao trabalho intelectual, às
formas superiores da atividade do espírito, à reflexão, ao pensamento.
Cabe
observar, porém, que além dessa filosofia à qual os homens se mostram
indiferentes e à qual chegam mesmo a ser hostis, há uma outra, não explícita na
consciência reflexa, mas implícita nas crenças, nas idéias, nos usos e
costumes, nas instituições sociais, na linguagem. Em tudo aquilo que o homem
diz, em todos os juízos da realidade e de valor que constituem seu discurso
cotidiano, profissional, científico, técnico, há uma filosofia implícita. Não
há uma problemática específica a filosofia, podendo
qualquer tema, assunto ou problema tornar-se filosófico, desde que considerado
do ponto de vista da totalidade, da crítica radical.
O homem se
define pelo pensamento, no sentido de que só o homem é capaz de pensar. Quando
dizemos pensar, subentendemos que se trata do pensamento filosófico, que
procura pensar a totalidade, ou melhor, que procura pensar todas as coisas em
função da totalidade. Ora, nada é mais difícil de fazer do que pensar, nada
exige mais esforço e trabalho. O pensamento é o trabalho por excelência, do
qual todos os outros dependem, pois a ação plenamente consciente, ou seja,
consciente de seus fins e dos meios adequados à realização desses fins
pressupõe o pensamento, que deve orientá-la e dirigi-la. E essa ação, para ser
plenamente consciente, deve pressupor a consciência da totalidade em que se
inscreve e realiza, ou, em outras palavras, a consciência do momento histórico
em que se efetiva. E, como a consciência da história é a consciência filosófica,
segue-se que a ação plenamente consciente pressupõe a consciência filosófica.
Por todos
esses motivos, sempre se verificaram atitudes hostis em relação à filosofia.
Esta hostilidade se explicaria porque, em relação aos homens que vivem
absorvidos pelo cotidiano, a filosofia representa um desafio que se recusam a
aceitar. Ora, pelo simples fato de serem humanos, deveriam aceitar o desafio,
dispondo-se a pensar, aceitando os riscos implícitos da crítica radical.
Contudo, tomar consciência plena de si mesmo, reexaminar sua vida, questionar
tudo que tem feito, admitir a possibilidade de
condenar a si mesmo, criticar-se com a mesma severidade com que julgaria outra
pessoa, passar a viver de outra maneira, reformar sua conduta, são desafios que
não seduzem a maioria das pessoas.
Em face de
todas essas dificuldades, que deve fazer o filósofo? Conformar-se em ser uma
exceção? Desinteressar-se pela sorte dos que se desinteressam da filosofia?
Isto seria inútil, pois são estes os que governam a cidade, o país, e as
decisões que tomam afetam ou podem afetar o filósofo em suas condições de
trabalho e de vida. Se a vida do filósofo se torna difícil ou impossível na
cidade, único lugar em que pode viver, ele precisará,
além do saber, também do poder, pois só poder lhe permitirá reformar a cidade
de acordo com a razão e a justiça. Para poder ser filósofo, precisará também
ser político, para eliminar a violência e prosseguir com segurança na procura
da sabedoria, condição da felicidade.
Como
começar e por onde começar? Se todas as pessoas, apesar das dificuldades, podem
tornar-se filósofos(as) pelo simples fato de serem
humanos, o filósofo deverá ser o principal agente desta conversão, mesmo porque
conseguiu conscientizar-se primeiro que os demais. Se a maioria das pessoas
permanece indiferente em relação à filosofia, é porque a filosofia permanece
indiferente em relação a elas. Ou, em outras palavras, a filosofia não tem
sentido algum quando não se desdobrar em política, ética, pedagogia.
(Texto adaptado pelo Prof. Antonio Carlos Machado, a partir
da introdução do livro Introdução à Filosofia, de R. Corbisier, Ed. Civ. Brasileira,
pp. 53/71)
QUESTIONAMENTOS:
1.Por que nunca estamos fora da filosofia?
2.Que é viver na aparência?
3.Em que sentido o filósofo representa a vigília?
4.É possível viver sem filosofia?
5.Por que a maioria das pessoas não pensa?
6.Que significa e de que modo se manifesta a filosofia implícita?
7.Por que o pensamento é trabalho por excelência?
8.Qual a importância da consciência do momento histórico?
9.Como se explica a hostilidade em relação à filosofia?
10.Como deve comportar-se o filósofo diante das dificuldades?
11.Qual a tarefa concreta do filósofo na aplicação da filosofia?