Som devagar

Ouvia rindo o som que saía das máquinas desvairadas. Ele me tocava e eu o tocava, ele me traía e eu era fiel: um som único, sem silêncios falsos, som de rotina e de felicidade amor-trabalho. Ouvia o som como quem ouve uma bexiga sendo inflada, a bexiga vai explodir, sabe-se disso, ela aumenta, aumenta, aumenta, mas nunca explode, ficamos sempre no limite, na fronteira, Buchs/Vaduz, um pé em cada país, zona de ninguém, o som crescendo e acariciando.

O vagar do som é algo brutal, o vagar do som em se aproximar da explosão, poderia dizer buzinas? Gritos? "Olha o gás"? Sei lá, mas é um som-terra, som-asfalto, nada de elevado, nada de harmonioso, som periférico-central, som das crianças voltando da escola e falando palavrões.

A bexiga do som é vermelha, sebosa, passaram óleo nela.

Alguém me dê um tapa-ouvidos, por favor.


São Paulo, novembro de 2004.

© Gabriel Tavares
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