istoé,
outubro de 2004
Pano para saia
Rede Record tenta repetir
o sucesso global com uma nova versão de "A escrava Isaura"
Ivan Claudio
Entre
as duas mil peças do figurino de A escrava Isaura, novo folhetim da Rede Record,
com estréia prevista para a segunda-feira 18, às 18h45, as chamadas saia-balão,
com seu rodado de inúmeras pregas, são ao mesmo tempo motivo de orgulho e de
reclamação do elenco feminino.
Orgulho porque, se comparadas às peças usadas por Lucélia Santos na versão
global de 1976, as saias de Bianca Rinaldi – a ex-paquita escolhida pelo diretor
Herval Rossano para viver a escrava branca, educada na casa-grande – trazem um
rodado mais generoso e fiel à época enfocada pelo autor Bernardo Guimarães. No
esforço de criar um padrão Record de qualidade, o farfalhar dos linhos, cetins e
veludos é um signo a ser considerado. A parte do sacrifício diz respeito ao
desconforto em usar a vestimenta, que, somada às calçolas, saiotes e cintas,
chega a pesar 20 quilos. Para manter a estrutura em equilíbrio, é preciso enfiar
na cintura uma armação chamada crinolina. [Na foto, Bianca e o ator Gracindo,
preparando-se para a gravação]
Antigamente, explica o figurinista Cesar Dante, um dos inúmeros profissionais que
a Record desfalcou da Rede Globo, ela era feita de barbatana animal, bambus e
ferro. Agora, foi improvisada com fitas de aço, pesando entre três e quatro
quilos.
A armação permite que a saia se infle até um diâmetro de 1,20 metro. Imagine,
então, a dor de cabeça que tem sido para as atrizes lembrar o texto e passear
entre cadeiras, aparadores e prateleiras sem causar estrago na cenografia e na
banda sonora. Na sexta-feira 8, enquanto Bianca gravava, no estúdio M, na Barra
Funda, em São Paulo, a cena 34 do capítulo 21, o temido aconteceu. Não com a
protagonista, mas com Maria Ribeiro, que interpreta Malvina, a mulher do vilão
Leôncio, agora encarnado por Leopoldo Pacheco.
A cena se passa na cozinha da casa do comendador Almeida, vivido por Rubens
de Falco, o antigo vilão no folhetim global. Malvina se queixa a Isaura de que
Leôncio só tem olhos para a escrava. No embalo, ao se aproximar de uma cadeira,
seu lamento de sinhazinha é interrompido pelo ruído do móvel, jogado para longe
sob o peso dos frufrus. No segundo esbarrão, Maria pede a Rossano que mude a
marcação. “É foda puxar essa cadeira. Posso sentar antes, enquanto ela fala?”
Pedido atendido, mal sabia a atriz que o constrangimento aconteceria horas depois,
na cena em que agride com panelas e louças o marido Leôncio. Desta vez, um
paneleiro completo é que foi abaixo.
As quedas repentinas não causam nenhum sobressalto no tarimbado Herval Rossano,
também diretor da novela global, exibida em 79 países e durante muito tempo a
mais vendida da Rede Globo. Antes de cada cena, ele passa o texto com os atores e
– não se sabe se por experiência ou urgência na gravação – como um
enxadrista define as posições das quatro câmeras digitais Ikegami HD, o máximo
em tecnologia televisiva. “Câmera 4 ali, câmera 2 aqui, câmera 3 ali e
câmera 1 aqui”, ordena como general, antes de abandonar o estúdio e se dirigir
ao switcher, de onde comanda a equipe pelo ponto eletrônico.
Ele faz questão de lembrar que A escrava Isaura atual não difere da outra apenas
pela presença do artigo no título. “Esta é baseada exclusivamente no livro. A
outra era pouco livro e muito Gilberto Braga (autor do texto)”, explica. A
julgar pela avaliação que hoje faz do trabalho anterior, a refilmagem –
aventada no passado pela própria Rede Globo – não era só urgente, mas
necessária. “Não me lembro de Escrava Isaura. É a novela de que menos gosto,
prefiro Maria, Maria”, afirma Rossano, que, no entanto, está utilizando
Retirantes, de Dorival Caymmi, o mesmo tema usado pela Globo. “Ela não tem
qualidade. Usamos um equipamento inferior. Nos Estados Unidos, eles até
perguntaram se a noite brasileira era azul. Puro erro de fotometria.”
Segundo Rossano, além das melhorias técnicas – que fizeram cada capítulo
custar R$ 250 mil –, outras estão sendo postas em ação, especialmente em
relação ao estilo de interpretação. Mesmo assim, os atores tiveram dificuldade
em alguns diálogos mais castiços. Na cena em que é assediada pelo impulsivo
Henrique (Gabriel Gracindo), cunhado de Leôncio, Bianca trocou a palavra arroubo
por um “quase” palavrão, motivo de riso geral da equipe técnica. Experiente
ator teatral, Leopoldo Pacheco esbarrou várias vezes na fala em que repreende o
mesmo Henrique, flagrado roubando um beijo de Isaura. “Até parece um fauno, um
sátiro agarrando a ninfa”, disse, por fim, na cena de ciúme, que não fica em
nada a dever aos acessos do Leôncio do passado.
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