o
estado de s.paulo, 18 de outubro de 2004
A volta da Isaura, a sofredora
Geração atual precisa conhecer o romantismo de Bernardo Guimarães?
Especialistas respondem
Adriana Del Ré
Se “A Escrava Isaura”
encontrou sucesso retumbante no formato de novela, estrelada pela atriz Lucélia
Santos, em 1976, e hoje reestréia na telinha num remake atualizado, no qual a
Rede Record aposta todas as suas fichas, tudo se deve à obra original escrita por
Bernardo Guimarães, em 1875, e seus atrativos folhetinescos. É o que afirmam
críticos, professores e especialistas em Literatura Brasileira, em entrevista ao Estado.
A história da escrava branca, de bom coração,
bela, batalhadora, que sofre o diabo nas mãos do malfeitor Leôncio e luta por
seu amor verdadeiro, conseguiu atravessar gerações. Os literatos mais ortodoxos
têm lá suas ressalvas em relação ao valor desse romance e, de maneira geral, o
consideram como uma leitura agradável, descartável e de fácil digestão.
Segundo a professora de pós-graduação em
Literatura e Crítica Literária Maria Rosa Duarte de Oliveira, da Cogeae/PUC,
trata-se de uma estética bastante criticada, mas que fez com que Bernardo
Guimarães tivesse acesso às massas da população e justamente por isso fosse
aproveitado em novelas. “Guimarães foi esquecido pela crítica e recuperado
anos depois pela mídia. A novela resgata a habilidade de narrador do escritor, de
levar o leitor para dentro da narrativa, herança dos tempos em que ele ia às
casas e contava histórias, acompanhado de sua viola”, diz Maria Rosa.
Nascido em Ouro Preto, em 1825, Bernardo Guimarães
era um homem impregnado pelo estilo de vida urbano. Boêmio e desregrado, cursou
Direito no Largo São Francisco, em São Paulo, quando conheceu aqueles que se
tornariam seus amigos inseparáveis, Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa. Reza a
lenda que o trio tenha feito parte de uma sociedade secreta, a Sociedade
Epicuréia, tida a orgias, profanações de túmulos, entre outras práticas um
tanto quanto extravagantes. Nessa época, dedicava-se aos poemas agressivos,
sarcásticos e até pornográficos, como “O Elixir do Pajé” (esta sua
vertente, a de poeta, é considerada por muitos críticos melhor do que a
posterior, de ficcionista).
O escritor mineiro chegou a viver também no
interior, em Uberaba e Campo Belo, o que o despertou para as belas paisagens
rurais e levou essa fascinação para sua literatura. “Guimarães era conhecido
como sertanista: em vez de adotar o índio como representante de herói nacional,
a exemplo da maioria de autores do romantismo brasileiro, ele usa o homem do
interior”, descreve Adriano Silva dos Santos, professor de Língua Portuguesa do
Colégio Santa Maria.
Segundo Santos, Guimarães fazia parte de um grupo
de escritores que acreditava que a cidade recebia muitas influências externas e
que o interior era o verdadeiro Brasil. “Para ele, é importante a descrição
da natureza; mas, como em “A Escrava Isaura” o autor não conhece o Recife,
onde desenvolveu grande parte da história, teve de fazer um esforço criativo,
usar a imaginação, e caiu no exagero, na idealização. Na ocasião, o
estereótipo de beleza era a européia, por isso o leitor aceitaria melhor a
heroína branca do que uma escrava negra, essa é uma das explicações para o
fato de Isaura ser uma escrava branca.”
A questão do abolicionismo inserido ou não nessa
obra é ainda uma polêmica. Para o crítico literário e escritor Fábio Lucas,
“A Escrava Isaura” não está engajada no movimento antiescravocrata. “Seu
sucesso pode ser analisado sociologicamente: a marca da escravidão ainda não foi
apagada. Além disso, há a situação romântica diante do pragmatismo que
estamos mergulhados, traz poesia a relações.” Para o poeta e professor de
Literatura Frederico Beletti, por mais que se destaque “O Seminarista” como a
melhor obra de Bernardo Guimarães ficcionista, ele ainda aponta “A Escrava
Isaura” como a mais importante em termos de sucesso. “É uma história bem
contada, não podemos desprezar, seu grande interesse era discutir a questão
abolicionista.”
O livro “A Escrava Isaura” pode ser encontrado
nas livrarias em diferentes edições, das mais antigas, como as editadas em 78,
às mais recentes, como uma adaptação infanto-juvenil de 2002 editada pela
Scipione. Há outras edições, da FTD, Martin Claret, Ediouro, Moderna Editora,
Ática, entre outras, com preços que podem variar, em média, de R$ 7 a R$ 85. |