TRIBUNA DA IMPRENSA
DE 3 DE MARÇO DE 1998
O Artesão do Soneto
A
Tribuna BIS, suplemento literário do jornal carioca Tribuna da
Imprensa, publicou, na edição de 03.06.98, entrevista com o poeta
Alphonsus de Guimaraens Filho (na reprodução ao lado), que então estava
completando 80 anos de idade. Ao jornalista Ricardo Vieira Lima, Alphonsus falou,
entre outras coisas, sobre sua descendência de Bernardo Guimarães. Título da
entrevista: "O Artesão do Soneto". Abaixo, alguns trechos.
Tribuna BIS: O senhor vem de uma família
de poetas, escritores e advogados. Poderia falar um pouco sobre as raízes dos
Guimarães?
Alphonsus de Guimaraens Filho:
Tenho documentos que atestam que o fundador da família foi o poeta e político
João Joaquim da Silva Guimarães, pai do também poeta e romancista Bernardo
Guimarães, autor do clássico "A Escrava Isaura". João Joaquim viveu o
século XVIII e não deixou obra inédita. Quando organizei e publiquei as
"Poesias Completas" de Bernardo Guimarães pelo INL [Instituto Nacional
do Livro], em 1959, dei continuidade à tradição da família, no sentido de
preservar a memória literária dos Guimarães. Já o irmão de Bernardo, Joaquim
Caetano da Silva Guimarães, foi romancista, magistrado e ministro do antigo
Supremo Tribunal de Justiça. Minha avó, Francisca de Paula Guimarães Alvim, era
sobrinha de Bernardo. Casou-se com o comerciante Albino da Costa Guimarães, e
tiveram vários filhos, entre eles meu pai, Alphonsus de Guimaraens (Afonso
Henriques de Guimarães, na vida civil), poeta e juiz municipal, e Arcanjo ou
Archangelus de Guimaraens, também poeta, promotor de justiça, magistrado e,
posteriormente, auditor da Força Pública. Meu pai teve, ainda, dois primos
ligados às leis: Silva Guimarães e Antônio Augusto de Ataíde, juiz de direito.
Meu irmão João Alphonsus, além de notável contista e poeta bissexto, foi
também assessor jurídico do Procurador Geral do Estado de Minas Gerais. Meu
outro irmão, Gui, que hoje está com 84 anos, é advogado, e ainda exerce a
profissão. Eu mesmo não me furtei ao Direito: fui Subprocurador-Geral do
Tribunal de Contas da União. Meu filho Afonso Henriques Neto é poeta e bacharel
em Direito, embora não tenha chegado a trabalhar nessa área. Encontrou sua real
vocação como professor da Faculdade de Comunicação Federal Fluminense. Por
fim, meu neto, Francisco, filho de Afonso, já está estudando Direito.
Entre todos os membros da família
Guimarães, certamente o que mais lhe influenciou foi seu pai. Acredita que possa
ter herdado algo do "poeta do luar"?
Seguramente. Na verdade, meu pai influenciou todos
os seus descendentes e muitos outros poetas e escritores, parentes e
não-parentes. Basta dizer que foi o responsável, ao lado de Cruz e Sousa, pela
introdução da escola simbolista no Brasil. Você sabe que não cheguei a
conhecê-lo. Quando ele faleceu, vítima de um infarto agudo fulminante, eu tinha
acabado de completar 3 anos. Ele foi o grande ausente da família. Nosso convívio
foi subterrâneo, post-mortem. Meu interesse por sua vida e por sua obra
iniciou-se ainda na mina infância. Meu irmão João Alphonsus, que faleceu em
1944, chegou a escrever uma biografia de papai. Eu também o fiz: publiquei
"Alphonsus de Guimaraens no seu ambiente", há três anos.
Diversos críticos e estudiosos, em geral,
apontam uma temática obsessiva na poesia de seu pai: a perda da amada. Até que
ponto a morte de Constança pode ter influído na vida e na obra do poeta?
Esta é uma pergunta que deve ser
feita aos críticos e, ainda assim, quem, precisamente, poderá respondê-la?
Constança era filha de Bernardo Guimarães, e meu pai apaixonou-se por ela em sua
adolescência. Constança, no entanto, faleceria ainda muito moça, em 1888, aos
17 anos. Essa morte marcou meu pai profundamente. Levou-o a direcionar sua poesia,
empreendendo uma grave meditação sobre os segredos do amor e da morte, os quais,
com toda a certeza, são temas perenes. É preciso dizer, contudo, que sua vida
não acabou devido a essa tragédia: depois de Constança, meu pai teve muitas
namoradas, principalmente durante o período em que morou em São Paulo e, de
fato, o seu livro "Dona Mística" retrata vários desses amores. Por
outro lado, a presença de Constança foi, de certa forma, avassaladora. Os
principais sonetos amorosos de meu pai foram dedicados a ela, assim como um livro
inteiro: "Câmara Ardente", publicado em conjunto com "Setenário
das Dores de Nossa Senhora", num único volume, em 1899. Mas era preciso
seguir em frente, e meu pai teve a sorte de ter ao seu lado -- assim como eu
também tive e tenho em Hymirene, minha esposa -- uma grande companheira: minha
mãe, Zenaide. Foi uma mulher formidável. Compreensiva, carinhosa, ótima esposa
e mãe dedicada. E lidou muito bem com a presença permanente de Constança (Nota
da reportagem: o casal Guimarães teve 15 filhos, sendo a última uma menina, a
qual recebeu o nome da prima de Alphonsus, embora tenha falecido antes dos 2 anos.
Dois meses depois da morte da filha, morreria também o poeta). Em 13 de
dezembro de 1953, durante a inauguração, em Mariana, do mausoléu definitivo do
meu pai, erguido pelo então governador de Minas, Juscelino Kubitschek, ocorreu um
curioso incidente: um dos oradores, o poeta Augusto Frederico Schmidt,
perguntou-me, antes de pronunciar o seu discurso, se poderia falar de Constança,
já que a minha mãe estava presente. Eu lhe disse que não haveria problemas e,
de fato, não houve. Lembro-me apenas de um episódio no qual notei um certo
ciúme. Em 1955, ao organizar a 2ª edição das poesias de meu pai, perguntei a
mamãe se poderia incluir uma foto de Constança na parte iconográfica do livro.
Ao que ela me respondeu: "Precisa não, né, meu filho?" Naturalmente,
respeitei sua vontade.
O
parentesco dos Guimarães com os Guimaraens
|