© Ronald Kyrmse                           certur @ amonhen . com . br

Traduttore, Traditore

"Tradutor, traidor". Ou, em outras palavras, "poesia é aquilo que se perde na tradução"...
É por estas e semelhantes considerações que as traduções abaixo, de um dos meus poemas favoritos de O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien, devem ser contempladas com as ressalvas que são devidas a tão ingrato serviço.
Na primeira versão, tentei manter a métrica do original, mas, como o número de monossílabos em inglês é muito maior que em português, necessariamente perderam-se algumas palavras -- espero que não as mais vitais. A segunda versão tenta manter o sentido pleno do texto em inglês, até com o acréscimo de algumas palavras "para encher espaço", mas desta vez em uma métrica para a qual tenho uma relativa facilidade -- os versos decassílabos, ou her&ooacute;icos, que Camões já usou nos Lusíadas. O próprio esquema das rimas em cada grupo de oito versos -- abababcc -- é o mesmo daquela obra épica (não que eu arrogue à minha modesta tradução o mínimo caráter épico!).
Aí vão, então, as duas alternativas, como sugestão para quem for melhor tradutor e melhor poeta -- nai elen siluva lúmenn' omentielvo!

Setembro / 1989
Acrescentei, para comparação, a tradução de I Sit Beside the Fire feita por Almiro Pisetta para a versão brasileira de 1994 d'O Senhor dos Anéis. Almiro fez seu trabalho sem conhecer o meu.
Setembro / 2001

J. R. R. Tolkien Almiro Pisetta
I sit beside the fire and think
  of all that I have seen,
of meadow-flowers and butterflies
   in summers that have been;

Of yellow leaves and gossamer
   in autumns that there were,
with morning mist and silver sun
   and wind upon my hair.

I sit beside the fire and think
   of how the world will be
when winter comes without a spring
   that I shall ever see.

For still there are so many things
   that I have never seen:
in every wood in every spring
   there is a different green.

I sit beside the fire and think
   of people long ago,
and people who will see a world
   that I shall never know.

But all the while I sit and think
   of times there were before,
I listen for returning feet
   and voices at the door.

Sentado ao pé do fogo eu penso
   em tudo o que já vi,
flores do prado e borboletas,
   verões que já vivi;

As teias e as folhas amarelas
   de outonos de outros dias,
com névoa e sol pela manhã,
   no rosto as auras frias.

Sentado ao pé do fogo eu penso
   no mundo que há de ser
com inverno sem primavera
   que um dia hei de ver.

Porque há tanta coisa ainda
   que nunca vi de frente;
em cada bosque, em cada fonte
   há um verde diferente.

Sentado ao pé do fogo eu penso
   em gente que se desfez,
e em gente que vai ver o mundo
   que não verei de vez.

Mas enquanto sentado penso
   em tanta coisa morta,
atento espero pés voltando
   e vozes junto à porta.


Ronald Kyrmse (I) Ronald Kyrmse (II)
Sentado junto ao fogo eu penso
   em tudo que já vi,
em cores e em flores
   do verão que já vivi;

Em folhas amarelas
   do outono, já sem vê-lo,
com brumas e de prata um sol
   e vento em meu cabelo.

Sentado junto ao fogo eu penso
   no mundo, se vier
o inverno sem a primavera
   que eu haja de viver.

Pois tanta coisa que existe
   eu nunca tive à frente:
em cada bosque, em cada fonte
   o verde é diferente.

Sentado junto ao fogo eu penso
   em gente que passei,
e gente que verá um mundo
   que nunca eu verei.

Mas lá, sentado a pensar
   na era que está morta,
escuto passos que retornam
   e vozes junto à porta.

Sentado junto ao fogo, posso vê-las,
   as coisas todas que já contemplei,
do prado as flores, borboletas belas
   de todos os verões que presenciei;

Teias de aranha, folhas amarelas
   de outonos que passaram e lembrei,
com sol de prata lá no firmamento
   e brumas da manhã, cabelo ao vento.

Sentado junto ao fogo, vejo a era
   do mundo que há de ser futuramente
se vier inverno sem vir primavera
   que eu chegue a viver, pois certamente

Há tantas coisas belas à espera
   que nunca me passaram pela frente:
em cada bosque ou fonte está disperso
   um verde cujo tom é bem diverso.

Sentado junto ao fogo, vem memória
   de gente do passado bem distante;
outros verão do mundo a história
   que do meu tempo está muito adiante.

Mas sempre que recordo a merencória
   passada era, excuto expectante
os passos que retornam para mim
   e vozes a soar à porta, enfim.



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