Uma Introdução À Geologia
A
palavra geologia foi criada em
1778 pelo suíço J.A. deLuc.
À medida que o seu uso se foi tornando mais comum, passou a abranger
cada vez mais temas das Ciências da Terra: primeiro a Mineralogia,
a Cristalografia, a Estratigrafia e a Petrologia,
depois a Paleontologia, a
Geomorfologia,
a Cartografia e a génese dos JazigosMinerais,
finalmente a Geologia Estrutural, a Geoquímica, a
Geofísica,
a Sedimentologia, a génese dos Carvões e do
Petróleo, a
Petrologia Orgânica, etc. etc.
Alguns
– e só alguns – destes assuntos são temas da disciplina
de Geologia do 12ºAno.
E,
para sossego das massas estudantis, serão tratados, frequentemente,
de forma apenas sumária...
É,
no entanto, fundamental ao estudante de
introdução à Geologia a capacidade de estabelecer
perspectivas
e pontos de ancoragem individuais para a aprendizagem da disciplina,
e, sobretudo, disponibilidade intelectual
para a construção de uma visão
geológica do mundo.
Como
estratégia pedagógica, há que introduzir a Geologia
através de referências históricas, já que o
conhecimento da História de uma Ciência abre as portas à
percepção da sua realidade actual.
Assim,
é consensualmente aceite que a Geologia “moderna” teve o seu impulso
fundador com o advento da Revolução Industrial e o aumento
brutal da procura de recursos minerais (carvão, ferro, cobre, chumbo,
etc.)
Beneficiando
dos trabalhos pioneiros e seminais de Hutton e Lyell(1),
encontrando na Grã-Bretanha do séc. XIX um terreno propício
ao fomento do trabalho científico, a Geologia
liberta-se de conceitos redutores como a cronologia bíblica, os
dogmas da Igreja ou o Neptunismo(2).
James
Hutton (1726-1797), geólogo escocês precursor na compreensão
dos processos cíclicos que regem a dinâmica do nosso planeta
– “...we find no vestige of a beginning, no prospect of an end...”
– propôs uma origem plutónica(3)
para as grandes massas rochosas graníticas e atribuiu ao calor interno
do planeta os fenómenos de levantamento das cordilheiras montanhosas,
os quais se viriam a repetir, inexoravelmente, desde o início dos
tempos: a máquina do mundo.
Charles
Lyell (1797-1875), também escocês, publicou o primeiro
verdadeiro tratado de Geologia, Principles of Geology, onde explanou
o seu Princípio das Causas Actuais
e definiu o conceito de Uniformitarismo: um complexo conjunto de
ideias centradas na noção de que causas actuais,
correntes e observáveis, actuando a intensidade reduzida e ao longo
de grandes intervalos de tempo produziriam todos os efeitos, acontecimentos
e modificações da História da Terra, através
de incrementos pequenos e graduais detectáveis nos fenómenos
naturais, ao longo da imensidão do tempo geológico.
Em
termos práticos, a primeira contribuição do uniformitarismo
foi a explicação dos mecanismos de erosão fluvial,
em contraponto à teoria então dominante de que os leitos
dos rios não teriam sofrido modificações desde o Dilúvio.
Mais
do que a máquina do mundo de Hutton – funcionando
em ciclos constantes de erosão das rochas continentais, deposição
de espessas sequências de sedimentos nos fundos oceânicos,
aquecimento e fusão desses sedimentos pelo calor subterrâneo,
arrefecimento e formação de rochas que se dilatavam, elevavam
e fracturavam a crusta, criando novos continentes por sua vez erodidos,
etc, etc. – Lyell contrariava o status
quo científico de então, que era basicamente Catastrofista
e interpretava o mundo que nos rodeia como tendo resultado da ocorrência
de catástrofes (inundações, sismos, avalanchas, erupções
vulcânicas, maremotos), que dariam forma à paisagem e seriam
responsáveis pelo desaparecimento de espécies animais e vegetais.
Na
época, segundo Hutton, o mar e a terra poderiam “trocar de lugar”,
que o mundo permaneceria globalmente o mesmo, pois “ Deus fez outrora um
começo e ordenará sem dúvida um fim, mas essas são
questões que escapam ao alcance da Ciência. Enquanto geólogos,
apenas podemos inferir os ciclos da máquina do mundo.”
A
natureza de Deus, o criador, sempre foi entendida
como profundamente catastrofista... e assim o uniformitarismo foi questionado
desde o seu início por cientistas influentes como Louis Agassiz(4)
ou Georges Cuvier(5) que explicavam muitas das estruturas geológicas
evidentes na superfície terrestre através de acontecimentos
bruscos, radicais e cataclísmicos, espaçados entre si por
muitas centenas ou milhares de anos.
Nesses
tempos de polémica, William Whewell, filósofo da Ciência
inglês, escreveu em 1832:
“Tenham
sido as mudanças geológicas, a longo termo, uniformes na
sua intensidade, ou tenham consistido em épocas de acção
catastrófica e paroxística espaçadas por períodos
de tranquilidade, a verdade é que estas duas opiniões dividirão
o mundo geológico em duas seitas, que poderão ser designadas
por Uniformitaristas e Catastrofistas.”
Este
debate uniformitarismo/catastrofismo resolveu-se a favor do uniformitarismo
à medida que fenómenos como a meteorização,
a alteração química das rochas, a erosão, a
dinâmica das bacias de sedimentação ou a diferenciação
magmática foram sendo melhor ou
quase completamente compreendidos.
No
entanto outros acontecimentos geológicos, como as scablands(6)
do Dakota, nos Estados Unidos, as Deccan Traps(7) na Índia,
algumas extinções em massa ou certas oscilações
no nível médio das águas dos oceanos, por exemplo,
nunca puderam ser facilmente explicadas através duma doutrina uniformitarista.
Nos
anos 50, a teoria da Deriva Continental e a Tectónica
de Placas provocaram uma revolução paradigmática
no cerne da Geologia como Ciência.
Antes
da tectónica de placas não existia um modelo unificador (dir-se-ia,
uniformizador...)
para todos os fenómenos geológicos e por isso o novo paradigma(8)
serviu como o argumento final e irrefutável a favor da visão
uniformitarista: gigantescas placas litosféricas deslizando sobre
uma camada plástica do manto terrestre, lenta e gradualmente afastando-se
ou aproximando-se umas das outras, crescendo ou destruindo-se a uma velocidade
média semelhante à do crescimento das nossas unhas... certamente
que seria difícil encontrar processos mais graduais e uniformes
que estes! Além disso, à luz da deriva continental, passou
a ser possível interpretar tudo: da formação
de montanhas à origem dos diamantes, das idades dos oceanos à
evolução dos mamíferos,
das ilhas do Havai ao granito do Porto. Conforme escreveu o paleontólogo
e biólogo da Evolução Stephen Jay Gould em 1993, “...
antes da Tectónica de Placas não havia em parte alguma da
Geologia um deus discernível: apenas pormenores.”
Com
a Tectónica de Placas, a Geologia encontrou um conjunto sólido
de conceitos que resolveram muitas das questões levantadas nos últimos
300 anos da História da Humanidade e abriram infinitas perspectivas
de investigação científica na área das Ciências
da Terra e da Vida.
E
no entanto, a última dezena e meia de anos trouxe a público
trabalhos de pesquisa que apontam para uma explicação catastrófica
de eventos importantes na História
da Terra: as extinções em massa do Devónico(9), do
Pérmico(10) e do Cretácico(11), o fim da última glaciação,
os mantos de lava siberianos, os ritmos climatológicos, só
para citar alguns, têm levado parte da comunidade científica
a considerar a Geodinâmica, numa perspectiva integrada dos
conhecimentos, como uma sucessão normalmente cíclica de
fenómenos graduais e uniformes ao
longo da História geológica, mas onde pontuam momentos
determinantes de índole catastrófica.
Em
resumo, é a síntese das interpretações
uniformitaristas e catastrofistas sobre a geodinâmica que dá
a resposta adequada e eficaz a todos os desafios levantados pelas Geociências.
Aliás,
nunca como no final deste século XX a Geologia constituiu um campo
tão claro e convidativo para uma aprendizagem construtiva, fascinante
e recompensadora.
(Espinho,
2000)
(5)
Cuvier, Georges (1769-1832) – Cientista francês vulgarmente referido
como o fundador da Paleontologia dos Vertebrados.
O seu trabalho baseou-se num processo de correlações a partir
de fragmentos de ossos fósseis, o qual permitiu estabelecer que
os fósseis de animais representavam indivíduos pertencentes
a espécies já extintas mas relacionadas com as espécies
actuais. Sugeriu que os fósseis poderiam servir para estabelecer
a idade dos estratos rochosos que os contêm. Foi um acérrimo
defensor do Catastrofismo como causa da extinção das espécies.
(6)
Scablands
-Graaandes canais de condução
de torrentes glaciárias escavados no substrato rochoso, típicos
do NW dos Estados Unidos, com orientação paralela e subparalela
uns aos outros. De génese ainda
envolta em polémica, supõe-se terem sido originados por inundações
catastróficas provocadas por um brusco degelo glaciar num espaço
de tempo extremamente curto, mesmo à escala humana.
(7)
Deccan
Traps – Grandes mantos basálticos que cobrem extensa área
do planalto do Decão, na Índia. Presume-se terem resultado
de um único episódio vulcânico de enormes proporções,
datado do final do Cretácico (ver abaixo).
(8)
Paradigma (s.m.) – Algo que serve como um
exemplo ou modelo.
(9)
Devónico – Período da História da Terra, de idade
compreendida entre –395 e –345 milhões de anos. Durante o Devónico
os peixes evoluíram consideravelmente, surgiram os primeiros insectos
e as primeiras plantas de grande porte, os fetos arbóreos, colonizaram
áreas continentais.
10)
Pérmico – Período da História da Terra, de idade compreendida
entre –280 e –225 milhões de anos. O Pérmico foi o
Período final da Era Paleozóica e caracterizou-se
pela a maior de todas as extinções em massa de que há
evidências no registo fóssil.
(11)
Cretácico – Período da História da Terra, de idade
compreendida entre -136 e –65 milhões de anos. O seu final é
marcado pela extinção dos
dinossáurios e de moluscos marinhos como as Amonites. Corresponde
ao limite superior da Era Mesozóica.