APRESENTAÇÃO

O ano de 2007 está inexoravelmente cruzado pelo balanço de dois grandes fatos históricos. Um gigantesco triunfo do proletariado mundial e uma aplastante tragédia para a vanguarda revolucionária. Trata-se dos noventa anos da vitória da Revolução Bolchevique na Rússia e dos quarenta anos do assassinato de Che Guevara nas selvas bolivianas. Esta edição de Marxismo Revolucionário está dedicada centralmente a debruçar uma profunda análise teórica sobre estes dois temas tão relevantes para a luta socialista em uma época marcada por drásticos retrocessos na consciência e organização política da classe operária mundial.

Mas as comemorações do aniversário dos 90 anos da instauração do poder soviético paradoxalmente já não encontrarão de pé o Estado operário fundado por Lenin e Trotsky, a URSS não existe mais, apesar de ter demonstrado toda a superioridade de seu regime social sobre o conjunto das economias capitalistas do planeta, inclusive as imperialistas, durante os mais de 70 anos de sua existência. A Revolução de Outubro que mudou o curso da humanidade, materializando historicamente a teoria científica de Marx e Engels, acabou por sucumbir pelos golpes da contra-revolução, o que em nada subtraiu a vigência do socialismo como alternativa a atual barbárie humana vivenciada em todos os terrenos do conhecimento.

Ironicamente as mesmas correntes políticas e “personalidades” de esquerda que neste ano não se cansam de “festejar” os 90 anos da Revolução Russa, promovendo seminários, debates etc... foram as mesmas que saudaram entusiasticamente a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS. Para estes senhores a URSS teria se transformado em uma “ditadura stalinista” merecendo o “justo ódio dos trabalhadores em todo o mundo”. Não seria exagerado afirmar que para estes “teóricos” a URSS já teria se convertido ao capitalismo bem antes mesmo da renúncia de Gorbachev (mais precisamente à época da Perestroika) e a ascensão de Boris Yeltsin no comando da dissolução da URSS.

Para que os genuínos marxistas possam compreender que legado reivindicar da ex-URSS como herança legítima de Outubro, é necessário estabelecer se as bases da sua economia permaneciam crivadas pelo eixo da Revolução Bolchevique ou, pelo contrário, já estavam voltadas à acumulação capitalista de uma classe dominante autóctone. Trotsky, inimigo visceral da burocracia stalinista ao definir a URSS em pleno período termidoriano, considerava que as bases socialistas da economia asseguravam o caráter de classe operário de seu Estado, apesar das gigantescas deformações na esfera do planejamento econômico e da gestão estatal burocrática. Podemos afirmar, com absoluta segurança teórica, que estas bases econômicas socialistas, embora ameaçadas cada vez mais, permaneceram até o último dia de existência da URSS, ou seja, até agosto de 1991.Como contraponto ao caráter de classe da velha URSS stalinista, podemos aferir o que ocorre hoje na China convertida ao capitalismo, as alavancas fundamentais de sua economia socialista foram todas suprimidas pela camarilha restauracionista, quais sejam definidas pelo próprio Trotsky: o monopólio do comércio exterior, o planejamento central sem a inferência do mercado e a abolição do direito de propriedade e herança. O PC chinês que realizou recentemente seu 17º congresso ratificou esta vereda restauracionista, preparando a transição definitiva para a criação de uma nova burguesia nacional.

Portanto, o colapso da URSS não se deveu à “inferioridade” de seu modo de produção socialista frente ao capitalismo e suas “liberdades” de mercado, como querem nos fazer crer os intelectuais da academia pequeno-burguesa, acompanhados pelos revisionistas pablistas. A crise terminal da URSS foi produto direto da orientação política contra-revolucionária da casta dominante, isto é, da colaboração de classes em nível mundial e do isolamento da revolução socialista de Outubro.

Esta mesma estratégia contra-revolucionária, imposta pelo stalinismo, conduziu também ao isolamento da Revolução Cubana e a conseqüente adoção de uma ação heróica, mas equivocada por parte do dirigente comunista Ernesto “Che” Guevara, custando-lhe a própria vida. Ao perceber que Moscou procurava a todo custo estrangular a revolução latino-americana, Che partiu para uma “aventura” guerrilheira na Bolívia, uma atitude empírica e podemos dizer até mesmo de desespero frente ao curso liquidacionista assumido pela ampla maioria do PC cubano. A ausência de um programa revolucionário não pode ser compensado com nenhum outro elemento político e a trágica experiência de Che no desenvolvimento do “foco” revolucionário confirmou esta implacável lei histórica. Mas assim como as deformações da ex-URSS não arrancaram seu caráter estatal proletário e os próprios traços oriundos da Revolução de Outubro também as limitações programáticas de “Che” não podem ocultar seu legado de internacionalismo e defensismo das bases socialistas da pequena ilha caribenha, que ele próprio ajudou a construir.

Na atualidade, não por coincidência, o imperialismo e sua mídia corrompida lançam-se em uma campanha furiosa contra o “tiranismo soviético” e o “sanguinário guerrilheiro cubano”. Estão temerosos que diante da crise mundial, a ofensiva imperialista iniciada ferozmente após a queda da URSS sofra algum revés revolucionário. Por outro lado, a esquerda reformista tenta nos apresentar como paradigma da luta contra o imperialismo o velho nacionalismo burguês, agora recauchutado como “Socialismo do Século XXI”. Para nós que fazemos a revista Marxismo Revolucionário a afirmação da vigência dos ideais da Revolução Bolchevique não pode ser um exercício de retórica acadêmica em eventos festivos, assim como defender a memória de “Che” não pode ser confundida com a “glamorização” de seu personagem histórico. Demarcar e delimitar erros e equívocos, e até mesmo a denúncia de traições de classe, é uma tarefa que se impõe na práxis revolucionária cotidiana, forjando uma nova vanguarda leninista bolchevique, alheia às “pressões” democratizantes da “opinião pública” completamente oposta aos interesses históricos da classe operária.

Os Editores,
Outubro/2007.


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