Apresentação


 

A revista Marxismo Revolucionário (MR) aborda nesta edição especial dois fatos históricos, que apesar da assimetria de suas dimensões para a luta de classes, estão politicamente relacionados na questão fundamental da construção do partido revolucionário. O balanço da trajetória política do dirigente “trotskista” Nahuel Moreno, assim como as lições programáticas abstraídas ao se completar os noventa anos da Revolução de Fevereiro fazem parte de um mesmo esforço militante teórico para conduzir a superação política da atual ausência de uma direção revolucionária para o proletariado mundial. Para nós do Conselho Editorial de MR esta não é uma questão de mera investigação acadêmica ou do prestígio intelectual, ao contrário, é o ponto fulcral de uma vigorosa luta política no sentido de resgatar os princípios da teoria leninista do partido e colocá-la a serviço da revolução socialista mundial.

Há exatos vinte anos da morte de Moreno, o morenismo em suas mais variadas expressões políticas resolveu desenterrar o “cadáver exorcizado” e reabilitá-lo como uma tentativa de ocupar o profundo vazio ideológico de suas múltiplas correntes. À exceção do CITO, hoje LSI, todas as tendências morenistas, incluindo a LIT, flertaram ao longo destes vinte anos um abandono parcial do legado do velho mestre. Subitamente iniciaram uma inflexão inversa, possibilitando inclusive uma “unidade de ação” em atos públicos para reverenciar a figura de Moreno em seu vigésimo aniversário de falecimento. Convidada objetivamente a participar deste debate, acerca da herança política deixada por Moreno, nós que fazemos a MR não nos furtamos desta tarefa e lançamos nossa modesta contribuição, por entendermos que, acima de qualquer divergência programática, somos honestos em reconhecer que a vida de Moreno esteve voltada ao objetivo da construção da internacional trotskista, embora suas posições sempre apontassem no sentido do revisionismo e do oportunismo político.

Não poucos detratores do trotskismo identificam na pulverização política das correntes morenistas, uma analogia mecânica a fragmentação que foi exposta a Quarta Internacional a partir da grande crise de 1953, provocada pelo pablismo. Em uma análise superficial poderia se concluir que os filamentos morenistas atuam em campos políticos tão opostos, como, por exemplo, a LOI (DO) e o MST (ambos produtos do estilhaçamento do velho MAS), que assim como o trotskismo existe “espaço” para as mais diversas compreensões políticas e leituras teóricas sem que rompam com a formalidade de pertencerem a uma mesma filiação “revolucionária”. Afinal de contas o que poderia a ver politicamente em comum entre correntes como a de Alan Woods ou Pierre Lambert com a LBI brasileira, por exemplo. A reposta é contundente, absolutamente nada, a não ser o fato da formalidade recíproca da nomenclatura “trotskista”. Mas no terreno do morenismo a questão coloca-se de forma completamente distinta ao que ocorre com o movimento trotskista internacional. Por mais díspares que sejam as posições do estuário morenista, como as do POS mexicano, UIT, MST e LIT em oposição às da LOI (DO), LSI, PST colombiano e PTS, só para ficarmos em alguns exemplos, todas estas e as demais que não foram citadas têm em comum o registro teórico e político da stalinofobia, ou seja, a recusa programática da defesa incondicional das bases sociais dos Estados operários, como também o pânico pequeno-burguês em estabelecer a unidade de ação com a burocracia termidoriana diante da ameaça da restauração capitalista. O morenismo, em seu conjunto, carrega este timbre, desde a ocupação soviética do Afeganistão em 1979 até a crise da energia atômica com a Coréia do Norte nos dias de hoje. Ao contrário das correntes que se reivindicam trotskistas que não possuem a menor identidade sobre o que podemos conceituar como a “questão soviética”, o conjunto do espólio morenista detém um absoluto monolitismo acerca da questão defensista, que nas próprias palavras de Trotsky é o elemento central do arcabouço programático da Quarta Internacional. Coerentes com este traço “genético” em comum da “extrema esquerda” do morenismo (LOI-DO) até o seu “pólo mais direitista” (MST argentino) consideram que estava se gestando no interior da antiga URSS, no final da década de 80, uma “revolução política” ou nos termos “teóricos” do morenismo um “imenso fevereiro democrático”. A realidade mostrou, o que estava na fervura da URSS era a contra-revolução capitalista, que acabou por destruir as conquistas sociais da Revolução de Outubro, instaurando uma nova correlação de forças em nível mundial, bastante favorável à ofensiva imperialista ianque contra todos os povos do planeta. “Perdidos” teoricamente até hoje, a grande família morenista não sabe exatamente o que deu errado em seus “prognósticos revolucionários” para o Leste Europeu, afirmam que faltou uma direção operária, mas como poderia se construir uma direção socialista para uma contra-revolução restauracionista? Os morenistas em uníssono seguem vendo revoluções espontâneas em cada quadrante do universo e assim justificam sua multifacetária plataforma política, abarcando desde do ultra-esquerdismo sectário até o mais puro oportunismo político. Por este profundo “elo” stalinofóbio em comum não seria exagero caracterizar as correntes morenistas como uma mesma variante do pablismo, reciclado com o componente “social-democrata” hegemônico no movimento operário a partir da ascensão do chamado “eurocomunismo”. Foi exatamente a aproximação, ou melhor dizendo, a subordinação política destes setores do movimento trotskista à social-democracia européia que os “contaminou” por osmose política da enfermidade da stalinofobia, do qual Moreno e o “morenismo” seguem como legítimos representantes, uma espécie de revisionismo antidefensista anacrônico dos nossos dias.

Às vésperas das comemorações dos noventa anos da revolução socialista de Outubro na Rússia faz-se necessário decantar todos os aspectos do processo político que culminou com a tomada do poder pelos sovietes dirigidos pelo Partido Bolchevique, para que possamos postular a nova geração, forjar novos Outubros vermelhos. Neste sentido, o rigoroso estudo marxista sob a abrupta queda da secular monarquia czarista, conhecida como Revolução de Fevereiro, coloca-se como condição sine qua non para que não se “confunda” um período político de interregno com uma etapa histórica ou uma tática episódica com a estratégia permanente. A destruição contra-revolucionária da URSS reforçou em muito as tentativas reformistas de apagar definitivamente da história a possibilidade do assalto do poder pela classe operária. Agora, para os reformistas, o objetivo terminal passou a ser as “revoluções de fevereiro”, ou seja, o desembarque final em um regime democrático. Para estes senhores a luta de classes deve ser substituída pela conquista da cidadania e a demolição violenta do Estado burguês trocada pelo aperfeiçoamento do estado de direito e suas instituições representativas. Nesta cruzada contam com o apoio dos revisionistas do trotskismo que querem nos fazer crer que a “revolução democrática” estancada no ar por um longo período histórico levará invariavelmente ao socialismo, sem a existência de organismos de poder da classe operária e tampouco a presença de um partido revolucionário com influência de massas. A inconsistência teórica desta “tese” só encontra seu paralelo na política ultra-oportunista dos revisionistas como Moreno, por exemplo, que chegou ao absurdo de considerar a distensão política do regime militar brasileiro, batizada de “abertura lenta, segura e gradual” pelo general Goubery como “os primeiros sinais da revolução democrática no Brasil”.

Com a elaboração do artigo “90 anos da Revolução de Fevereiro, apenas o anúncio da tomada do poder pelo proletariado”, MR pretende jogar luz sobre este debate, polemizando com Moreno (e os morenistas de todas as colorações), que em seus últimos anos de vida dedicou-se centralmente a difusão da tese revisionista das “Revoluções de Fevereiro” em oposição frontal à teoria da Revolução Permanente e à estratégia soviética da conquista do poder proletário. Esperamos que nossos leitores e simpatizantes adentrem ativamente nesta ácida polêmica como método de elevação da consciência política de uma nova vanguarda classista e revolucionária.

Os Editores.
Fevereiro de 2007.


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