HÁ 40 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964 O recrudescimento da repressão política a serviço da acumulação capitalista
Artigo extraído da brochura lançada pela LBI por ocasião dos 40 anos do golpe militar no Brasil
A TEORIA ETAPISTA DA REVOLUÇÃO NO BRASIL
Em 1º de abril de 1964 foi desencadeado o golpe contra-revolucionário, urdido pela CIA, que instaurou o sangrento regime da ditadura militar para conter o ascenso da luta de classes do proletariado e dos camponeses através da repressão política, oferecendo ao imperialismo e à burguesia nacional condições excepcionalmente favoráveis para intensificar a exploração capitalista sobre os trabalhadores brasileiros. Com a infame desculpa de que preferia evitar o derramamento de sangue, o chefe do nacionalismo reformista, João Goulart, exilou-se no Uruguai, não esboçando a menor reação ao golpe. Seguindo suas lideranças, que orientavam a depositar confiança na burguesia nacionalista e em suas promessas de reformas, os trabalhadores sofreram uma profunda derrota política. A causa dessa derrota histórica está diretamente ligada à política stalinista do Partido Comunista do Brasil (PCB), que até 1964 dirigia as lutas do proletariado brasileiro. Entre 1960 e 1964, o Partido Comunista chegou a contar com cerca de 50.000 militantes em todo o país. Em São Paulo, influía decisivamente sobre vários sindicatos, entre eles, metalúrgicos, têxteis, químicos, marceneiros, gráficos, vidreiros, panificadores, bancários, jornalistas e ferroviários. Essa influência se estendia a importantes municípios do interior paulista, como Santos, onde dominava o sindicato dos portuários; controlava os metalúrgicos na região do ABCD, têxteis e metalúrgicos em Jundiaí, além de Sorocaba, Campinas e outras cidades. No Estado do Rio de Janeiro, os stalinistas lideravam os trabalhadores dos ramos de transporte ferroviários, estaleiros navais, petrolíferos, metalúrgicos e trabalhadores rurais das usinas de açúcar. Na Guanabara, estavam nos sindicatos de transportes marítimos, estivadores, ferroviários, metalúrgicos, têxteis, bancários, rodoviários, jornalistas e servidores públicos. Em Minas Gerais, atuavam nas empresas metalúrgicas, químicas e têxteis, situadas na periferia de Belo Horizonte. No Rio Grande do Sul, o PCB concentrava suas atividades entre os trabalhadores do cais do porto, ferroviários, têxteis, metalúrgicos, bancários, jornalistas, e funcionários públicos. Em Pernambuco, estavam na vanguarda do movimento sindical dos trabalhadores rurais, além dos trabalhadores das docas, transportes terrestres, tecelagem, bancários e jornalistas. Em nível nacional, atuavam de forma decisiva nos sindicatos e associações dos trabalhadores das empresas estatais das áreas petrolífera, ferroviária, aeronáutica, e serviço público. Os stalinistas assumiram a direção política de importantes entidades sindicais nacionais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos e Fluviais (CNTT-MF). Além disso, detinham a hegemonia na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Toda essa estrutura permitia ao PCB, ter preparado uma forte resistência ao golpe militar. Entretanto, sua atuação política visava enquadrar o movimento operário em seu corrompido esquema teórico da revolução brasileira, adotado a partir de seu III Congresso, realizado entre 29 de dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929, onde tirou uma linha política fundamentada na concepção etapista do processo revolucionário. A base dessa concepção política é o programa do VI Congresso da Internacional Comunista, realizado entre julho e setembro de 1928, em Moscou, como produto da degeneração do Estado operário soviético sob a direção da casta burocrática stalinista, que provocou uma virada à direita na Terceira Internacional, jogando o movimento operário mundial no terreno da colaboração de classes. A análise dos teóricos do stalinismo indicava que as principais características da estrutura econômica brasileira eram: a transição entre o feudalismo e o capitalismo e a dependência ao imperialismo. Dessa forma, a chamada revolução brasileira teria primeiro uma etapa nacional e democrática, de caráter antiimperialista e antifeudal. Somente depois de vencida essa fase é que se passaria à revolução socialista. Segundo esse esquema, a realização das tarefas da primeira fase exigia uma aliança do proletariado com a burguesia nacional. A aplicação prática dessa teoria esbarra na mais completa falta de conexão com a realidade. Em primeiro lugar, porque o Brasil nunca foi um país feudal ou semifeudal. Já desde o início da colonização, a economia brasileira se caracterizava pelo caráter agro-exportador, com produção em larga escala voltada para o mercado externo, tendo como característica peculiar a utilização de grande quantidade de escravos, mercadoria de alto valor que estimulava o tráfico internacional. Esse tipo de economia em nada se assemelhava com o sistema produtivo fechado dos feudos, onde a produção, baseada no trabalho individual do servo e de sua família, voltava-se para o consumo interno. O Brasil colonial se insere na divisão internacional do trabalho, na fase de acumulação primitiva de capital pelas potências colonialistas européias, como economia essencialmente capitalista agro-expotadora e consumidora de produtos manufaturados e de capitais da Holanda e da Inglaterra, sob a tutela política de Portugal, que atuava como intermediário nessas relações comerciais. Quanto ao nacionalismo, que foi o movimento político da burguesia européia até meados do século XIX, já não pode mais, na fase do imperialismo, servir como força impulsionadora de movimentos de independência nos países de desenvolvimento capitalista atrasado, tornando-se apenas um instrumento para enganar as massas. A verdadeira independência nesses países só é possível através da revolução proletária. Ao aplicar o programa da Terceira Internacional, o PCB abandonou o princípio da luta de classes e do internacionalismo proletário em favor da política de “libertação nacional” e do nacional-patriotismo. A implementação dessas teorias resultou numa série de erros políticos de conseqüências desastrosas. Uma das mais trágicas derrotas foi o fracasso do levante de 1935, fruto da primeira tentativa de aplicar a política de frente popular no Brasil, através da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Dez anos depois, o PCB, através de seu secretário-geral Luis Carlos Prestes, esclareceu os objetivos daquela aventura que custou a vida de muitos revolucionários:
“Concidadãos! Fomos acusados naquela época de que pretendíamos implantar o comunismo, que pretendíamos criar governo soviético ou ditadura do proletariado. É mentira. Nem naquela época, nem hoje supomos possível uma revolução socialista imediata em nossa terra... Portanto, concidadãos, é falso, é injurioso, pretender condenar os aliancistas em 1935 porque pretendiam implantar o comunismo. Os aliancistas lutavam, em primeiro lugar, contra a fascistização de nossa terra e pelo desenvolvimento econômico dentro das possibilidades do Brasil – revolução democrático-burguesa, revolução agrária, e antiimperialista, revolução que já teve seu lugar na França há mais de 150 anos”.1
Para justificar a política de colaboração de classes do PCB e seu apego à ordem social burguesa, Prestes não só prostituiu o marxismo, negando o seu princípio mais elementar, a ditadura do proletariado, mas também, falsificou grosseiramente a História, classificando como antiimperialista a Revolução Francesa de 1789, uma revolução burguesa antifeudal e antiabsolutista, enquanto, em nosso tempo, época do capitalismo imperialista, que só se constituiu e consolidou entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, os stalinistas bradavam por uma revolução antifeudal. Quando Stalin decidiu extinguir a Internacional Comunista, em 1943, indicando que os PCs deveriam apoiar os governos que lutaram na guerra contra o fascismo, o PCB realizou sua II Conferência Nacional, conhecida como “Conferência da Mantiqueira”, onde definiu a linha política de União Nacional contra o fascismo e total apoio ao governo de Vargas. A Conferência elegeu como secretário-geral Luis Carlos Prestes, que estava encarcerado desde a derrota do levante de 35 e era o mais importante preso político do regime de Getúlio. Posto em liberdade em 1945, Prestes expôs pessoalmente a nova linha política:
“Companheiros! O Partido Comunista apoiando o governo durante esses seis meses, alertou o nosso povo contra os golpes salvadores. Partido do proletariado, partido ligado à classe operária, o Partido Comunista não deixou de apontar ao povo o caminho da ordem e da tranqüilidade. Mostrava e dizia aos operários: – é preferível, companheiros, apertar a barriga, passar fome do que fazer greve e criar agitações, – porque agitações e desordens na etapa histórica que estamos atravessando só interessa ao fascismo. O Partido Comunista foi, durante esses 6 meses o esteio máximo da ordem em nossa terra.”2
Essa política era apenas o complemento da chamada co-existência pacífica com o imperialismo, ampliada drasticamente pelo stalinismo logo após a II Grande Guerra e assimilada entusiasticamente pelo PCB, que apesar de manter a estratégia antiimperialista da revolução brasileira, começou a ver até no capital estrangeiro aspectos progressistas:
“Num parlamento democrático será possível legislar contra o capital estrangeiro mais reacionário, contra os contratos lesivos ao interesse nacional e ao progresso do país. Isso não quer dizer que sejamos contra o capital estrangeiro que nas condições do mundo atual ainda pode ser, dentro das limitações da Carta do Atlântico e após as decisões históricas de Teerã e Criméia, um dos colaboradores mais eficientes do progresso e da prosperidade dos povos mais atrasados”.3
Após a cassação de seu registro, em 1947, o PCB lançou, em agosto de 1950, o denominado Manifesto de Agosto, que reafirmava o caráter antiimperialista e antifeudal da revolução e chamava a burguesia nacional para compor uma Frente Democrática de Libertação Nacional, e lutar pela conquista de um governo democrático e popular, dando um giro de 180º na análise do governo Vargas. Em novembro de 1954, é realizado o IV Congresso, que basicamente mantém essa mesma caracterização. Do projeto inicial de programa, publicado em janeiro de 1954, retirou-se apenas a caracterização do governo Vargas como “governo de traição nacional”, substituindo a proposta de sua derrubada (já havia caído em agosto com o suicídio de Vargas) pela “derrubada do governo atual”, o que não impediu que o PCB apoiasse Juscelino em 1955. Entre o IV e o V Congresso, realizado em setembro de 1960, a militância do PCB orientou-se pela Declaração de Março de 1958, que reconhece pela primeira vez o desenvolvimento capitalista no Brasil. Porém, declara que esse desenvolvimento ainda não se completara e que, portanto, as condições para a revolução socialista ainda não estavam maduras, condição que foi reafirmada no V Congresso. Cabia, aos stalinistas lutar pelas reformas de estrutura, que logo ficaram conhecidas como “reformas de bases”, apresentadas nas teses para o IV Congresso, publicadas em março de 1964, como “exigências da luta antiimperialista e antifeudal”. A política stalinista do PCB, cuja principal característica é a negação da necessidade da revolução proletária e a busca interminável de uma aliança com um setor “progressista” da burguesia nacional, o colocou sempre a reboque de alguma fração da burguesia nacional, à espera de que esta pusesse em prática o seu programa nacionalista. Um dos raros momentos em que rompeu com essa tendência, colocando-se em oposição ao governo Vargas (1950-1954), acabou alvo do ódio popular, após a morte de Getúlio, devido à posição de seguidismo à fração burguesa mais identificada com os interesses do imperialismo, liderada por Carlos Lacerda. Com a renúncia de Jânio Quadros e após o plebiscito que devolveu os plenos poderes presidenciais a João Goulart, em 1963, o PCB pensava finalmente ter encontrado a liderança burguesa capaz de pôr em execução seu programa reformista, mesmo que sob pressão do movimento de massas.
INDUSTRIALIZAÇÃO E POPULISMO. O PAPEL DO ESTADO BURGUÊS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL A política do PCB estava, evidentemente, na contramão do desenvolvimento real da economia brasileira, que a partir de 1930 tem um novo impulso no processo de industrialização. A crise econômica mundial de 1929 provocou uma brusca quebra da economia, ainda essencialmente agro-exportadora, estruturada em torno da cafeicultura, reduzindo drasticamente as exportações do café. O reflexo político dessa crise foi a denominada Revolução de 30, ou Revolução Tenentista, em que as tradicionais oligarquias burguesas ligadas à cafeicultura perderam o controle do aparelho do Estado, cedendo uma parcela significativa do poder político para outras frações da burguesia mais vinculadas ao processo de industrialização. De posse do aparelho do Estado, a burguesia industrial passou a utilizar esse poder para proporcionar maior proteção ao mercado interno, criando fortes barreiras alfandegárias, ao mesmo tempo em que direciona os recursos financeiros estatais para grandes investimentos no setor da indústria de base e em obras de infra-estrutura, suprindo assim a insuficiência de capitais privados da burguesia brasileira. Entre 1939 e 1955, devido à afluência de capitais estatais, a produção industrial triplicou, enquanto a agricultura cresceu em apenas 50%. Empresas estatais, como a Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobrás, criada em 1953, revelam a presença cada vez maior do Estado no processo de industrialização favorecido pela desorganização da economia européia, para onde se dirigiram os investimentos do capital norte-americano logo após a II Guerra Mundial, possibilitando o desenvolvimento de uma indústria de substituição de bens de consumo que dependia, entretanto, da importação de equipamentos e máquinas estrangeiras. O que Vargas propunha à burguesia nacional era completar esse processo substitutivo, através da criação de um setor de bens de capital. O governo populista utilizava também outros mecanismos para favorecer a acumulação de capital industrial. Um desses mecanismos era a inflação, que transferia recursos da agricultura e especialmente da classe trabalhadora para o setor da indústria. A burguesia industrial e financeira, que dependia dos favores do Estado, via na direção política de Getúlio Vargas a garantia de crescimento industrial e de controle político e ideológico das massas trabalhadoras através da legislação trabalhista, do controle do Estado sobre os sindicatos e do nacionalismo. Sob a ideologia do nacionalismo, o governo Vargas forjou uma importante base de apoio na aliança populista, que incluía facções das oligarquias estaduais, setores nacionalistas das Forças Armadas e da camada de tecnocratas do governo, e o proletariado urbano. Os ideólogos do populismo massificavam a idéia de que a industrialização nacionalista conduziria à emancipação, tendo resultados igualmente vantajosos para a burguesia e o proletariado. Porém, o grande surto de desenvolvimento industrial ocorreu somente a partir de 1955, sob o governo de Juscelino Kubtschek (JK) e sua política desenvolvimentista. O Plano de Metas do governo JK visava realizar a substituição de importações nos setores de bens de capital e de consumo duráveis. O Estado retomou os investimentos maciços na construção de estradas, em novas siderurgias (Usiminas e Cosipa), usinas hidroelétricas e na ampliação da capacidade produtiva da Petrobrás. Mas, mesmo com a crescente participação do Estado, a burguesia nacional não dispunha de recursos suficientes para bancar um projeto de crescimento econômico que prometia obter um progresso equivalente a cinqüenta anos em apenas cinco anos. A saída foi a atração de altos investimentos de capital e tecnologia estrangeira. Atraídos pelas generosas vantagens e incentivos estatais, primeiro se instalaram empresas européias como a Volkswagen. Em seguida, vieram as empresas norte-americanas. O súbito desenvolvimento industrial teve como conseqüência imediata o vertiginoso crescimento das cidades. Em 1960, a população urbana aumentou para 45%, enquanto a população rural, que em 1940 era de 69%, decresceu para 55%. Como conseqüência da industrialização e das péssimas condições de vida no campo, essa tendência se aprofundou nos anos seguintes, com a população rural tornando-se minoritária e a urbana chegando a 56% em 1970. O processo de industrialização provocou também o crescimento da classe operária, intensificando o grau das contradições entre o proletariado e a burguesia. Ao mesmo tempo, cresceu a dependência do campo em relação à cidade. O desenvolvimento baseado em maciços investimentos estrangeiros, emissões inflacionárias e empréstimos externos provocou um rápido endivida-mento. Ao tomar posse em Brasília, em 1961, o presidente Jânio Quadros denunciava a terrível situação financeira do Brasil e queixava-se por ter que saldar, durante o seu governo, compromissos de cerca de 2 bilhões de dólares. Naquele ano, a inflação chegara a 25%. As elevadas remessas de lucros para o exterior pelas empresas estrangeiras constituíam outra fonte de evasão de recursos que ameaçava estagnar o desenvolvimento capitalista. No início do governo Goulart agravou-se ainda mais a crise econômica e financeira, típica de um país capitalista atrasado, combinando as formas econômicas mais atrasadas com os elementos mais avançados da economia capitalista, cuja sobrevivência exigia elevadas taxas de exploração da força de trabalho. Tal era a realidade que o PCB procurava negar, apegando-se ao dogma stalinista da revolução antiimperialista e antifeudal para colaborar abertamente com os ideólogos burgueses em busca das reformas de base que pudessem aliviar os problemas gerados pela própria industrialização tardia e a forte pressão exercida pelo capital estrangeiro sobre a incipiente burguesia nacional, alimentando o sonho reacionário de um desenvolvimento capitalista independente no Brasil.
O SIGNIFICADO DAS REFORMAS DE BASE Em busca de uma solução para a crise, o governo Goulart adotou um conjunto de medidas que ficaram conhecidas como Reformas de Base. Visando a ampliação do mercado interno, essas reformas propunham: a) estender os direitos trabalhistas ao campo, garantindo salário mínimo, repouso remunerado, direito a férias, indenização e outros benefícios à massa de assalariados agrícolas submetidos a uma superexploração, para lhes dar poder de compra; b) desapropriar os latifúndios improdutivos e distribuir as parcelas de terras para a massa de trabalhadores sem terra, que trabalhavam nas condições de parceria e arrendamento. Essa medida visava o aparecimento de um número maior de trabalhadores com poder de compra e o aumento da produção de gêneros alimentícios a baixo custo, aumentando a capacidade de consumo de produtos industrializados pelas massas trabalhadoras; c) aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores urbanos: que além do salário mínimo, repouso remunerado, férias, garantia no emprego e 13º salário, teriam do governo uma nova política habitacional que estimularia a redução dos custos dos aluguéis, gerando uma maior parcela excedente dos salários para outros gastos. As Reformas de Base buscavam também a ampliação do mercado externo, através do estabelecimento e da ampliação das relações comerciais com os Estados operários. Para conter a permanente sangria de recursos financeiros, propunham a limitação das remessas de lucro das empresas estrangeiras para o exterior e impunham rígidas barreiras alfandegárias para proteger a produção nacional. As reformas de base abarcavam quase toda a sociedade. Existiam planos para a área eleitoral, administrativa, tributária, bancária, urbana, cambial, universitária e, certamente a mais polêmica, a agrária. No entanto, seria ingenuidade esperar medidas efetivas ou radicais para atenuar a crise social brasileira por parte de um governo burguês. Afinal, tratava-se de um governo de conciliação de classes liderado por um latifundiário, que subordinava o movimento operário a uma plataforma nacional-desenvolvimentista. O ascenso operário, com o crescimento do PCB, foi o elemento central que gerou a real preocupação da burguesia e do imperialismo ianque, mais além que o projeto das reformas em si. Mas, mesmo no “papel”, as reformas de Goulart assustavam os setores mais reacionários da classe dominante. A reforma urbana propunha a desapropriação dos imóveis excedentes desocupados. Já a reforma bancária previa a nacionalização de todos os bancos estrangeiros e a participação dos bancários na sua direção. Em si, as reformas de base estavam longe de representar uma ameaça ao capitalismo. A reforma agrária, por exemplo, não tocava nas fazendas produtivas. Não haveria confisco. As desapropriações atingiriam apenas as terras improdutivas ou inexploradas mediante pagamento com títulos públicos de valor reajustável. Além disso, propiciariam um surto de desenvolvimento capitalista no campo, elevando o número de proprietários de 3,35 milhões para cerca de 10 milhões. Todavia, o latifúndio, mesmo o improdutivo ou inexplorado, sempre representou no Brasil mais uma garantia de prestígio e poder político para obter vantagens econômicas do Estado, como empréstimos a juros baixíssimos, freqüentemente não pagos e na maioria das vezes desviados para a indústria ou para o setor especulativo. Por sua vez, o imperialismo se levantava contra o controle da remessa de lucros para o exterior, a abertura do comércio com os Estados operários e as medidas propostas para impedir a constante desnacionalização da indústria. Quanto à burguesia financeira e industrial, mostrava-se cada vez mais vinculada aos interesses do capital externo, conformando-se com sua condição de sócia menor do imperialismo. Desde o governo JK, os setores mais expressivos da chamada burguesia “progressista” vinham abdicando de uma solução nacionalista radical e, tanto quanto os latifundiários, sentiam-se ameaçados pelo crescimento dos movimentos populares. Quanto à questão da reforma agrária, esses setores preferiram optar pela capitalização das propriedades rurais, como forma de incentivar o aumento da produtividade agrícola. Rompia-se o pacto populista, que tinha, desde o Estado Novo, impulsionado a industrialização. Assim, somente as massas trabalhadoras, dirigidas pelos nacionalistas e pela esquerda reformista, pareciam realmente interessadas na realização das Reformas de Base. Contudo, essas reformas constituíam-se em tarefas da revolução democrático-burguesa, que na etapa histórica do domínio do capital imperialista já não podem mais ser realizadas sem uma ruptura violenta das massas com a democracia burguesa e o capitalismo, através da revolução proletária, abrindo caminho para a construção do socialismo.
O ASCENSO DAS MASSAS No início da década de 1960, parcelas cada vez mais amplas da população começavam a entender que a fome e a miséria não são calamidades naturais imutáveis. São resultados da ação humana, de um determinado tipo de organização social e, portanto, podem ser superadas. Este entendimento se manifestou na intervenção das organizações populares – estudantes, trabalhadores rurais, operários e outros setores, mobilizados pela luta em favor das reformas de base. Nas cidades e no campo crescia o movimento sindical. Várias entidades se unificaram no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). As greves escapavam do controle das direções pelegas, comprometidas com a estratégia política da burguesia reformista. Durante os anos de 1961 a 1963 ocorreram cerca de 200 greves generalizadas ou gerais por setor, a maioria por reivindicações de ordem econômica e algumas poucas, mas significativas, de caráter político. O setor estatal e autarquias são os mais atingidos, o que, por si só, é um dado para se julgar a profundidade e limites da mobilização do período. Uma das greves mais significativas foi a que irrompeu em 6 de outubro de 1963, em São Paulo, que mobilizou cerca de 700 mil trabalhadores, 79 sindicatos e 4 federações ligadas à CNTI. Os grevistas reivindicavam 100% de aumento salarial, reajuste automático de salários a cada quatro meses, adicional de 5% para cada cinco anos de emprego, férias em dobro, garantia aos demitidos após o acordo, garantia de ação e estabilidade dos delegados sindicais nas empresas. A paralisação começou em São Paulo, entre os metalúrgicos, e se estendeu a outras categorias, atingindo as cidades do interior, como Santos, Campinas, Jundiaí, ABC, Piracicaba, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Americana, Tatuí, e Guarulhos. A greve é parcialmente vitoriosa e marca o ascenso da radicalização das lutas que vai se estender até 1964. Multiplicaram-se os sindicatos rurais. Em julho de 1963, havia 300 deles; em março de 1964, já eram 1.500. No Nordeste, as Ligas Camponesas, espalhando-se como rastilho de pólvora e convertendo-se num fenômeno nacional, radicalizaram sua luta pela reforma agrária. Já em 1961, realizou-se em Belo Horizonte o I Congresso de Trabalhadores Rurais, com a participação de 1.600 delegados de todas as regiões do país. Em 1963, as ocupações de terras aprofundaram o processo de radicalização, contrariando as direções pelegas e reformistas. A radicalização do processo político caminhou rapidamente. O CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) deu um ultimato ao Congresso Nacional: ou as reformas eram aprovadas até 20 de abril, ou haveria greve geral no 1º de Maio. Durante o grande comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, na presença de 300 mil trabalhadores e estudantes, Goulart assinou decretos que nacionalizavam as refinarias de petróleo e desapropriavam, para fins de reforma agrária, propriedades com mais de 100 hectares numa faixa de 10 quilômetros ao longo das ferrovias e rodovias federais. O quadro político se polarizava. No dia 19, a oposição burguesa e o clero responderam com a “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, que levou às ruas de São Paulo meio milhão de pessoas. Nos quartéis, crescia a insatisfação entre os setores mais baixos das tropas (soldados, cabos, sargentos), influenciados pelo ascenso das lutas populares. Na última semana de março houve uma revolta dos fuzileiros navais, que há tempos reclamavam da falta de liberdade, da truculência dos oficiais e da péssima comida. Entre o final de 1963 e o começo de março de 1964, aconteceram várias greves de fome nos barcos da marinha. Os marinheiros desafiavam a hierarquia. No dia 26 de março, os fuzileiros navais reuniram-se na sede do sindicato dos metalúrgicos do Rio de Janeiro para comemorarem com um ato político o aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. O Ministro da Marinha mandou acabar o encontro, mas os marinheiros que foram enviados para invadir e desocupar o prédio, desobedeceram as ordens dos seus oficiais, depondo as armas. O episódio provocou a renúncia do ministro da Marinha. A radicalização dos movimentos populares decorria do fato de que o governo Goulart e os setores nacionalistas da burguesia nacional não poderiam levar a frente seu projeto de Reformas de Base se não dispusessem de forças suficientes para quebrar a resistência das facções burguesas e do imperialismo, que a eles se contrapunham. Dessa forma, tinham necessariamente que arrastar as massas para a luta política, como instrumento de pressão. Enquanto o PTB de Goulart era o partido burguês que melhor encarnava o “nacional-reformismo”, o PCB encontrava-se em êxtase ao ver suas teses, elaboradas desde 1928, serem assumidas por seus aliados burgueses. Isso explica porque, em defesa do “nacional-reformismo”, o PCB, sem nenhum exagero, era mais intransigente do que a própria fração burguesa empenhada naquele projeto. Sem vislumbrar a necessidade da transformação revolucionária da sociedade, carente de uma direção revolucionária, o proletariado e o conjunto das massas exploradas, como é próprio do movimento espontâneo, foram seduzidos pela campanha “nacional-reformista”, que prometia melhores condições de vida nos marcos da sociedade burguesa. A traição da direção stalinista do velho PCB, partido incapaz de armar o proletariado com um programa revolucionário que o colocasse em luta pela tomada do poder, deixou as massas à mercê das manobras e do jogo político da facção burguesa nacional-desenvolvimentista em disputa com as outras facções da classe dominante. O acirramento das contradições de classe, a superexploração da classe operária e dos camponeses, a corrosão dos salários pela inflação, o desemprego, a especulação imobiliária, arrastou objetivamente os explorados para a defesa do projeto burguês das Reformas de Bases a serem implementadas por Jango, tendo o PCB na vanguarda dirigente deste processo de colaboração de classes. Em crescente mobilização, as massas tendiam cada vez mais para a radicalização de suas lutas e a campanha pelas reformas prosseguia sem dar sinais de êxito. Enquanto os políticos reformistas não conseguiram alterar a correlação de forças no Congresso, tampouco a capitulação dos setores conservadores, crescia o movimento de massas, fugindo ao controle dos reformistas e caminhando para uma situação pré-revolucionária. As grandiosas manifestações de massas foram utilizadas por João Goulart para chantagear os setores mais reacionários da burguesia e o imperialismo com a ameaça do comunismo. Assim, esses teriam que fazer a opção entre as reformas ou a revolução social. A essa chantagem, estes senhores responderam com o golpe contra-revolucionário preventivo de 1º de abril de 1964.
O PAPEL CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DO STALINISMO FRENTE AO GOLPE Até 1964, o PCB era o grande partido de esquerda no Brasil e praticamente controlava o movimento sindical, como assinalamos anteriormente. Mas, para esse valioso setor do proletariado latino-americano, sua política era criminosa, apresentava um programa que conduzia a classe operária ao beco sem saída do reformismo e a submetia à influência política e ideológica da burguesia. Apesar do profundo acirramento da luta de classes e do flagrante antagonismo entre os interesses da burguesia e do proletariado, cujo ascenso das lutas já apontavam no sentido de libertar-se da influência das lideranças populistas, o PCB, em sua Conferência Nacional de 1962, continuava afirmando sua velha linha política de colaboração de classes:
“Os comunistas reafirmam que o objetivo tático principal da classe operária é a luta por soluções positivas e imediatas para os problemas do povo e a luta por um governo nacionalista e democrático. Este governo pode ser constituído nos quadros do atual regime e deverá ser capaz de iniciar as transformações de caráter antiimperialista e antilati-fundiário exigidas pelos interesses nacionais. Tal objetivo só será alcançado mediante o fortalecimento da frente nacionalista e democrática, da qual participam a classe operária, os camponeses e as camadas médias urbanas, forças básicas do movimento pela libertação e o progresso do País, e a burguesia ligada aos interesses nacionais”.4
A prova cabal dessa política é a tese adotada pelo PCB do caráter democrático das Forças Armadas no Brasil, que seriam parte integrante da chamada Frente Nacionalista e Democrática. A 03 de janeiro de 1964, numa longa entrevista à TV Tupi de São Paulo, no momento crucial que precedeu ao golpe, o secretário-geral do PCB, Luis Carlos Prestes, afirmou:
“As Forças Armadas no Brasil têm características muito particulares, muito diferentes de outros países da América Latina. Uma das questões específicas da revolução brasileira é o caráter democrático, a tradição democrática das Forças Armadas, particularmente do Exército. No Exército brasileiro este democratismo vem de longe...”.
Enquanto a burguesia e o imperialismo articulavam abertamente uma intervenção militar contra João Goulart, o PCB apresentava o presidente como um confiável dirigente “revolucionário” das massas. Na noite de 17 de março, Prestes, em um ato público na sede da ABI do Rio de Janeiro, declarou, referindo-se ao comício do dia 13 de março, na Central do Brasil:
“O povo veio à rua (...) para perguntar ao Presidente da República se está disposto de colocar-se à frente do processo democrático e revolucionário que avança. E as massas puderam naquele dia tomar conhecimento de alguns atos do presidente da república, conhecer suas palavras em discurso que, sem dúvida alguma, podemos chamar de memorável. Porque, naquele dia, o presidente João Goulart, com os atos que assinou e com as palavras que enunciou, disse ao povo brasileiro que quer assumir a liderança do processo democrático em desenvolvimento em nosso país”.
A direção do PCB considerava a possibilidade do golpe de direita. Mas a maioria do Comitê Central confiava cegamente no “caráter democrático” das FFAA e, mais particularmente, no Chefe da Casa Militar, o General Assis Brasil. A menos de cinco dias do golpe, no ato comemorativo do aniversário do PCB, Prestes afirmou que não havia condições favoráveis ao golpe reacionário, mas, se este viesse, “os golpistas teriam as cabeças cortadas”. Na manhã do dia 31, chegaram as primeiras notícias sobre o levante de tropas militares contra o governo federal em Minas Gerais e o PCB convocou às pressas uma reunião de seu Comitê Central, cuja única resolução foi de que Prestes tentasse um contato com Jango. Frente a movimentação das tropas, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) convocou uma greve geral para o dia 1º de Abril. A direção do PCB, na figura do próprio Prestes, propôs a retirada da convocatória grevista sob o argumento que isto daria margem a provocações e era desnecessária, uma vez que o governo dispunha de força militar suficiente para sufocar o levante. A política abertamente criminosa da direção do PCB, que implicava em uma escandalosa passividade das massas, não foi acolhida, por uma instintiva disposição de resistência das bases sindicais, que neste momento, objetivamente se opunham à orientação stalinista. Desgraçadamente, a resistência operária não conseguiu se sobrepor à orientação contra-revolucionária do PCB, que apesar de não se opor formalmente à greve, não jogou seus quadros, sua influência política, o conjunto de sua militância e o forte aparelho sindical de que dispunha para construir a greve geral, que só ocorreu no Rio, em Santos e em alguns setores ferroviários do Rio, São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul. O que se conclui de todo esse quadro político é que o PCB e o conjunto dos sindicatos, assim como as organizações camponesas sob a influência do stalinismo, ficaram à espera da ação de resistência de João Goulart e de seus militares leais. Como é próprio da burguesia nacionalista, temendo a reação das massas ao golpe militar, que poderia colocar em marcha um processo revolucionário, Jango optou por fugir para o Uruguai, deixando acéfala a resistência. O PCB não aprendeu com a lição histórica e já em 1968 apóia e participa da formação da Frente Ampla, organismo que juntava forças e personalidades políticas, em especial os ex-presidentes JK, João Goulart e o inimigo da véspera, Carlos Lacerda, líder civil do movimento militar de 1964. A outra vertente stalinista no Brasil, o PCdoB (oriundo de um racha do PCB, de 1962, em função da publicação do Relatório Kruschev, no XX Congresso do PCUS, em 1956, que denunciou parte dos crimes de Stalin), surgiu reivindicando a mesma política etapista do IV Congresso do PCB. Ao caracterizar a ação de Kruschev como revisionismo soviético, continua a reivindicar integralmente a trajetória política de Stalin e se orienta nesse período a uma aproximação com o Partido Comunista Chinês (PCCh). Na realidade, Kruschev abriu parte dos crimes stalinistas simplesmente porque já eram mais que visívies, sendo necessário também como resposta a um descontentamento crescente do proletariado soviético. A burocracia do Kremlin seguiu o ditado popular: “Dar os anéis para não perder os dedos”. Ou seja, denunciou os crimes de Stalin, mas deu continuidade à sua política de coexistência pacífica com o imperialismo e de “socialismo em um só país”. Sob a crítica de que o PCB havia optado pela via da institucionalidade burguesa e da construção pacífica do socialismo, não mais defendendo a ditadura do proletariado, o PCdoB buscou conciliar o programa etapista do PCB com a tática da guerra popular prolongada de Mao Tsé Tung, com núcleos revolucionários armados que a partir do campo impulsionariam o processo revolucionário para as cidades, resultando na experiência frustrada da Guerrilha do Araguaia. A orientação burguesa do PCB e sua capitulação frente ao golpe militar provocaram uma série de rupturas políticas em suas fileiras. A paralisia do stalinismo oficial gerou um leque de organizações políticas (ALN, PCBR, VPR, VAR-Palmares), que expressando uma resposta desesperada da pequena-burguesia radicalizada, buscaram o caminho do foquismo e da luta guerrilheira para combater a ditadura militar. Reivindicando praticamente o mesmo programa etapista e stalinista do PCB, mas criticando sua tática de integração sindical e parlamentar ao regime burguês e, depois, a ação conjunta com a própria oposição civil à ditadura militar, essas organizações políticas viraram as costas para o trabalho sistemático de organização da classe operária nas fábricas e seguiram o caminho da luta armada praticada por pequenos focos de militantes, tanto através da guerrilha urbana, como por meio da guerrilha rural. Não por acaso, a esmagadora maioria dessas organizações estavam dizimadas uma década após o golpe de 64. Essa orientação foi ainda mais criminosa na medida que setores da classe operária e do movimento estudantil ainda resistiam à ditadura militar até 1968. São exemplos desse combate das massas, a greve dos trabalhadores metalúrgicos de Contagem e Osasco, inclusive com ocupação de fábrica e a manifestação do 1º de Maio em São Paulo. Em oposição ao oportunismo do PCB e ao foquismo pequeno-burguês de suas dissidências, a posição correta dos marxistas revolucionários diante do golpe militar deveria ser a defesa da formação de uma frente única proletária abarcando todos os agrupamentos operários revolucionários, capaz de tornar-se a espinha dorsal de um poderoso movimento de massas para a reconquista das liberdades sindicais, operárias e democráticas (partidos, sindicatos, imprensa, direito de reunião) estranguladas pela ditadura militar. Somente a retomada da iniciativa política da classe operária em torno da defesa de suas reivindicações políticas e econômicas e por meio de comitês de frente única, que unisse o trabalho revolucionário legal e ilegal, poderia conseqüentemente, inclusive, arrastar para a luta contra o regime de exceção amplos setores da pequena burguesia radicalizada, projetando as lutas operárias em curso, através da construção de comissões de empresas e de oposições sindicais para desbancar os agentes do capital da direção do movimento operário.
O GOLPE DE 1964 E SUAS LIÇÕES PARA OS REVOLUCIONÁRIOS Logo após o 1º de abril impôs-se uma junta militar que assumiu o controle do país, composta pelo general Costa e Silva, o almirante Augusto Rademaker e o Brigadeiro Francisco Costa de Melo. Em 09 de abril foi decretado o Ato Institucional nº1, que concedia à Junta Militar poderes excepcionais. Dois dias depois, o Congresso indicou para presidente o Marechal Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército e coordenador do golpe contra Jango. A prova de que o golpe de 1964 levou ao recrudescimento da repressão política a serviço da acumulação capitalista, foram as primeiras medidas tomadas pela ditadura, entre elas: a revogação da nacionalização das refinarias de petróleo, da desapropriação das terras improdutivas e anulação da lei de estabilidade no emprego, substituindo-a pelo FGTS, o que favoreceu a liberdade dos patrões para incrementar a exploração operária através da chantagem das demissões. Foram cassados e suspensos os direitos políticos de centenas de pessoas, demitidos 10 mil funcionários públicos e instaurados cinco mil inquéritos contra 40 mil pessoas, prisões, torturas e o assassinato de militantes de esquerda e de sindicalistas e a ruptura das relações diplomáticas com Cuba. O objetivo central do golpe não era restringir as liberdades democráticas e políticas, principalmente de setores burgueses, mas reprimir o movimento de massas para subordinar integralmente a economia nacional aos interesses do capital imperialista. Até 1970, o governo militar havia decretado 536 intervenções nos sindicatos, além de editar medidas proibindo o direito de greve. O regime de exceção favoreceu a uma profunda concentração de renda e achatamento salarial. As empresas transnacionais, através dos baixos salários, isenções, incentivos fiscais e financiamentos privilegiados puderam reproduzir rapidamente seus capitais e tinham facilidade nas remessas de lucros. Em 1960, os 20% mais pobres da população detinham 3,9% da renda nacional, já em 1980, apenas 20 anos depois, essa renda caiu para 2,8%. Enquanto isso, os 10% mais ricos passaram de 39,5% para 50,9% no mesmo período. O controle dos monopólios imperialistas e o avanço do processo de rapina sobre a economia nacional são flagrantes após abril de 1964. Entre 1968 e 1973 a dívida externa saltou de 3,9 bilhões de dólares para 12,5 bilhões. Nesse período, segundo dados do próprio Banco Central, a Esso aplicou 1,8 milhão de dólares e enviou para a matriz 44,5 milhões, a Souza Cruz investiu 2,5 milhões de dólares e remeteu 82,3 milhões, enquanto a Volkswagen investiu 119,5 milhões de dólares e mandou 279,1 milhões para o exterior. O regime militar implantou um modelo econômico no qual combinava expansão econômica e repressão política. Sob a égide de transformar o Brasil em uma grande potência, o bloco de forças que se apossou do poder pôs em prática um tipo de desenvolvimento capitalista fortemente alicerçado em massivos investimentos de capital estrangeiro, arrocho salarial e busca de novos mercados para exportações de matérias-primas e manufaturados. O resultado foi o chamado “milagre econômico”, que somava grande concentração de capitais, monopolização da atividade econômica, concentração de renda e deterioramento das condições de vida da maioria da população. A principal lição a ser tirada desse processo é que diante do dilema “revolução ou contra-revolução” em que se vivia no ano de 1964, todas as frações burguesas concluíram que era preciso uma intervenção das FFAA para salvar o regime capitalista. O golpe contra-revolucionário de 1964 não foi desferido contra Goulart e a política de colaboração de classes do PCB, mas para abortar preventivamente as perspectivas de uma revolução social no país, estrangulando o ascenso do movimento de massas. Para esse golpe, participaram todas as frações da burguesia. Os explorados, despreparados politicamente, sem dispor de um partido revolucionário, foram abandonados à sanha repressiva uma vez que a contribuição do PCB ao golpe foi sua capitulação e deserção. A ditadura promoveu uma intensa intervenção nas organizações do movimento de massas e buscou através do terrorismo de estado garantir a estabilidade política exigida pelo imperialismo, os patrões e instituições do regime, como a Igreja. Podemos, assim, sintetizar as conclusões políticas e econômicas advindas do golpe militar de 1964: O “nacional-reformismo” era a base do programa através do qual as massas foram mobilizadas antes do golpe. Tratava-se de um programa burguês, portanto, estranho aos interesses dos trabalhadores, desde que somente o socialismo e a tomada do poder pela classe operária, através da liquidação do Estado burguês se constitui como uma alternativa proletária ao modo de produção capitalista. A ausência de um partido revolucionário quarto-internacionalista e de um programa marxista impediu que a vanguarda classista superasse suas direções burguesas e stalinistas e fossem vitoriosas em seu combate contra o regime. A radicalização do movimento de massas, impulsionada pelas condições objetivas e seu instinto de classe foram insuficientes para a vitória do ascenso operário pela ausência de uma direção revolucionária. O regime de exceção interrompeu o processo de evolução política e ideológica do proletariado e do campesinato pobre brasileiro e acabou por dar início à liquidação do PCB como partido hegemônico no movimento operário, em função de sua própria capitulação política. O combate à ditadura passou para as mãos das organizações políticas que defendiam a luta armada (ALN, MR8, PCdoB, etc). A resistência da pequena burguesia à ditadura por meio de grupos foquistas, e seu conseqüente fracasso nesta tarefa, reafirmam que só a classe operária organizada e armada por um programa revolucionário é capaz de derrotar a sanha militar pró-imperialista. A derrota das massas diante do golpe militar de 1964 e a ulterior imposição da ditadura por mais de 20 anos não eram inevitáveis, deveu-se não a força política e militar da burguesia e do imperialismo, mas à traição da esquerda stalinista associada a direções nacionalistas burguesas. A ditadura militar assentou as bases econômicas para a destruição do parque industrial nacional em favor dos monopólios ianques, orientando a produção para o mercado externo, processo de rapina que se mantém até hoje, sob a égide do governo de frente popular petista, herdeira da política de colaboração de classes do velho PCB.
NOTAS: 1- Discurso de Prestes no Parque 13 de Maio (Recife), no comício “O Nordeste a Luis Carlos Prestes”, em 26 de novembro de 1945. Citado por Moisés Vinhas in O PARTIDÃO, a Luta por um Partido de Massas 1922-1974, pp. 111-112, Ed. Hucitec, São Paulo,1982. 2- Idem 3- Discurso de Prestes no Estádio de São Januário (Rio), em 1945. Citado por Moisés Vinhas in O PARTIDÃO, a Luta por um Partido de Massas 1922-1974, p. 104, Ed. Hucitec, São Paulo,1982. 4. Resolução Política da Conferência Nacional do PCB, realizada em São Paulo, em dezembro de 1962.
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