100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1905: “ENSAIO GERAL” DA TOMADA DO PODER PELOS BOLCHEVIQUES EM 1917

A vigência da criação dos sovietes e o armamento do proletariado

O centenário da Revolução Russa de 1905 (22 de janeiro), nos faz relembrar um dos mais significativos momentos da história do movimento operário internacional. Os célebres acontecimentos de 1905 foram descritos por Lênin como o “Ensaio Geral” da Revolução de Outubro de 1917 e da tomada do poder pelo Partido Bolchevique. De fato, a Revolução de 1905 pôs à prova todos os partidos, clarificando seus programas e suas perspectivas diante do ascenso revolucionário das massas. Exemplo disso foi a dimensão tomada pelas divergências entre bolcheviques e mencheviques, que no II Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), realizado em 1903, manifestaram-se apenas como desacordos sobre concepção de partido e, a partir de 1905, revelaram toda sua essência com a manifestação de objetivos estratégicos completamente antagônicos que os colocariam em campos de luta opostos doze anos mais tarde.

Entre os dias 12 (25) de abril e 27 de Abril (10 de Maio) de 1905 realizou-se em Londres o III Congresso do POSDR. Somente os delegados bolcheviques participaram do congresso. Os mencheviques negaram-se a participar no congresso e reuniram-se, no mesmo período, numa conferência realizada em Genebra. A conferência dos mencheviques aprovou um programa político que, ao definir o caráter burguês da revolução, creditava à burguesia o papel de classe dirigente no processo revolucionário que, supunham, conduziria ao estabelecimento de um Estado burguês e a um longo período de desenvolvimento capitalista, como se pode concluir desse trecho da resolução: “A tarefa que as condições objetivas do desenvolvimento social colocam espontaneamente para esta nova fase é a liquidação definitiva de todo o regime monárquico e de estados sociais no processo da luta recíproca entre os elementos da sociedade burguesa politicamente emancipada pela realização dos seus interesses sociais e pela posse direta do poder”.

Por isso, o governo provisório que assumisse a realização das tarefas desta revolução, burguesa pelo seu caráter histórico, deveria, ao regular a luta recíproca entre as classes antagônicas da nação que está a emancipar-se, não somente impulsionar o desenvolvimento revolucionário, mas também lutar contra os fatores do mesmo que ameacem as bases do regime capitalista”.

Produto de profundas contradições sociais, a Rússia czarista, era a potência mais reacionária da Europa. O desenvolvimento tardio do capitalismo (a partir das reformas de 1861), dispensou a necessidade de supressão revolucionária das relações sociais e econômicas herdadas do período feudal, combinando-se com essas relações atrasadas. Fruto dessas circunstâncias históricas, a burguesia russa era uma classe politicamente débil, incapaz de realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa e implantar uma república democrática sobre os escombros do czarismo.

Entretanto, a resolução da conferência dos mencheviques não só colocava a burguesia à cabeça da revolução como ainda propunha um governo provisório para lutar contra os “fatores” do processo revolucionário “que ameacem as bases do regime capitalista”, ou seja, contra o proletariado revolucionário.

A fórmula defendida por Lênin e aprovada pelos bolcheviques no III congresso do POSDR, era inteiramente oposta à dos mencheviques. “A vitória decisiva da revolução sobre o czarismo” – afirmava – “é a ditadura democrática revolucionária do proletariado e do cam-pesinato... E essa vitória será precisamente uma ditadura, isto é, deverá apoiar-se inevitavelmente na força das armas, nas massas armadas, na insurreição e não em tais e tais instituições criadas pela via legal, pacífica. Só pode ser uma ditadura porque a realização das transformações imediata e absolutamente necessárias para o proletariado e o campesinato provocará uma resistência desesperada tanto por parte dos latifundiários como da grande burguesia e do czarismo. Sem ditadura será impossível esmagar esta resistência, rechaçar as tentativas contra-revolucionárias. Mas não será, naturalmente, uma ditadura socialista, mas uma ditadura democrática. Esta ditadura não poderá tocar (sem toda uma série de graus intermediários de desenvolvimento revolucionário) os fundamentos do capitalismo. Poderá, no melhor dos casos, efetuar uma redistribuição radical da propriedade da terra a favor dos camponeses, implantar uma democracia conseqüente e completa indo até à república, extirpar não só da vida do campo mas também da fábrica todos os traços asiáticos, servis, iniciar uma melhoria séria na situação dos operários, elevar o seu nível de vida e, finalmente, mas não o menos importante, levar o incêndio revolucionário à Europa. Semelhante vitória não converterá ainda, de forma alguma, a nossa revolução burguesa em socialista; a revolução democrática não ultrapassará diretamente os limites das relações econômico-sociais burguesas; mas, apesar disso, terá importância gigantesca para o desenvolvimento futuro da Rússia e do mundo inteiro. Nada elevará tanto a energia revolucionária do proletariado mundial, nada encurtará tão consideravelmente o caminho que conduz à vitória total como esta vitória decisiva da revolução iniciada na Rússia”. (Lênin, Duas Táticas da social democracia na revolução democrática).

Já León Trotsky, o revolucionário que mais se destacou na revolução de 1905, considerava que qualquer progresso significativo na sociedade russa dependia fundamentalmente da luta revolucionária do proletariado que, como explicou em sua teoria da Revolução Permanente, deveria tomar o poder para levar adiante as tarefas democrático-burguesas, cuja realização abriria imediatamente caminho para as tarefas propriamente socialistas, num processo revolucionário que, transpondo as fronteiras nacionais, constitui parte da revolução socialista mundial. A revolução burguesa, portanto, converter-se-ia em revolução proletária na medida em que a vitória decisiva sobre o czarismo e a realização das tarefas democráticas, a partir das quais se avançaria para o socialismo, só podiam ser alcançadas através da ditadura do proletariado.

O papel do proletariado como classe dirigente da revolução, posição sustentada por Lênin e Trotsky, foi plenamente confirmado pela torrente revolucionária de 1905, quando a classe operária, utilizando seus próprios métodos de luta direta, como a greve geral de massas, arrastou atrás de si a imensa maioria da população explorada do país, constituída pelos camponeses, tentando pela primeira vez derrubar o czarismo e arrancar todo o poder das mãos dos exploradores.

O “DOMINGO SANGRENTO” ACENDEU A CHAMA REVOLUCIONÁRIA DO PROLETARIADO

O dia 22 de Janeiro de 1905 (09 de janeiro no antigo calendário Juliano, que ainda vigorava no atrasado império russo) entrou para a história como o “Domingo Sangrento”. Nesse dia, na cidade de São Petersburgo, mais de 150.000 operários em greve, acompanhados de suas mulheres e filhos, marcharam em direção ao Palácio de Inverno (residência do Czar) para entregar uma petição ao imperador. A manifestação dirigida pelo padre Gapone, era uma marcha pacífica. Muitos manifestantes carregavam ícones religiosos e retratos do Czar, a quem até então as massas não identificavam como um inimigo de classe, como revelam os termos da petição: “Senhor. Nós trabalhadores, nossas esposas e filhos, os velhos desvalidos que são nossos pais, viemos a ti em busca de justiça e proteção”. O documento reivindicava uma Assembléia Constituinte eleita por sufrágio universal, jornada de trabalho de oito horas, salários justos, anistia e liberdades públicas, a entrega gradual da terra aos camponeses e a separação entre a Igreja e o Estado.

Tropas do governo czarista foram espalhadas por toda a cidade em bloqueios para impedir o avanço dos manifestantes. Quando a marcha tentou romper esses bloqueios, as tropas fuzilaram a multidão Durante toda a jornada os disparos sobre os operários desarmados se repetiram. Ao final da jornada, cerca de 4.000 pessoas entre mortos e feridos, vítimas de uma carnificina, caíram nas ruas de São Petersburgo. A classe operária já não se dirigiria ao czar com respeito, mas sim com ódio de classe. A partir desse dia, Nicolau II tornou-se conhecido como “O Sanguinário”. Iniciava-se a luta aberta do proletariado pela derrubada do Czarismo. Rapidamente os social-democratas (bolcheviques e mencheviques), até então hostilizados pelas massas, passaram a ganhar a confiança destas, ampliando sua influência sobres elas. A greve geral de massas, como método de luta próprio da classe operária, permitiu ao proletariado russo dar um salto excepcional em seu  nível de consciência, como diagnosticou Lênin: “Nesse despertar da consciência política em imensas massas populares, que se lançam à luta revolucionária, está o significado histórico do 9(22) de janeiro de 1905” (Lênin, Informe sobre a revolução de 1905).

A revolução de 1905 teve, como causa imediata, a derrota militar do czarismo na guerra russo-japonesa, cujo ônus foi imposto pelo regime sobre as costas dos trabalhadores, ampliando a fome, o desemprego e reduzindo ainda mais os salários, que, somando-se às condições de trabalho subumanas no interior das fábricas, fizeram explodir o descontentamento da classe operária, que ao final de 1904 já havia realizado uma série de greves econômicas. Em 3 de janeiro, os operários da fábrica Putilov, uma das maiores de San Petersburgo, com mais de 10.000 trabalhadores, pararam as atividades em protesto contra a demissão de 4 ativistas que haviam  participado de uma explosiva greve em dezembro de 1904. A greve se espalhou como um rastilho de pólvora, atingindo rapidamente outras fábricas. No dia 5, param também os operários de outra grande empresa, a Semiannikov. No dia 7 de janeiro, o número de operários em greve já chegava a 120.000.

Começou, então, a amadurecer a idéia de uma grande manifestação. Os termos da petição foram discutidos e os social-democratas, intervindo ativamente no movimento, conseguiram incorporar consignas políticas, em particular a da Assembléia Constituinte. Nos dias que antecederam à marcha, o governo havia se mantido passivo frente ao crescimento da greve e aos anúncios da manifestação. Na verdade, a camarilha reacionária encabeçada pelo ministro Trepov desejava ansiosamente sufocar as lutas operárias num banho de sangue. Por isso, o governo permitiu que os acontecimentos se desenvolvessem para aquele desfecho.

Ao meio dia de 9 (22) de janeiro, sob a direção da “Associação de operários russos das fábricas de São Petersburgo”, o sindicato organizado por um agitador visivelmente estimulado pela polícia, o padre Gapone, os operários iniciaram a marcha rumo ao Palácio de Inverno, que resultaria no massacre do “Domingo Sangrento”. Nicolau II nunca tivera a intenção de ouvir as queixas dos trabalhadores. Na verdade, às vésperas da manifestação, havia tomado a precaução de se transferir com a família para Tsarskoie Selo, a algumas milhas de São Petersburgo.

A selvagem reação do governo czarista, ao contrário de provocar um refluxo no movimento operário, fez explodir a energia revolucionária das massas, surpreendendo suas próprias direções e aterrorizando a autocracia. Em 10 de janeiro, levantaram-se barricadas em São Petersburgo. Rapidamente, a greve se estendeu por todo o país, mobilizando 400.000 trabalhadores ainda durante o mês de janeiro. A onda revolucionária atingiu a Polônia, os Estados bálticos, Geórgia, Armênia e Rússia Central. Nos meses que se seguiram ao “Domingo Sangrento”, um milhão de operários entraram em greve em todo o império russo. “As massas proletárias” – afirmava Trotsky – “estavam agitadas no verdadeiro coração de sua existência. Por quase dois meses, sem nenhum plano, em muitos casos sem levantar nenhuma reivindicação, parando e recomeçando, obedecendo só ao instinto de solidariedade, a greve dominou o país” (León Trotsky, A Revolução de 1905).

Assustado com o crescimento do movimento grevista, o czar Nicolau II publicou um manifesto em 18 de fevereiro, em que acenava com promessas de uma constituição e de reformas. Porém, essa manobra, que tinha como objetivo apenas dividir o movimento e acalmar o ânimo da classe operária, não teve efeito e as greves se intensificaram ainda mais. O espírito revolucionário do proletariado das cidades atingiu o campo, provocando revoltas camponesas com ocupações de terras. Logo a agitação camponesa repercutiu no exército, provocando insurreições e motins. Um dos levantes militares mais importantes foi o dos marinheiros do Encouraçado Potemkin, apoiado pela greve geral da classe operária de Odessa.

A sublevação do Potemkin começou em 14 (27) de junho de 1905. Na cidade de Odessa, onde a greve geral tinha sido declarada, as condições favoráveis para a unidade de ação dos operários e marinheiros não foram aproveitadas. A organização bolchevique na cidade estava gravemente fragilizada por uma série de prisões. Os mencheviques manifestaram-se contra a insurreição armada e deixaram escapar a possibilidade de uma luta ofensiva conjunta de operários e marinheiros. O governo czarista enviou ordens para que toda a frota do mar Negro sufocassem a revolta, mas os marinheiros negaram-se a disparar contra seus companheiros do navio sublevado e o comando viu-se obrigado a retirar a esquadra para evitar que a revolta se propagasse. Depois de vagar onze dias pelo mar, o Potemkin, privado de víveres e de carvão, atracou na Romênia, onde os marinheiros se entregaram às autoridades locais. A maioria ficou no estrangeiro. Os que retornaram à Rússia foram detidos e julgados. A revolta havia fracassado, mas o fato da tripulação do maior navio de guerra do império russo ter-se somado à revolução constituiu um passo significativo no desenvolvimento da luta pela derrubada do czarismo.

Atento à crescente onda revolucionária que fazia brotar no seio da classe operária um número cada vez maior de combatentes, Lênin chamou os bolcheviques a empreenderem um amplo trabalho de organização, visando ampliar as fileiras do partido com jovens lutadores e formá-los tanto do ponto de vista político e ideológico, como para as operações militares. Estava convicto de que a mais importante tarefa que se colocava para o movimento revolucionário era armar os trabalhadores e derrotar o czarismo. Em 1905, havia cerca de 8.000 bolcheviques, inseridos na maioria dos centros industriais, militando em organizações clandestinas. Lênin esperava que a revolução em curso fizesse fluir para o partido a pujante força das novas gerações e da iniciativa das massas operárias em ação.

Em 6 (19) de agosto, o governo publicou um novo manifesto prometendo instituir uma nova Duma ou parlamento. A Duma Bulíguine, devido ao nome do Ministro do Interior A. G. Bulíguine, encarregado de preparar o projeto de lei sobre a Duma, era apenas um órgão consultivo do czar. Dadas as condições de ascenso revolucionário das massas, os bolcheviques chamaram, corretamente, o boicote às eleições para a Duma, que privava a imensa maioria da população do direito de voto. A campanha de boicote dos bolcheviques foi utilizada para organizar greves políticas, explicando à classe operária que só a derrubada do czarismo através da ação revolucionária das massas poderia assegurar verdadeiras liberdades democráticas.

O SURGIMENTO DOS SOVIETES

Em outubro, um novo impulso revolucionário teve início com a greve geral dos ferroviários, em que participaram cerca de 750.000 trabalhadores. O movimento se generalizou, evoluindo da greve econômica para a greve política, colocando mais uma vez a questão do poder na ordem do dia.

A 10 de outubro, em Moscou, Kharkov e Revel foi declarada uma greve geral política; no dia seguinte, em Smolensk, Kozlov, Yekaterinoslav e Lodz; em poucos dias a greve estalou em Kursk, Byelgorod, Samara, Aratov, Poltava, Petersburgo, Orsha, Minsk, Odessa, Riga, Varsóvia e em outras partes. A greve geral política mobiliza a classe operária nas mais importantes cidades do império russo, evidenciando a hegemonia do proletariado como classe dirigente da revolução.

A revolução pôs o proletariado de pé. Elevou sua consciência de classe e sua autoconfiança. Sobretudo, fez surgir a auto-organização na forma do Soviete de Deputados Operários, criado em 13 de outubro: “O soviete impôs sua existência” – escrevia Trotsky – “como uma resposta a uma necessidade objetiva, a uma necessidade surgida do curso dos acontecimentos. Era uma organização que tinha autoridade e todavia não tinha tradições; que imediatamente envolveu as massas dispersas formadas por centenas de milhares de pessoas, embora, praticamente, não contasse com uma máquina organizativa; que uniu as correntes existentes dentro do proletariado; que foi capaz de ter iniciativa espontânea e autocontrole e, o mais importante, que pôde sair da clandestinidade em vinte e quatro horas”.

A iniciativa de organização dos sovietes surgiu dos mencheviques de São Petersburgo. Trotsky tinha uma idéia similar ao retornar da Finlândia, onde estivera refugiado desde maio. A greve geral necessitava de um comitê de greve amplo para coordenar as ações e o soviete exerceu esse papel chave com a eleição de delegados das fábricas (um delegado para cada 500 trabalhadores). Para conseguir a autoridade necessária aos olhos das massas, tinha que se basear na mais ampla representação.

Assustadoramente, o soviete foi rechaçado por uma parte da direção bolchevique que estava em Petersburgo, temendo que se convertesse numa organização política rival do partido. Inclusive foram ao soviete com uma resolução: aceitava todo ao programa revolucionário da social democracia ou deveria dissolver-se! Esta atitude diante do soviete fez com que a fração não conseguisse ter uma posição dirigente nos acontecimentos. Na verdade, os bolcheviques se adaptaram com bastante lentidão às novas condições revolucionárias: acostumados ao trabalho de caráter mais conspirativo, não souberam de um dia para o outro se converter em oradores e grandes guias da multidão. Acima de tudo, foram surpreendidos pelo surgimento dos primeiros sovietes, eleitos inicialmente nas fábricas e depois nos bairros, que se estenderam durante o verão a todas as grandes cidades, dirigindo a partir de então, o conjunto do movimento revolucionário. Compreenderam demasiado tarde o papel que podiam desempenhar nos sovietes e a importância destes para ampliar sua influência e conquistar a direção das massas. Essa situação durou até a chagada de Lênin em novembro.

TROTSKY E A REVOLUÇÃO DE 1905

Dos dirigentes revolucionários da social democracia, Trotsky foi quem jogou o papel mais destacado em 1905. Quando explodiu o movimento revolucionário, nenhum dos principais dirigentes havia regressado do exílio. Martov só chegou à Rússia depois de 17 de outubro; Lênin somente em 4 de novembro. Porém, Trotsky havia chegado a Kiev em fevereiro. Lunacharsky, que era um dos mais estreitos colaboradores de Lênin naquela época recordava: “Sua popularidade (a de Trotsky) entre o proletariado petersburguês no momento de sua prisão (em dezembro) era tremenda e cresceu ainda mais devido ao seu pitoresco e heróico comportamento no tribunal. Devo dizer que de todos os dirigentes social-democratas de 1905-1906, Trotsky sem dúvida demonstrou, apesar de sua juventude, ser o melhor preparado. Era ele que menos levava a marca de certo tipo de estreiteza de perspectiva emigrante que, como é dito, inclusive naquele momento afetava a Lênin.Trotsky compreendia melhor que todos os demais o que significava dirigir a luta política em escala ampla e nacional. Ele emergiu da revolução adquirindo grau enorme de popularidade, enquanto que nem Lênin, nem Martov haviam conseguido nada disto em absoluto. Plekhánov havia perdido sua grande oportunidade devido a demonstração de suas tendências quase kadetes... Trotsky estava nesse momento na primeira linha de frente” (Lunacharsky, citado por Trotsky, in Minha Vida).

Vivendo clandestinamente em Petersburgo, Trostsky usava nome de Vikentiev, um proprietário de terras. Nos meios revolucionários era conhecido como Pedro Petrovitch.  Não pertencia a nenhuma das duas frações organizadas da social democracia. Desde a cisão entre bolcheviques e mencheviques de 1903, havia rompido com os mencheviques e tentado unir as duas frações, no que insistiria com o retorno de Lênin à Rússia.

Nas questões políticas, Trotsky estava muito próximo de Lênin. Após a prisão de sua mulher, Natália, numa manifestação do 1º de maio, Trotsky teve que se afastar do grande centro revolucionário que era a cidade de São Petersburgo, buscando refúgio na Finlândia, retornando somente no início de outubro com o novo avanço do movimento grevista que se espalhou pela maioria das cidades russas.

Durante sua temporada na Finlândia dedicou-se à leitura de jornais, a estudar os fatos da luta de classes e a formação dos partidos, cristalizando suas idéias sobre as perspectivas da revolução democrático-burguesa que se abria na Rússia, os fundamentos de sua teoria da Revolução Permanente. “Esta revolução terá por base a questão agrária. Quem conquistará o poder? A classe, o partido que souber dirigir as massas camponesas contra o czarismo e contra os grandes proprietários de terra. O liberalismo não o pode fazer, nem tampouco os democratas intelectuais: sua missão histórica está cumprida. Hoje, a cena revolucionária pertence ao proletariado. A social democracia é o único partido que, por intermédios de seus elementos operários, pode pôr-se a frente dos camponeses. Esta circunstância oferece a social democracia russa a possibilidade de antecipar-se na conquistado poder aos partidos socialistas dos Estados ocidentais. Sua missão direta, imediata, será consumar e levar a cabo a revolução democrática. Mas, uma vez conquistando o poder, o partido do proletariado não se poderá contentar com o programa democrático. Ver-se-á forçado, queira ou não, a trilhar o caminho do socialismo. Até onde? Isso dependerá do modo pelo qual se disponham as forças dentro do país e também da situação internacional. A estratégia mais elementar exige, pois, que o partido social-democrata trave uma guerra sem quartel contra o liberalismo até apoderar-se da direção do movimento camponês, na medida em que se proponha como objetivo, já no momento da revolução burguesa, a conquista do poder político” (Trotsky, Minha Vida).

Em 1905, a social democracia russa (bolcheviques e mencheviques) tinha como palavra de ordem política central a Assembléia Constituinte, uma consigna democrática. O vínculo entre essa tática e a estratégia, ou perspectiva geral da revolução apresentada por Trotsky dependia de saber-se como e por quem seria convocada a Assembléia Constituinte. “Se a resposta – afirmava Trotsky – se baseia no levante popular dirigido pelo proletariado, é claro que se devia constituir fatalmente um governo provisório revolucionário. O proletariado, só pelo fato de se pôr à frente da revolução, conquistaria o direito de tomar a direção deste governo provisório”.

O impacto dessas posições e as divergências que provocaram entre os dirigentes do POSDR, levaram Trotsky a escrever um conjunto de teses para demonstrar que “o triunfo completo da revolução sobre o czarismo tinha necessariamente de significar que o advento do proletariado ao poder, apoiado pelas massas camponesas”.

De regresso a São Petersburgo, com apenas 26 anos, Trotsky assumiu a presidência do soviete da cidade. O breve primeiro presidente do soviete, o simpatizante menchevique G. S. Krhustalyov, foi uma figura acidental, como o padre Gapone. Foi Trotsky quem escreveu as declarações e resoluções mais importantes do soviete, era o substituto natural depois da prisão de Khrustalyov. “Trotsky só o ganhou” – comentava Lênin – “por seu trabalho brilhante e incansável”.

Conectando-se imediatamente com a revolução, Trotsky tomou a pequena Gazeta Russa e a transformou em um órgão de luta. Como resultado de seu trabalho, a circulação da revista passou de 30.000 para 500.000 exemplares. Depois que a revista foi fechada pelo governo, passou a dedicar seus esforços a um novo órgão político, Natchalo (O Princípio), tornando-o um dos órgãos da imprensa revolucionária mais lidos pelos trabalhadores. Também escrevia editoriais para o Izvestia (Notícias), órgão oficial do soviete, assim como seus manifestos e resoluções. “Os cinqüenta e dois dias de existência do primeiro soviete” – escrevia Trotsky – “estiveram cheios de trabalho, os sovietes, o comitê executivo, reuniões sem fim e três jornais. Como conseguimos sobreviver naquele turbilhão não está claro, inclusive para mim” (L. Trotsky, A Revolução de 1905).

Embora o manifesto czarista de outubro incluísse concessões, estas tinham uma natureza parcial e temporária. O inimigo ainda não estava derrotado, apenas retrocedera momentaneamente e adotava uma nova tática: por um lado fazia concessões e, por outro, organizava o terror contra as massas. A resposta do soviete foi continuar com a greve geral. Mas a greve já havia perdido seu melhor momento e a decisão de pôr o fim o movimento chegou em 21 de outubro. Porém, o encerramento da greve não foi um ato solene. Centenas de milhares marcharam com o soviete exigindo uma anistia, que foi parcialmente garantida.

Mais uma vez, sentindo o refluxo das lutas, a contra-revolução mostrou sua cara. Organizaram-se manifestações pró-czar encabeçadas pelo clero e os bispos. As bandas tocaram “Deus salve o czar”, o hino dos pogromistas. A polícia dirigia os bandos de pogromistas para invadir as casas e tendas judias. Cerca de 3.500 a 4.000 pessoas foram assassinadas e mais de 10.000 mutiladas em 100 cidades. Graças aos trabalhadores, não se produziram pogrons em São Petersburgo, porém, os destacamentos operários foram dispersos e suas armas foram confiscadas. O manifesto de outubro e suas concessões representaram, nada mais que, uma trégua rápida do inimigo para dissimular sua ofensiva reacionária.

Em 26 e 27 de outubro, na fortaleza de Kronstadt, explodiu um motim. Um dia depois foi declarada a lei marcial e o motim foi sufocado. Muitos saldados e marinheiros foram ameaçados de execução. O soviete de São Petersburgo reagiu a essa provocação chamando os trabalhadores à greve geral em 2 de novembro com as seguintes consignas: Abaixo a lei marcial! Não à pena de morte! Abaixo com a lei marcial na Polônia e em toda a Rússia!

O êxito do chamamento superou todas as expectativas. Mais uma vez as autoridades foram surpreendidas pela disposição de luta da classe operária e suspenderam a lei marcial. Como as lutas em nível nacional vinham minguando, os líderes do soviete decidiram terminar a greve em 7 de novembro. O regresso ao trabalho se fez com o mesmo espírito e grau de unidade com que se iniciou a greve.

Entretanto, este foi um ponto de inflexão para o conjunto da revolução. O proletariado revolucionário de São Petersburgo, depois de dez meses de tremendos esforços, finalmente parou esgotado. Em 3 de dezembro, a vida do primeiro soviete havia chegado ao fim, com a prisão de todos os seus membros.

Cinqüenta e dois membros do soviete foram levados a julgamento em setembro de 1906, acusados de “preparar uma insurreição armada” contra a “forma de governo” existente. Trotsky dispensou seu advogado e, assumindo sua própria defesa, pronunciou um discurso que se converteu num ataque à autocracia e uma defesa do soviete e da revolução: “O poder histórico em cujo nome fala o acusador neste tribunal é a violência organizada de uma minoria sobre a maioria! O novo poder, cujo precursor foi o soviete, representa a vontade organizada da maioria chamando à ordem, a minoria. Devido a esta distinção o direito revolucionário à existência do soviete está acima de todas as especulações jurídicas e morais” (L. Trotsky, A Revolução de 1905).

Após a prisão do soviete de Petersburgo, a iniciativa revolucionária das massas ainda se manifestou em Moscou, onde em 2 de dezembro explodiu um motim no regimento de Rostov, que foi rapidamente sufocado. Apesar desse revés, o ambiente nas fábricas estava alcançando um nível febril. Alguns setores chegavam a propor uma insurreição armada. Este clima afetou o soviete de Moscou, que declarou a greve geral em 7 de dezembro. Nessas circunstâncias, todo mundo sabia que o soviete votaria a favor de uma insurreição armada. Em solidariedade, 83.000 operários de São Petersburgo entraram em greve.

A insurreição de Moscou foi provocada pelo governo, quando enviou tropas para dispersar as reuniões de trabalhadores. Houve enfretamentos e barricadas, a greve geral começou e se estendeu. Apesar do avanço houve vacilação na direção do soviete e a contra-revolução pôde atacar. Isto provocou ainda mais as massas e estalou uma insurreição armada. Levantaram-se barricadas por toda a cidade e se produziu uma intensa luta de rua. Desgraçadamente, as tropas do governo se mantiveram leais e a insurreição foi finalmente sufocada. Essa derrota do proletariado de Moscou constituiu um duro golpe para a revolução.

Refletindo sobre a importância da revolução de 1905, Trotsky afirmou: “Todavia, em 1905 a classe operária era demasiadamente débil para tomar o poder, porém os acontecimentos posteriores a obrigaram a amadurecer e fortalecer-se, não no contexto de uma república democrático burguesa, mas no trabalho clandestino sob o golpe czarista de 3 de junho. O proletariado chegou ao poder em 1917 com a ajuda da experiência adquirida pela geração anterior, a de 1905. Por isso os jovens trabalhadores de hoje devem ter acesso total a essa experiência e devem, portanto, estudar a história de 1905” (L. Trotsky, A revolução de 1905).

Embora o czarismo tenha contado com o apoio diplomático e financeiro dos centros capitalistas internacionais assustados com o perigo da revolução social na Rússia, a derrota da revolução de 1905 foi resultado da falta de articulação entre operários e camponeses. Naquele momento o proletariado ainda não tinha forças para impor a derrota decisiva sobre o czarismo e a burguesia. Faltava-lhe, acima de tudo, o partido da vanguarda consciente e experimentada capaz de conduzir as massas à vitória. Apesar disso, os bolcheviques tiveram um importante aprendizado, fundamental para assegurar a vitória decisiva em Outubro de 1917.

O ARMAMENTO DO PROLETARIADO

A experiência de 1905 serviu para clarificar as diferenças entre o bolchevismo e o menchevismo, tornar o proletariado mais consciente de suas tarefas histórias, testar suas forças e a capacidade de reação do inimigo de classe e, especialmente, demonstrou a necessidade do armamento do proletariado para derrotar as forças reacionárias da contra-revolução, como explicou Lênin ao responder as lamentações de Plekhánov de que os operários “não deveriam ter tomado as armas” afirmando: “Ao contrário, deveríamos ter tomado as armas mais decidida, enérgica e agressivamente, deveríamos ter explicado as massas, que era impossível limitarmo-nos a uma greve pacífica, que era indispensável uma luta armada valente e implacável”.

No movimento revolucionário de 1905, o principal instrumento utilizado pelo proletariado foi a greve geral política. O armamento do proletariado tornou-se uma necessidade após o manifesto de 17 de outubro, quando Nicolau, “o Sanguinário”, apresentou um novo documento, concedendo liberdades públicas (liberdade de  expressão, de imprensa, de reunião e sufrágio universal). Porém, tais concessões do czar serviam apenas para consolar os liberais. Paralelamente ao anúncio dessas concessões, o regime empreendeu sangrenta repressão contra as massas. Este foi o momento da famosa ordem do general Trepov: “Não atirem para alto nem poupem balas”. Os bandos das Centúrias Negras desencadearam uma orgia de reação, deixando mais de 4.000 mortos e mais de 10.000 feridos nos pogrons. Em São Petersburgo, o soviete organizou o armamento do proletariado e a criação de milícias operárias.

Essa iniciativa, embora tenha evitado a ação dos pogromistas em São Petersburgo, não foi suficiente para impedir a onda de violência que se espalhou pelo país, porque não foi implementada pela classe operária na maioria das cidades. Mesmo nesta cidade, após o fim da greve, em 21 de outubro, o governo czarita promoveu o desarmamento das milícias operárias. Um fato que revela a fragilidade do armamento proletário na revolução de 1905 foi a queda do soviete, em dezembro, quando cercados por tropas de infantaria, cavalaria e artilharia, os trabalhadores, dispunham apenas de armas de mão, revólveres, não podendo realizar qualquer ação de defesa do soviete.

Na verdade, se a formação de milícias operárias tivesse sido uma iniciativa tomada desde o início do movimento, as possibilidades de dividir as tropas oficiais e ganhar uma parte delas para o lado dos operários teriam sido bem maiores, revoltas militares como as do encouraçado Potemkin e de Kronstadt teriam maiores chances de vitória. Da greve política, as massas proletárias deveriam ter evoluído mais rapidamente para a insurreição armada.

 Além da necessidade de autodefesa, o armamento do proletariado é um elemento de aferição da intensidade de uma insurreição e de sua capacidade de afetar moralmente as tropas adversárias. Como afirmava Trotsky: “A disposição política do exército – o grande enigma de toda revolução – só pode determinar-se no processo de encontro entre os soldados e o povo. A passagem do exército para o campo da revolução é um processo moral, mais não pode produzir-se unicamente por meios morais. No interior do exército se combinam e se entrecruzam diferentes motivos e atitudes; só uma minoria é conscientemente revolucionária, enquanto a maioria vacila e espera um impulso exterior. Essa maioria é capaz de lançar suas armas ou eventualmente, de apontar suas baionetas para a reação, só se começar a acreditar numa vitória do povo. Essa crença não é criada apenas por meio da propaganda política. Só quando os soldados se convencem de que povo saiu para as ruas para uma luta de vida e morte – não para manifestar-se contra o governo, mas para destituí-lo – torna-se para eles praticamente possível a passagem para o lado do povo” (L. Trotsky, A Revolução de 1905).

Ainda que derrotada, a revolução de 1905 produziu importantes ensinamentos para os trabalhadores de todo o mundo e, particularmente, para a vanguarda marxista russa. A greve política de massas, o armamento do proletariado, a criação de sovietes e a insurreição armada, serviram como lições fundamentais para os bolcheviques serem vitoriosos em outubro de 1917, edificando o primeiro Estado operário do planeta. Cem anos após a Revolução de 1905 as lições por ela legadas ao proletariado conservam ainda hoje toda sua atualidade histórica.

A ofensiva política e ideológica desencadeada pelo imperialismo após a liquidação contra-revolucionária da URSS longe de sepultarem os ensinamentos de 1905 e de Outubro de 17 são um referencial programático para a classe operária e sua vanguarda leninista derrotarem definitivamente o capitalismo na esfera mundial, abrindo passagem para o comunismo.
 

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