DOCUMENTO: O Partido Operário Revolucionário da Argentina, sua degeneração oportunista e sua atuação frente à crise argentina* Daniel Bengoechea – Dezembro de 2002 No começo do ano 2002, o comitê central (CC) do partido operário revolucionário da Argentina (POR) rompeu todo tipo de relação com minha pessoa, comunicando-me oficialmente minha separação do mencionado partido por meio de uma carta assinada por dois membros do comitê central (Murúa e Bala). Dita carta foi a culminação de um processo de ruptura política e de isolamento organizativo que se iniciou após minhas críticas (realizadas formalmente pela primeira vez em março de 2000) à forma em que se desenvolvia o pretendido trabalho internacional do POR com o objetivo de reconstruir a Quarta Internacional. Pessoalmente, em sucessivos documentos, tentei demonstrar o caráter oportunista e espontaneísta que estava tomando o POR. Em particular, relacionei os despropósitos organizativos que levaram ao fracasso das "Jornadas de Debates pela Reconstrução da Quarta Internacional", convocadas conjuntamente com a Liga Bolchevique Internacionalista do Brasil (LBI-QI), com dita evolução oportunista, encarnada nesses momentos em Gustavo Gamboa (secretário geral do POR), mas também acompanhada unanimemente pelo conjunto do CC do POR. Meus documentos nunca receberam uma resposta política. Em troca, obtiveram como resposta sucessivas medidas administrativas que implicaram o relevamento de todas minhas responsabilidades e minha separação prática do partido. As mesmas vieram acompanhadas de uma série de fatos confusos, como a difamação de minha pessoa por meio de mensagens eletrônicas emitidas desde endereços partidários, entre eles o do próprio Gamboa, e de ex-militantes do POR. As mencionadas mensagens foram parcialmente desmentidas pelo POR após minha exigência. No entanto, estes fatos nunca foram esclarecidos corretamente (todavia, não se sabe quem mandou as mensagens, como teve acesso aos endereços partidários, e além disso, as mensagens emitidas desde ditos endereços continuam circulando há dois anos da emissão da primeira delas). Por outro lado, ex-militantes do POR, previamente separados do partido, foram ressuscitados para iniciar um processo disciplinar contra minha pessoa por supostas faltas ao centralismo democrático. Todo este processo descrito mais acima coincidiu com um aprofundamento da involução oportunista do POR. Dito oportunismo ficou completamente manifesto na atualidade ante a exigência da luta de classes. Em plena crise argentina, o POR cruzou a barreira de classes, abandonando abertamente a proclamada necessidade de lutar pela construção de um partido revolucionário da classe operária, que trabalhe para educar politicamente a classe sobre a necessidade da destruição do capitalismo, mediante a revolução socialista, e a posterior instauração da ditadura do proletariado. JORNADAS DE DEBATE PELA RECONSTRUÇÃO DA QUARTA INTERNACIONAL O processo de aproximação política do POR à LBI-QI e a posterior ruptura com esta organização puseram de manifesto, em mais de um aspecto, o oportunismo e o empirismo ideológico do POR. Como parte da aproximação à LBI-QI, a direção do POR assumiu rapidamente a maioria das posições do grupo brasileiro, em particular, a respeito da caracterização dos chamados "estados operários deformados ou degenerados", a ponto de chegar a sustentar que foi um erro de parte do movimento trotskista não haver defendido a burocracia stalinista dos ataques da burguesia imperialista ou não ter apoiado a invasão da URSS ao Afeganistão. Como parte da aproximação entre ambas organizações, membros do comitê central (CC) do POR viajaram em duas oportunidades ao Brasil, membros do CC da LBI-QI fizeram o mesmo à Argentina e chegou-se a editar de forma conjunta o primeiro e único exemplar da revista Tribuna de Debates. Em princípio, ambas organizações haviam chegado aparentemente a acordos programáticos profundos e coincidiam em levar adiante conjuntamente um longo e paciente processo de reagrupamento de genuínos revolucionários. Como parte deste processo, organizaram-se no Brasil as Jornadas de Debate pela Reconstrução da Quarta Internacional. Para as mesmas, haviam comprometido sua participação, outras organizações políticas interessadas "em discutir abertamente um balanço da história do movimento trotskista que permita posicionar-nos melhor para começar a construir o partido revolucionário mundial da classe operária" (Convocatória das Jornadas de Debate, Revista Tribuna de Debates). Durante todo este processo, foram surgindo distintas diferenças com a LBI-QI a respeito de variadas questões práticas. No entanto, o CC do POR, subvalorizando a organização brasileira, em oposição à minha opinião pessoal, manteve a respeito da LBI-QI uma atitude conciliadora e ziguezagueante, com a esperança de que isto lhe permitiria incluir este grupo dentro de uma organização conjunta, onde o POR seria a força principal. Apesar disso, as diferentes concepções políticas de ambas organizações terminaram colidindo na semana prévia à realização das jornadas de debate. E tudo por uma questão menor, como o era o direito de participar nas mesmas de Vanguarda Proletária, que era objetada pela LBI-QI dado que, numas eleições universitárias, este "grupo-pessoa" havia apoiado os candidatos frente-populistas do PT em oposição aos da LBI-QI. Fazendo da participação de Vanguarda Proletária uma questão de princípios, o secretário-geral do POR, Gustavo Gamboa (único enviado em representação do POR às jornadas), uma vez no Brasil, decidiu autoexcluir-se das jornadas e pretendeu organizar suas próprias jornadas, que como descrevemos mais acima, trataram-se de uma reunião com dois militantes de duvidoso passado marxista. Apesar de tudo isto, após seu regresso à Argentina, Gustavo Gamboa apresentou um balanço, aprovado unanimemente pelo CC, onde se apresentou como um êxito as atividades realizadas no Brasil. Considerando pessoalmente que o fracasso das jornadas de debate havia sido um fracasso para a política de reagrupamento revolucionário que promulgava o POR, escrevi dois documentos criticando o oportunismo de Gamboa e da maioria do CC do POR. Basicamente, com estes documentos não só tratei de mostrar os erros cometidos pelo POR em relação às mencionadas jornadas e ao processo de aproximação política à LBI-QI, mas também tratei de aprofundar sobre o fundo político dos mesmos. Uma de minhas principais conclusões naquele momento foi que órfão de toda capacidade de análise científica, após ter-se liberado do aplastante peso que significava a influência de Lora, o POR havia começado a mover-se ao vaivém marcado, de um lado, pelo esforço por conseguir uma resposta concreta ao problema do necessário reagrupamento da vanguarda revolucionária, e pelo outro, pela incapacidade em que a inorganicidade e o urgentismo para alcançar algum êxito político imediato consumiam o POR. Como resultado dessa contínua oscilação entre a afirmação de uma posição revolucionária e a crescente e sem parar tendência ao oportunismo, o POR acabou adaptando-se às ilusões e lutas espontâneas das classes médias e dos setores mais atrasados da classe operária... ERROS ORGANIZATIVOS E PROVOCAÇÕES POLÍTICAS Muito além do linguajar que o POR utiliza em seus documentos sobre seu pretendido embasamento ideológico-organizativo marxista-leninista, a realidade nos indica que o mesmo não existe. Em particular, quanto à organização, os erros são cotidianos na vida do POR. A imprensa não tem nenhuma periodicidade e cada vez mais seus artigos são de menor qualidade, os volantes nunca são impressos a tempo, organizam-se viagens à Argentina de camaradas de organizações estrangeiras, a quem nunca se atende, apresentam-se os documentos de base para os congressos depois de iniciados os mesmos, aprovam-se os informes do secretário-geral a livro fechado, etc.. Como contrapartida disto, desesperadamente, tenta-se incrementar o número de membros, recrutando camaradas que querem lutar contra o sistema capitalista, mas que, todavia, não sabem argumentar teoricamente. Isto faz que a brecha ideológica entre uns poucos elementos politizados e a massa (bastante reduzida) do partido seja cada vez maior, com o que as tarefas organizativas e de propaganda recaem cada vez mais sobre um número menor de camaradas, facilitando que se cometam erros organizativos com maior freqüência. O processo de degeneração oportunista que descrevi com anterioridade está também intimamente relacionado com o debande organizativo que vem sofrendo o POR desde antes de seu oitavo congresso (realizado nos dias 23 e 24 de maio de 1998, formalizou a ruptura com Guillermo Lora, o POR da Bolívia e o CERQI). Posteriormente, o debande organizativo complementou-se com a promoção de camaradas inexperientes ao CC partidário e com a dissolução de fato do POR. Como parte deste processo, sobretudo depois da ruptura com a LBI-QI, o POR dissolveu seu perfil para as massas, buscando desta forma ganhar maior influência sobre elas. No entanto, na vida interna partidária aumentaram o aparatismo e começou-se a marginalizar os camaradas críticos do CC. E isto não é de estranhar, já que o oportunismo vem sempre junto do relaxamento da disciplina partidária e do caudilhismo, o que correlaciona-se perfeitamente com as falhas organizativas e a irresponsabilidade que abundam no POR. À medida que o oportunismo e o fosso organizativo aumentavam no POR, as provocações políticas começaram também a abundar. Decidiu-se arbitrariamente a reestruturação das células partidárias, recolocando aqueles camaradas críticos em células que puderam controlá-los, pretendeu-se exigir a mudança de residência de outros camaradas como condição para que continuassem pertencendo ao partido, e entre outras coisas que não vale a pena descrever, começaram a ocorrer episódios confusos, e em alguns casos bizarros, relacionados com os endereços de e-mail do POR. Em primeiro lugar, desde o endereço de e-mail de Gustavo Gamboa, secretário-geral do POR (endereço publicitado como o oficial do partido e do qual mantinha-se contato com o resto das organizações políticas), publicitaram-se os documentos críticos de Daniel Bengoechea, desqualificando-o, e chegando a propor à LBI-QI uma frente comum para combater o traidor. Após minha pressão para clarificar os fatos, Gustavo Gamboa limitou-se a dizer que ditas mensagens eram falsas e que não as havia escrito... Imediatamente depois destes fatos, novas mensagens desacreditando a minha pessoa, agredindo organizações com as quais eu mantenho uma relação política (por exemplo, a LRP dos EEUU) e difundindo declarações políticas com uma linha frente-populista foram distribuídas desde quatro endereços de e-mail diferentes, todos pertencentes a membros do CC do POR, um deles, o endereço alternativo de Gustavo Gamboa em um servidor comercial. Ante estas novas mensagens e sob minha pressão pessoal, o CC do POR emitiu um conciso comunicado, dizendo que seus endereços eletrônicos haviam sido roubados por um hacker que queria semear a divisão dentro do partido. No entanto, nunca demonstrou ter investigado os fatos, nunca preocupou-se por desmentir aberta e contundentemente as supostas falsas mensagens e nunca fez nada para evitar que as mesmas sigam circulando, inclusive desde novos endereços. A loucura a respeito chegou ao ponto de que inclusive chegou-se a distribuir uma mensagem proveniente do endereço "seguro" de Gamboa, afirmando que todo o descrito anteriormente era parte de um complô de Bengoechea e da LBI-QI. A mesma foi mais uma vez tibiamente desmentida, sobretudo quando outras organizações, conhecendo que minha relação com a LBI-QI era bastante áspera, basicamente honesta, mas de confrontação política quase permanente, dado as características de ambos de defender suas posições até o final, exigiram ao POR que ratificasse com provas a suposta denúncia. Ante a contínua pressão de minha parte para que o POR manejasse com maior responsabilidade e aumentasse suas medidas de segurança eletrônica, o que foi realizado paralelamente a uma abundante quantidade de críticas de minha parte frente aos desvios oportunistas do POR, e em muitos temas inclusive a o que eu interpreto como abandono do marxismo, em janeiro de 2002, o CC do POR decidiu relevar-me do manejo da página Web partidária e exigiu-me que lhe entregasse a senha de acesso a um dos poucos endereços eletrônicos que não havia sido "sabotado" (um dos poucos que não saíam mensagens que logo eram desmentidas). Tudo isto em meio à profunda situação de agitação política existente na Argentina nesse momento. Seus argumentos eram que, dado que era um endereço eletrônico seguro, o CC necessitava controlar o mesmo, ao mesmo tempo que a página Web, para difundir com maior efetividade as consignas partidárias em um momento em que o POR estava encandeado pela agitação popular existente, principalmente entre as capas médias e marginalizados sociais, e que chegou inclusive a propor uma fórmula presidencial partidária para uns dos lemas do bloco eleitoral de toda a esquerda que propunha conformar. Por minha parte, considerei que, dado que o CC do POR não preocupava-se em esclarecer os obscuros fatos em que supostamente o POR continuamente tentava desacreditar a minha pessoa, não estavam dadas as condições para que a senha em meu poder fosse entregue ao CC do POR... Este foi meu último contato com o POR como membro do mesmo, já que após minha negação em acatar a resolução do CC, fui excluído do POR... NEGAÇÃO DA VIOLÊNCIA REVOLUCIONÁRIA Uma das principais falências do POR, mostra evidente de sua incompreensão do marxismo, é seu posicionamento ante o problema da violência e da luta armada e sua relação com a tomada do poder. Para o POR, como para boa parte do trotskismo, em particular o argentino, luta armada equivale a foquismo e pelo qual toda ação armada dos explorados é condenável, já que segundo esta concepção, imperativamente atrasa o desenvolvimento da consciência das massas. Como tratarei de explicar nas linhas seguintes, esta concepção é completamente falsa e no fundo esconde o medo da pequena burguesia do armamento do proletariado. Basicamente, a linha do POR consiste em considerar ultraesquerdista a todo aquele que realize tentativas de organizar o armamento da classe operária e dos setores populares, considerando a quem impulsione a luta armada o principal obstáculo a vencer para poder construir com êxito o partido revolucionária da classe operária. Esta posição não diferencia-se demasiado da de Nahuel Moreno e seu partido, o PST, durante a década de 70 ante o PRT-ERP, quando o considerava mais nocivo para a classe operária que a ditadura militar argentina... Este desprezo (mais que desprezo, eu diria medo) do POR pela violência o faz considerar terrorista a todo aquele que a aplica, e o leva a passar-se ao campo da burguesia em relação à luta pela liberação do povo basco. Em particular, a posição equivocada da direção do POR leva-a a pleitear que "a destruição política e organizativa do ETA é uma tarefa fundamental para a classe operária basca, para todos aqueles que pretendem construir um partido operário revolucionário na Espanha e para a formação de uma internacional revolucionária" (O ETA, isolado, desnatura a luta pela autodeterminação do país basco, Daniel Santana), negando na prática o direito à autodeterminação do povo basco, e colocando em um segundo plano a necessidade dos trabalhadores do atual estado espanhol de lutar contra a burguesia imperialista espanhola e a destruição do estado capitalista. Este passo ao campo da burguesia por parte do POR gerou debates intensos dentro do partido. Minhas críticas contra semelhante linha política foram publicadas em extenso com anterioridade. Em resumo, as mesmas trataram de mostrar que a posição adotada pela direção do POR implicava um abandono da teoria e do método leninista a respeito da questão da violência e do direito à autodeterminação das nações oprimidas. Olhando retrospectivamente os fatos, poderia dizer-se que graças ao escasso domínio do marxismo da maioria dos quadros do POR e a seu medo pequeno-burguês do isolamento das massas operárias (das quais estão, na realidade, bastante isolados), o aguaceiro sobre o pernicioso da violência do ETA com o que nos inundam os meios de propaganda burgueses e os políticos institucionais foi aceito profundamente entre eles. De outra forma, não poderia entender que meus ex-camaradas do POR, apesar das diferenças ideológicas com o movimento de liberação nacional basco, ponham tanto esmero em combater o ETA. Chegando seu esmero à deformação da realidade, chamando de operários aos políticos e membros de forças de segurança mortos pelo ETA, encobrindo a violência repressiva do estado espanhol, e baseando suas posições exclusivamente nas aparências extraídas da propaganda burguesa. O desprezo do POR à violência também o levou a não pleitear conseqüentemente a necessidade do armamento dos trabalhadores durante a crise argentina atual. Como a grande maioria da esquerda, o POR dedicou seus maiores esforços a estender as assembléias populares, organismos policlassistas hegemonizados pela pequena-burguesia com escassa participação da classe operária organizada, esquecendo-se que para destruir o sistema capitalista é necessário organizar e armar a classe operária. Neste caso concreto, a ridiculez do POR e da esquerda chegou ao limite de falar de que estávamos ante uma possível revolução e esquecer-se completamente da necessidade de armar o proletariado. (...) O CENTRALISMO DEMOCRÁTICO Os momentos de agudização da luta de classes põem à prova toda suposta organização revolucionária. Nesses momentos é que se manifesta se a mesma está baseada em princípios sólidos ou não. A questão do centralismo democrático é fundamental para a construção do partido revolucionário da classe operária. O POR sempre se vangloriou de ser o único partido revolucionário da esquerda argentina que praticava o centralismo democrático. No entanto, enquanto a luta de classes fez surgir diferenças dentro do POR, comprovou-se que o centralismo democrático, na realidade, não funcionava ao interior do mesmo. Isto se evidenciou basicamente na tendência que tem Gustavo Gamboa e outros dirigentes do POR a tomar decisões unilaterais e a solver seus freqüentes erros, escapando para adiante, na inexistência de balanços políticos no interior da organização, no fato de que as tarefas nunca foram coletivizadas, na resolução de todos os problemas mediante medidas administrativas e na escassez de debate teórico dentro do POR. (...) Na falta de centralismo democrático no POR, pelo qual aclara-se e resolve-se as diferenças políticas, não é de surpreender que todas as diferenças tenham terminado primeiro em frações prematuras escassas de debate e na quebra de militantes, e agora, com o aumento da degeneração oportunista do POR, na aplicação da separação burocrática dos críticos. Outra conseqüência disso é que inevitavelmente a independência de ação da militância de base não exista e que se tornem dentro do partido cada vez mais importantes os laços pessoais e as relações de diferença para os líderes estabelecidos. Tudo isso traz consigo preparada a morte definitiva das tentativas de qualquer análise político-científica. Em última instância, isto facilita a troca permanente de táticas políticas e as manobras oportunistas que atualmente pratica o POR, as quais necessitam da inexistência do centralismo democrático. A FRENTE ÚNICA ANTIIMPERIALISTA A tática da Frente Única Antiimperialista (FUA) é considerada pelo POR como uma conquista programática da organização. Em princípio, esta tática, tão válida como qualquer outra sempre que se ajuste à realidade das massas, pretende estabelecer laços entre as lutas das massas por suas necessidades imediatas e o programa da revolução socialista. O POR tomou como própria a tática da FUA em acordo com as Teses do Oriente da III Internacional, que propuseram a aliança das classes exploradas da cidade e do campo dirigidas pela estratégia revolucionária do proletariado. Esta aliança de classes posta sob a direção política do partido revolucionário da classe operária deveria, como tarefa central, impulsionar a luta contra a opressão imperialista, que serviria como detonadora das lutas revolucionárias. A diferença desta tática com a frente popular é muito sutil e consiste principalmente em que, no terreno prático, o partido revolucionário da classe operária mantém sua independência. O POR, no entanto, tem feito da tática da FUA sua estratégia, abandonando desta forma a luta pela independência de classe do proletariado. De fato, na prática, a aplicação que o POR faz dela atualmente não o diferencia muito dos reformistas e centristas, sendo sua conseqüência imediata a atadura ideológica e organizativa da classe operária à pequena-burguesia e à burguesia nacional. Em particular, ante a crise argentina, ficou de manifesto que a FUA é a estratégia atual do POR. Em pleno auge das lutas, quando o POR caracterizava a situação como pré-revolucionária (esta não é minha caracterização, já que a debilidade ideológica da classe operária argentina impediu sua participação dentro da crise como classe organizada politicamente...), em lugar de sair a propagandear a necessidade de construir o partido revolucionário da classe operária, o POR saiu a propor "uma frente que unifique a todos os que lutam" (Carta aberta por uma FUA, publicada pelo POR durante a semana santa de 2002). Segundo o próprio POR, dita frente, "baseando-se em um programa de luta contra o governo incorporará a enorme gama de matizes existentes dentro do movimento popular, dando aos distintos setores em seu seio, a oportunidade de desenvolver suas reivindicações" (ver o Documento de Situação Política Nacional da Conferência Nacional do POR, janeiro de 2002). O chamativo é que dentre estes setores o POR inclui a setores dos partidos burgueses tradicionais e da burguesia, como os "chacareros". Claramente, em sua reivindicação atual da FUA, o POR esqueceu-se da independência da classe operária, saltando esta sutil diferença que separa a FUA da frente popular. Desta forma, a estratégia da FUA desenvolvida de fato pelo POR, está em absoluta contradição com a teoria da revolução permanente, significando um bloqueio para a formação do partido de vanguarda. (...) MARXISMO VERSUS OPORTUNISMO Os clássicos do marxismo sempre se preocuparam em demarcar que em todo momento um partido revolucionário está exposto a uma degeneração oportunista como manifestação da luta de classes em seu seio. A luta de classes dentro do próprio partido revolucionário é algo inevitável, sobretudo dentro de pequenas organizações com escassa influência de massas, como é o caso do POR. Enquanto subsista o capitalismo, enquanto se desenvolve a luta de classes na sociedade, todo partido revolucionário sofrerá sua influência, a pressão das classes em luta. Isso pode permanecer latente, oculto, desenvolvendo-se de forma subterrânea, solucionando-se em parte pelo exercício da crítica e da autocrítica, ou pode eclodir, transformando-se em manifesta, como ocorreu com o POR. (...) Como negação do marxismo, duas das principais características do oportunismo são o distanciamento da teoria e do método leninistas e a adoração da espontaneidade das massas. No caso do POR, esta adoração se vê no fetichismo das "assembléias populares" e dos "piqueteiros". Daí também vem a concepção de que a atividade central do POR consista em secundar as lutas espontâneas pelas reivindicações imediatas das massas populares e o fato de que cada conflito econômico transforme-se no eixo da propaganda do POR. Por outro lado, a transformação em estratégia da tática da FUA confirma o desvio oportunista do POR e está em consonância com seu seguidismo das massas. O primeiro passo dos oportunistas é o abandono da tentativa de levar as idéias marxistas às massas operárias, ou seja, o abandono da propaganda revolucionária e sua mudança por propostas políticas "à altura das massas" (Documento de Situação Política Nacional da Conferência Nacional do POR, janeiro de 2002). O POR já deu esse passo. Agora, sua estratégia consiste em "unificar os que lutam", sem importar a que classe pertençam, em lugar de organizar a vanguarda proletária. Claramente, o POR decidiu abandonar o marxismo para abraçar o oportunismo. (...) PARTIDO E CLASSE A concepção leninista de partido consiste de dois elementos complementares entrelaçados. Em primeiro lugar, Lenin sempre sublinhou a possibilidade de uma transformação repentina da consciência operária e confiou em que os profundos instintos da classe operária a levarão a rechaçar a submissão. Esta fé nas massas foi a que o levou em abril de 1917 a enfrentar-se em seu próprio partido e a sustentar que "as massas estão mais à esquerda que o partido". O segundo elemento fundamental da concepção de partido de Lenin consiste em sublinhar o papel da teoria e do partido como portador dela. O reconhecimento mais conhecido deste papel do partido encontra-se no "Que fazer?", onde Lenin escreve que "sem teoria revolucionária, não pode haver tampouco movimento revolucionário". Uma das características fundamentais do partido revolucionário é que este representa os setores conscientes mais avançados da classe operária. Ademais, dado que a classe operária deve ser independente das outras classes, o partido revolucionário é o partido de uma só classe e deve concentrar seu trabalho dentro da classe operária. O seguidismo do POR, e da grande maioria da esquerda argentina, às assembléias populares e inclusive aos piqueteiros, organismos policlassistas, reflete os preconceitos conservadores destes grupos. Basicamente, mediante esta prática, o que fazem é negar a possibilidade de que o partido ponha em prática o programa marxista e mediante a ação ajude a classe operária a alcançar um nível superior de consciência. Desta forma, rebaixando o papel do partido, o POR e a maioria da esquerda argentina mostram que confundem o partido com a classe como faziam os mencheviques. (...) SÍNTESE E CONCLUSÃO Ao longo deste artigo polêmico, tratei de mostrar que o POR renunciou definitivamente aos aspectos revolucionários que alguma vez o animaram... Para quem alguma vez depositamos nossa confiança nesta organização e tentamos a partir dela construir o partido revolucionário da classe operária, isto consiste em uma trágica derrota. No entanto, esta derrota não significa para nada o final da história. Despejado o POR, e sem existir nenhuma outra alternativa autenticamente revolucionária na Argentina, o urgente é pôr-se a trabalhar para construir um núcleo de militantes que trabalhe conscientemente para educar e organizar politicamente os setores da vanguarda da classe operária. Este núcleo de militantes consistirá de uma organização de marxistas revolucionários que submeterão a um exame minucioso científico tanto de sua situação, como da situação da classe em seu conjunto, e que tentará, mediante uma participação diária nas lutas da classe operária ampliar a atividade consciente desta para destruir o capitalismo. (...) * (texto condensado e traduzido do documento original em espanhol) |
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