Lula monta governo com banqueiros, latifundiários e grandes industriais para aplicar a política do FMI e do carniceiro Bush no Brasil

Quando logo após a realização do 1º turno das eleições presidenciais, nós da LBI afirmávamos que o PT negociava com o imperialismo ianque o nome de Henrique Meireles para a presidência do Banco Central (ver jornal Luta Operária, n.º 65), com o objetivo de obter o aval do governo Bush para "confirmar" sua vitória eleitoral, não estávamos simplesmente praticando um "palpite" neste ou naquele nome para a cabeça do BC, o posto mais estratégico para o capital financeiro internacional no Brasil. Significava uma caracterização política de todo o processo eleitoral do ponto de vista do marxismo revolucionário. A indicação de Meireles, ex-presidente do Bank of Boston, representou o coroamento do acordo firmado entre o PT e o imperialismo para que Lula pudesse tomar posse na presidência e não visse, como nas eleições anteriores, a fraude eleitoral "roubar" suas aspirações presidenciais. Para "agentes" financeiros e o "mercado" ficam a garantia política e a certeza econômica de que seus interesses no país serão absolutamente preservados, senão ampliados, sob a gestão da frente popular na condução do governo central. Foi o próprio presidente do Citybank, Carlos Kawall, quem definiu com clareza a política econômica que o PT vem prometendo executar a partir de 1º de janeiro próximo: "o futuro ministro Palocci está muito mais afinado e em sintonia com nossas diretrizes para o Brasil do que a própria equipe do Sr. Pedro Malan" (Washington Post, 16/12).

O nome de Meireles não é nota dissonante na equipe ministerial do presidente Lula. Vem somar-se a uma "plêiade" de representantes do grande capital, do latifúndio e do imperialismo, incluindo até próceres do regime militar. Para chanceler do governo petista, Lula indicou Celso Amorim, que participou do governo militar do general Figueiredo, ocupando o cargo de presidente da Embrafilme. Atual embaixador do governo FHC em Londres, Celso Amorim foi um dos articuladores na ONU do envio da missão de espionagem ao Iraque, comandada por Hans Blix, além de elogiar abertamente a política internacional do carniceiro Tony Blair. Como ministro da agricultura, Lula foi buscar na "fina-flor" do latifúndio um legítimo representante, Roberto Rodrigues, que é presidente da Associação Brasileira de Agribusiness, além de ter ocupado a presidência da arqui-reacionária "Sociedade Rural Brasileira". Roberto Rodrigues é um dos maiores produtores de soja de São Paulo, herança deixada por seu pai, vice-governador na gestão de Laudo Natel, em pleno regime militar. Liderança destacada no meio latifundiário, Roberto Rodrigues foi um dos fundadores, ao lado do atual deputado federal Ronaldo Caiado, da famigerada UDR (União Democrática Ruralis-ta), entidade responsável por vários assassinatos de dirigentes camponeses e militantes do MST. A UDR hoje, em vida "latente", ganhará um importante reforço com a nomeação de Roberto Rodrigues para a pasta da agricultura. Não deixando de fora o núcleo da burguesia industrial paulista agrupada na poderosa Fiesp, Lula indicou o proprietário da empresa "Sadia" e vice-presidente da própria Fiesp, Luis Fernando Furlan para o Ministério da Indústria e Comércio. Furlan, um grande exportador de alimentos, é conhecido por suas posições abertamente favoráveis à implantação da ALCA. Em um recente debate televisivo (Globo News) entre Fur-lan, até então não se cogitava seu nome para o ministério, e o assessor econômico do PT, Guido Mantega, o presidente da Sadia criticou ofensivamente o próprio Mantega por este defender um adiamento nos prazos já estabelecidos no calendário de implementação da ALCA, afirmando que o Brasil "não poderia perder o bonde da história". Talvez a criação da ALCA seja um bonde de luxo para a burguesia industrial "exportadora", mas certamente é um trem descarrilado em direção ao inferno para o proletariado brasileiro e latino-americano.

O governo de frente popular busca desesperadamente a ampliação do atual pacto de co-governabilidade. Além de nomear as "raposas" da burguesia e do latifúndio para "tomar conta" do "galinheiro", incorporou ao governo as outras frações políticas da antiga oposição burguesa, como o PSB, o PDT e o PPS (inclusa a fração do ex-governador Tasso Jereissati, PSDB). Também terão ingresso no governo Lula, o PTB e, é claro, o PL, do vice José Alencar, ambos "cristãos novos" recém "convertidos" à aliança política com a "esquerda" tradicional. O próprio PSDB terá participação no botim da frente popular, seja pela representação de Meireles, deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás, que renunciou ao mandato por força de obrigação constitucional, seja pela fração de Tasso Jereissati, aliado de Ciro Gomes do PPS.

A "surpresa" ficou por conta da não entrada do PMDB no governo Lula. Anunciada como certa a composição que envolveria a eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o PT resolveu por adiar a entrada dos peemedebistas em função da própria correlação de forças interna do PMDB, hoje francamente favorável ao grupo "governista" pró-FHC, chefiado por Michel Temer, Renan Calheiros e Gedel Vieira. Os cargos oferecidos ao PMDB, no caso dois ministérios, ficariam sob o controle da atual direção do PMDB, alijando os setores comandados por Sarney, Requião e Qüércia. Como não se chegava a um acordo no interior do próprio PMDB, o PT resolveu por suspender a participação do PMDB no governo até que se realize uma nova convenção nacional do PMDB, prevista para o final de janeiro de 2003. Até lá, as vagas do PMDB no ministério serão preenchidas por "laranjas" transitórios, sem muita densidade política, como a ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef. A questão é saber se a manobra do PT para favorecer a ala de Sarney e Qüércia, não pode vir a naufragar com a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, levando o PMDB a fechar um acordo com o PSDB e PFL, abatendo as pretensões do PT em emplacar o deputado João Paulo na presidência do parlamento, posição estratégica para garantir a "governabilidade" da frente popular.

Sem muito alarde, nem divulgação na mídia, o PFL deverá ter o seu "quinhão" no governo Lula. O PT articula a nomeação de vários cargos no segundo e terceiro escalões, como as diretorias da Caixa Econômica e da hidroelétrica de Itaipu para "apadrinhados" de ACM que apoiou Lula no 2º turno das eleições. O PFL poderá inclusive ocupar o vácuo deixado pelo PMDB, caso este se decida, após sua convenção, afastar-se definitivamente do PT, retomando sua "parceria" com o PSDB.

A parcela que coube ao PT no ministério de Lula tem na figura de Antonio Palocci sua expressão mais emblemática. Escolhido para ocupar o Ministério da Fazenda, função central no gabinete da frente popular, este ex-membro da corrente lambertista "O Trabalho" (é bom lembrar que o lambertismo já "forneceu" Lionel Jospin ao Partido Socialista Francês), prefeito por duas vezes de Ribeirão Preto, notabilizou-se por privatizar a Companhia Municipal de Telefonia de Ribeirão Preto, enquanto em nível nacional o PT fazia demagogia eleitoral contra a privatização do sistema Telebrás. Atualmente ganhou a simpatia do "mercado" ao defender a ampliação do superávit primário (leia-se mais cortes em verbas sociais) e combater qualquer medida que venha a restabelecer a indexação salarial frente à disparada da inflação. Totalmente despre-parado do ponto de vista "técnico" para as atribuições do Ministério da Fazenda, o "doutor" Palocci limita-se a repetir mecanicamente o chamado receituário neoliberal imposto pelo FMI e congêneres. Passou subitamente, após as eleições, a elogiar a gestão do Malan e Armínio Fraga à frente da economia, prometendo inclusive ser mais rigoroso na aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O restante dos ministros petistas, segue a mesma linha "doutrinária" de Palocci, estabelecendo uma hierarquia política do PT em nível ministerial.

UM GOVERNO DO GRANDE CAPITAL PARA ATACAR AS CONQUISTAS OPERÁRIAS

A composição final do governo Lula revela que a atual frente popular tupiniquim não deseja criar nenhuma zona de conflito com os interesses do grande capital e do imperialismo no Brasil. Sequer recorrerá a um demagógico verniz "nacionalista" ou anti-imperialista como fez Chávez na Venezuela. Seguirá os trilhos de Mandela e Lagos em países semicoloniais, adotando como referência política governos sociais-democratas imperialistas como os de Blair, Jospin e Schröeder. Neste sentido, Lula com o peso do governo brasileiro buscará conformar um bloco latino-americano de governos e partidos de "esquerda" que "passaram" para o lado dos interesses norte-americanos. O coronel Gutiérrez, recém eleito para a presidência do Equador, também sinalizou na mesma direção, condenando as bravatas de Chávez, feitas no início de seu governo. A presença de sindicalistas da CUT no primeiro escalão do governo, como o ex-presidente do Sindipetro da Bahia, o deputado Jaques Wagner, serve para auferir o caráter político de um governo de colaboração de classes, ou seja, de frente popular ao governo Lula, mas em hipótese alguma anula o conteúdo de classe burguês e pró-imperialista deste governo.

A conveniência histórica deste governo de frente popular para a burguesia é o de aplicar o "ajuste" imperialista que a quadrilha de FHC não teve condições políticas de consumar. E o primeiro "ajuste" ou, na realidade, ataque às conquistas operárias já tem nome e sobrenome, chama-se "reforma" da previdência e "reforma" trabalhista. Apesar do grande estardalhaço em torno da necessidade urgente de uma reforma tributária, a burguesia sabe muito bem das enormes dificuldades de se levar à frente esta proposta, principalmente em um momento onde a prioridade absoluta é ampliar a arrecadação federal para garantir o cumprimento do superávit primário. A Receita Federal sob a gestão do PT só terá a "oferecer" aos estados e municípios a renúncia de seus próprios impostos (por exemplo, ICMS e ISS), o que inviabiliza qualquer aprovação no Congresso Nacional. Portanto, será um esforço seguido de desgaste inútil para o PT insistir nesta direção. Resta o caminho mais "fácil" onde há absoluto consenso no seio das classes dominantes, ou seja, subtrair os direitos sociais dos trabalhadores pela via da reforma previdenciária e trabalhista.

Luiz Gushiken, secretário de comunicação do governo Lula, é o artífice de um vasto "estudo" encomendado pelo governo FHC, onde coloca a necessidade de "capitalizar" a previdência e os fundos de pensão com massivos investimentos do capital financeiro, tendo como objetivo a privatização da previdência pública no Brasil. Em resumo, para ter a aposentadoria assegurada, o trabalhador, segundo Gushiken, deverá "investir", sujeito às regras do mercado financeiro, em sua própria aposentadoria, pela via de um fundo gerenciado por uma corporação financeira. Se ao longo de sua vida "útil" seu "investimento" resultar um prejuízo ou mesmo insuficiência de rendimentos para lhe garantir um salário até o fim de sua vida, ficará sem aposentadoria e sem nenhuma proteção do Estado, como saúde por exemplo.

DERROTAR O PACTO SOCIAL CONSTRUINDO UMA OPOSIÇÃO REVOLUCIONÁRIA

A política de cooptação do movimento operário é fundamental para dar vida ao governo de frente popular. Sem a vigência da colaboração de classes, a frente popular é absolutamente inútil para a burguesia na cabeça do governo central. A crise capitalista mundial exige das burguesias nativas cada vez mais "sacrifícios" que são descarregados sob os ombros da classe operária. Por isso, a necessidade da celebração de um amplo pacto social no país. Diferente do pacto "de la Moncloa" na Espanha, onde a burguesia teve que ceder alguma coisa para efetivar a transição "pacífica" do regime franquista ao atual regime democrático parlamentarista, no Brasil a burguesia não "cederá" nada, ao contrário, utilizará os capachos da frente popular para arrancar as conquistas operárias.

Como podemos constatar, estamos diante de um fenômeno político sui generis no Brasil, ou seja, a existência de um governo de frente popular mais subserviente ao imperialismo do que os governos burgueses tradicionais e a iminência da celebração de um pacto social em que não há, nem mesmo, aceno de qualquer ganho real nas condições de vida dos trabalhadores. A diferença política deste pacto social não consiste no ineditismo de sua proposta cretina, mas na grande possibilidade de ser realizado em função do enorme prestígio político adquirido pelo PT e da cooptação do conjunto das direções reformistas, imobilizando o proletariado por um relativo período.

Só há um caminho para derrotar o pacto social e o próprio governo de frente popular que é o da ação direta das massas. Acontece que o proletariado está embriagado com as ilusões que deposita no governo Lula. Faz-se necessário um paciente e rigoroso trabalho, combinando propaganda e agitação política em torno da bandeira da oposição revolucionária a este governo. Sem esta delimitação de campo político, prévia a qualquer embate de massas (no momento estão paralisadas), será impossível rasgar o véu de fumaça que envolve a consciência de classe do proletariado. Qualquer vacilação ou acovardamento político pagará um alto custo no processo de aceleramento da demolição das ilusões no governo de frente popular. Colocar-se como "conselheiro crítico" da frente popular, como faz o PSTU, é tão criminoso como integrar diretamente seu governo, com ou sem viés de "tensionamento" com a política oficial do PT. Convocamos todo o ativismo classista e a esquerda que se reivindica da revolução social e da ditadura do proletariado a defender conjuntamente em todas as instâncias do movimento de massas e nas ruas, a bandeira da oposição revolucionária ao governo de frente popular como condição "sine qua non" para desbloquear a ação direta dos trabalhadores.


NOTAS:
Artigo extraído do jornal Luta Operária n.º 68, Dezembro/2002


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