VENEZUELA

Governo Chávez é acossado por locautes patronais, capitulando cada vez mais ao imperialismo

A frustração das massas venezuelanas com a prometida "Revolução Bolivariana" de Hugo Chávez deu um salto em 2001. Em março, o suposto caráter popular do governo "bolivariano" foi abalado quando mandou a odiada Guarda Nacional (GN) reprimir uma onda de greves, dentre as quais se destacava a do proletariado petroleiro por melhores salários, seguida pelas mobilizações metalúrgicas, docentes e estudantis, às quais se somaram as ocupações dos sem-terra. Contra estes últimos, além de invocar a GN, o governo se solidarizou com os latifundiários, concedendo-lhes "porte de armas".

À medida em que os trabalhadores se impacientam com o populismo chavista – meramente retórico e sem concessões econômicas ou políticas – encurta-se a sua margem de manobra com as massas.

Neste quadro, a oposição burguesa, capitaneada pelos partidos tradicionais do regime, como a Ação Democrática (que com o COPEI se revezou no governo por mais de quatro décadas), passa à ofensiva política, organizando um locaute de 12 horas para pressionar pela renúncia de Chávez no dia 10 de dezembro de 2001. A burocracia sindical arquicorrupta da Central dos Trabalhadores Venezuelanos (CTV), a maior do país, se somou à reacionária manifestação patronal.

O patronato usou, como mote para a manifestação, a exigência de que fossem retificadas 10 das 49 leis decretadas por Chávez em 13 de novembro, das quais a principal é a Lei dos Hidrocarbonetos, secundada por outras que dizem respeito ao uso da terra, das zonas costeiras e da Pesca.

O pacote foi anunciado como um "aprofundamento do processo revolucionário" por Chávez e criticado com alarde pela oposição burguesa, que acusa o governo de atentar contra a propriedade privada e de ter uma "fixação comunista" (El Nacional, 10/01/01).

Mentiras de ambos os lados. A Lei dos Hidrocarbonetos define como propriedade estatal 51% das ações dos negócios futuros sobre as atividades primárias (exploração, extração, transporte e armazenamento inicial) e estabelece em 30% a taxa de royalties sobre a exploração do petróleo. Na verdade, trata-se da garantia de que o Estado vai arcar com os investimentos infra-estruturais das futuras explorações – as reservas comprovadas são 75 bilhões de barris de petróleo e as potenciais 453 bilhões – cabendo aos grandes parasitas multinacionais o filão do negócio: a distribuição e venda. Em troca disto, o governo aumentou de 15 para 30% seus direitos de patente, de fato, um acréscimo na propina legal que fica para o Estado pela rapina imperialista.

A exploração do petróleo é responsável por mais de 60% da arrecadação do Estado venezuelano. Foi o agravamento da recessão mundial e a queda dos preços do produto no mercado internacional que forçaram o governo a tomar estas tímidas medidas. Como aponta o informe do jornal argentino Clarín, "em seu Orçamento para 2002, o governo havia calculado o preço do barril de petróleo a 18,5 dólares, mas o preço do óleo cru despencou para 14 dólares esta semana, representando uma perda de 44% em um ano" (19/12). Movido pelo lucro máximo e imediato, o grande capital obviamente se opôs a aumentar minimamente os gastos com seu sócio menor, a atual camarilha estatal chavista, e se utiliza da oposição burguesa para desestabilizar o governo. Esta situação tem como pano de fundo a ofensiva militar ianque pelo controle do petróleo no Oriente Médio: os barões do petróleo e senhores da guerra em Washington não admitem perder um só centavo em seu quintal latino-americano.

Chávez, cada vez mais isolado no poder, só queria recompor parte dos prejuízos que a queda do petróleo causou na arrecadação estatal, preservando o Estado capitalista da bancarrota financeira, para onde é empurrado pelo parasitismo imperialista.

CHÁVEZ MANTÉM A RECOLONIZAÇÃO E TORNA-SE REFÉM DA BAIXA DO PETRÓLEO PROVOCADA PELOS EUA

Apesar de Chávez contrariar Washington em seu namoro com a OPEP, Saddam Hussein e Putin no sentido de elevar o preço do petróleo, é o imperialismo ianque que sempre leva a melhor, tirando vantagens comerciais, com o preço do óleo cru de suas semicolônias fornecedoras despencando em nível mundial.

Em 1995, foi quebrado o monopólio da empresa estatal Petróleo de Venezuela S.A. (PDVSA), em favor das grandes corporações imperialistas Shell, Móbil, Arnoco, etc. A produção, que até então era de 2,4 milhões de barris por dia, saltou para 3,5 milhões de barris/dia em 1997. A superprodução de petróleo mundial fez com que os preços do produto entrassem em queda livre. Graças ao arrocho salarial imposto pelo governo Chávez sobre o proletariado na Venezuela, o custo da produção do barril pôde não exceder a US$ 2,5!!! Na distribuição mundial da produção capitalista, o imperialismo reservou à Venezuela a função de província petrolífera dos EUA, para onde vão cerca de 80% do petróleo venezuelano.

Apesar das declarações "antiimperialistas" de Chávez, inclusive criticando a intervenção ianque no Afeganistão, no essencial, seu governo é um guardião dos interesses capitalistas, que mantém a Venezuela como segundo exportador mundial de petróleo para os EUA. Por isso, de palavras, o chavismo condena o ataque imperialista contra o Afeganistão, mas de fato alimenta com combustível barato os B-52 norte-americanos que bombardeiam os afegãos.

A Lei da Terra, por sua vez, permite ao Estado desapropriar as terras improdutivas acima de 5 mil hectares, mas é bastante complacente com todo o latifúndio que provar ser produtivo, concedendo-lhes empréstimos mais gordos. As demais leis vão no mesmo sentido, em nada tocam no modelo monoprodutivo petroleiro, quando muito buscam impulsionar a pesca e a agricultura artesanais, de pequeno porte, que sob as condições do capitalismo semicolonial logo tendem a ser devoradas pelos grandes monopólios. O "nacional-desenvolvimentismo" chavista é incapaz de desenvolver a grande indústria nacional, tendo o país que continuar importando até os alimentos da cesta básica dos EUA; é incapaz de fazer concessões às massas, de nacionalizar um centímetro do capital estrangeiro. Sua função reside em manter de pé o falido Estado semicolonial, cujos recursos são drenados pelas multinacionais e pelo FMI e permitir, por trás de uma retórica populista, a recolonização do país.

A burguesia nacional e a classe média abastada que patrocinaram o fenômeno Chávez há três anos como recurso emergencial ante a falência de seus partidos tradicionais, temerosas com o avanço das lutas das massas que sacudiram o país em levantes populares como o "Caracazo", agora que o engano chavista já não tem o mesmo prestígio de massas, querem livrar-se dele.

Entre as massas que foram enganadas pelas promessas "revolucionárias" do ex-tenente-coronel golpista, a desilusão caminha para um ódio de classe. Isolado, Chávez assume cada vez mais suas pretensões bonapartistas, alimentando seu poder unipessoal, apoiado na alta cúpula militar contra a rebelião que se gesta. Precocemente, começam a envelhecer os mecanismos institucionais recém criados pelo chavismo: o "processo constituinte" (que manteve inalterada a estrutura básica do regime), a militarização da administração estatal que transpira corrupção por todos os poros e os chamados "Círculos Bolivarianos" (uma caricatura chavista dos Comitês de Defesa da Revolução Cubana), que recentemente promoveram protestos de rua contra a imprensa burguesa opositora, quando esta explorava as denúncias de corrupção na alta cúpula governista. O protesto, reprimido pelo próprio aparato governista, criou ainda mais desmoralização nas fileiras chavistas, servindo para dividir os aliados e unir os opositores.

DEPOIS DA DEMAGOGIA DAS 49 LEIS, GESTA-SE UM DURO ATAQUE ÀS MASSAS

A suposta "fixação comunista" do governo que apela para o prestígio e os símbolos da revolução cubana (posando para fotos com o burocrata Fidel), não passa de uma manobra propagandística, enquanto prepara futuros pacotes antioperários para 2002. "O economista Pedro Palma, presidente da Câmara Venezuelana-Americana, prognostica que haverá um déficit fiscal entre 8 e 10 bilhões de dólares pela queda dos preços do petróleo e o governo terá que endividar-se com a banca internacional e impor aumentos de impostos, gasolina e desvalorizar a moeda" (Clarín, 19/12).

É preciso assinalar então que as declarações de Chávez que "ameaça endurecer e fechar mais o governo: ‘Vamos torcer mais porcas’" (Folha de S.Paulo, 12/12/2001) e aplicar "mano dura" (Clarín, 11/12/2001) contra seus opositores estão direcionadas não aos empresários, mas efetivamente a amedrontar os trabalhadores.

As mesmas razões que levaram à decadência e corrosão política no modelo bipartidarista da AD e COPEI conspiram agora contra Chávez: a queda do preço do petróleo, o endividamento externo e os planos econômicos antioperários. O combustível político de Chávez nos primeiros dois anos de governo foi a alta no preço do petróleo, o que lhe possibilitou ganhar logo em seguida as eleições para a nova constituinte, cuja principal realização foi a concessão de superpoderes para Chávez, através da "Lei Habilitante" (recurso que permitiu ao presidente decretar várias leis, como o pacote de 49 leis, sem passar pela aprovação do parlamento). Neste período de relativa bonança das contas públicas, Chávez se deu ao luxo de manter uma certa estabilidade no governo sem realizar nenhuma das suas promessas de campanha (aumento salarial, reforma agrária, moratória da dívida externa, fim da miséria, etc.). A dívida externa, que soma hoje US$ 23 bilhões e consome uma gorda fatia do PIB venezuelano, continua sendo muito bem paga. Cerca de 80% da população vive abaixo da linha de pobreza. No entanto, a queda do preço do petróleo acabou a boa vida do governo: "As reservas internacionais se mantiveram em US$ 14 bilhões nos dois primeiros anos, mas baixaram a US$ 12 bilhões em 2001" (Clarín, 19/12/2001).

Quanto à corrupção, endêmica dos governos capitalistas, manifestou-se de forma aguda no atual governo, o que desmoraliza o chavismo perante as massas, oferece munição "ética" para a oposição burguesa e desagrada o imperialismo, que exige um "Estado barato" em favor do aumento de sua rapina. Até agora não foi preso um só corrupto, e os escândalos de corrupção permeiam justamente programas como o Plano Bolívar 2000, usado para maquiar a função repressiva das FFAA, mediante o qual os militares ajudam a população civil em mutirões assistencialistas. Neste episódio, o principal envolvido no desvio de verbas, Victor Cruz Weffer, havia sido promovido em julho a comandante geral do Exército, mas após o locaute foi destituído. A corrupção chavista extrapola as fronteiras nacionais, como no caso de suas relações com Montesinos, o arquicorrupto e sanguinário mão direita do ex-bonaparte peruano, Fujimori.

Chávez ameaça reprimir a oposição para garantir seu mandato, expandido pela atual constituição para 2006, e ainda reeleger-se, enquanto a oposição busca convocar um referendum sobre seu governo em 2004. Nesta queda de braço, Chávez vem perdendo terreno. Na Assembléia Nacional, o partido do governo, o Movimento V República, possui 76 dos 165 deputados, mas ainda consegue reunir maioria absoluta graças aos deputados da esquerda reformista stalinista (formada pelo Movimento ao Socialismo-MAS, Causa Rebelde e PCV). Algumas correntes nacional-trotskistas, como o lambertismo, a UIT (CST brasileira e MST argentino) e o PST venezuelano (simpatizante da LIT), também apóiam o chavismo.

Como este bando de reformistas dançam conforme a música da opinião pública burguesa e pequeno-burguesa, quando as coisas começam a ficar difíceis para Chávez, eles começam a vacilar: "Apesar de ser maioria individual e ter ainda o apoio de alguns partidos menores, o MVR de Chávez corre o risco de acabar sozinho na defesa intransigente das novas leis que geraram o locaute. O MAS venezuelano (socialista aliado do Palácio Miraflores) admitiu ontem pela primeira vez apoiar "aperfeiçoamentos" na nova Lei de Terras, que prevê expropriação de terras improdutivas acima de 5 mil hectares" (Folha de S.Paulo, 12/12/2001). Que vergonhoso, um dia após o locaute e os ratos stalinistas venezuelanos já ameaçam abandonar o barco. Apesar de Chávez ter declarado que "Jamais vou a uma mesa de diálogo para trair um povo mil vezes já traído" (Clarín, 11/12/2001) e ter "ameaçado meter preso a todo aquele que não cumprisse as leis (...), a Assembléia Nacional, dominada inclusive pelo oficialismo estabeleceu uma comissão especial de 27 deputados para iniciar uma mesa de diálogo com os empresários, a fim de reformar as 49 leis" (Clarín, 19/12/2001).

O esgotamento do chavismo é mais rápido do que o previsto, a CTV anunciou uma greve geral de 48 horas para janeiro de 2002, exigindo o impeachment do presidente. Os trabalhadores devem opor-se às paralisações pró-patronais através da organização de suas greves sem e contra os capitalistas, com um programa próprio. O plano de ação contra o caráter domingueiro ou de locaute deve ser a greve geral com ocupação dos locais de trabalho, organizada por comitês de luta de autodefesa contra a repressão chavista e do conjunto dos capitalistas. Os revolucionários devem apontar uma saída para os trabalhadores independente do chavismo e da oposição patronal, tarefa que tanto o stalinismo, quanto os nacional-trotskistas se mostraram impotentes.

Contra os reclames patéticos de Chávez acerca das conspirações maquinadas pelas 20 grandes famílias contra seu governo, os trabalhadores devem lutar pela expropriação sem indenização do conjunto da burguesia nacional e o confisco das multinacionais imperialistas sob o controle operário; pela reforma agrária e a expropriação do latifúndio produtivo, acompanhada pelo controle operário das agroindústrias em um processo de revolução agrária; pela ruptura com o FMI e o não pagamento das dívidas externa e interna; planos de obras públicas contra a miséria e repartição das horas de trabalho entre o conjunto da população trabalhadora; destruição da polícia e das forças armadas.

Os desentendimentos de Chávez contra alguns setores do capital nada possuem de "antiimperialistas", tratam-se de uma luta pela preservação do próprio aparato estatal venezuelano ameaçado de arruinar-se (como na Argentina) pelo excessivo parasitismo do imperialismo e de seus sócios no país. O problema é que o preço da manutenção do modelo monoprodutor baseado no petróleo e dependente do imperialismo é a quebra das instituições do regime democratizante. Foi por isto que ruiu o bipartidarismo AD-COPEI e por isto está ruindo o chavismo. O que atesta mais uma vez que reside nas mãos do proletariado, através de sua direção revolucionária, ou seja, de um genuíno partido trotskista, a solução da crise, através de uma ruptura revolucionária socialista com o imperialismo e seus sócios menores.


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